PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº XXXXX-36.2020.4.03.6336 RELATOR: 32º Juiz Federal da 11ª TR SP RECORRENTE: ANTONIO BENEDITO SCUDELETTI Advogados do (a) RECORRENTE: AMANDA DE CAMARGO DIONISIO - SP424253-N, AMANDA NICOLE DE SOUZA - SP479253-N, CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N, JOSE LUCAS VIEIRA DA SILVA - SP425633-N RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: EMENTA PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA. 1. Pedido de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição de pessoa com deficiência 2. Sentença de improcedência lançada nos seguintes termos: “(...) As partes são legítimas, estão presentes as condições da ação, bem como os pressupostos de formação e desenvolvimento válido e regular da relação processual. Em relação à alegada litispendência, observo que nos autos do processo nº XXXXX-20.2015.8.26.0063 a parte autora postulou a concessão de benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez, diversamente do pedido destes autos, em que o autor busca a obtenção de benefício de aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência. Apesar de ambos os processos versarem sobre a deficiência do autor, sua forma de aferição é diversa em razão dos requisitos, também diversos, para concessão dos benefícios de aposentadoria por invalidez e de aposentadoria por tempo de contribuição à pessoa com deficiência. Afasto, assim, a ocorrência de litispendência. Passo ao exame do mérito da causa. Nos termos do § 1º do art. 201 da Constituição Federal , é vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar. Visando à satisfação desse dever de legislar, o Congresso Nacional editou a Lei Complementar nº 142, de 08 de maio de 2013, que entrou em vigor na data de 09/11/2013. Segundo a legislação complementar, a aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência está jungida à demonstração dos seguintes requisitos legais: Art. 3º É assegurada a concessão de aposentadoria pelo RGPS ao segurado com deficiência, observadas as seguintes condições: I - aos 25 (vinte e cinco) anos de tempo de contribuição, se homem, e 20 (vinte) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência grave; II - aos 29 (vinte e nove) anos de tempo de contribuição, se homem, e 24 (vinte e quatro) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência moderada; III - aos 33 (trinta e três) anos de tempo de contribuição, se homem, e 28 (vinte e oito) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência leve; ou Parágrafo único. Regulamento do Poder Executivo definirá as deficiências grave, moderada e leve para os fins desta Lei Complementar. O conceito de pessoa com deficiência albergado pela LC 142/2013 encontra raiz no art. 1º da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, que entrou em vigor no direito interno por intermédio do Decreto nº 6.949 /2009. Tendo em vista que a convenção foi aprovada por decreto legislativo que respeitou o procedimento previsto no § 3º do art. 5º da Constituição Federal , a norma internacional possui status equivalente à emenda constitucional, compondo o bloco de constitucionalidade brasileiro. Nesse sentido, o art. 2º da LC nº 142/2013 dispõe que, “para o reconhecimento do direito à aposentadoria de que trata esta Lei Complementar, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”. Com relação à identificação do grau de deficiência, que impacta diretamente na definição do requisito tempo de contribuição, a lei atribuiu ao Poder Executivo a competência para definir, por meio de regulamento, os critérios de identificação do grau de deficiência. Por sua vez, o art. 70-D do Decreto nº 3.048 /1999 ( Regulamento da Previdência Social ) delegou a atribuição de fixar critérios para avaliar o segurado, fixar a data provável do início da deficiência, o grau e sua variação no tempo a ato normativo conjunto, expedido por vários órgãos componentes da intimidade administrativa do Poder Executivo. Desse modo, foi publicada a Portaria Interministerial SDH/MPS/MF/MPOG/AGU nº 01, de 27/01/2014, que estabeleceu como instrumento de avaliação do segurado a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde - CIF, da Organização Mundial de Saúde, mediante a aplicação do Índice de Funcionalidade Brasileiro Aplicado para Fins de Aposentadoria - IFBrA, conforme o instrumento anexo à portaria. A identificação do grau de deficiência comporta avaliação médica e funcional, realizada pela perícia própria do INSS, a qual engloba a perícia médica e o serviço social, integrantes do seu quadro de servidores públicos. Em linhas gerais, os principais aspectos metodológicos do IF-BrA consistem na identificação e caracterização do avaliado (nome, sexo, idade, cor ou raça, diagnóstico médico, tipo de deficiência e funções corporais acometidas) e na aplicação do instrumento (Matriz), que engloba a atribuição de pontos aos níveis de independência, a identificação das barreiras externas, a aplicação do modelo linguístico Fuzzy, o cálculo do escore dos domínios e da pontuação total e a classificação da deficiência em leve, moderada e grave. A pontuação dos níveis de independência de cada atividade deverá refletir o desempenho do indivíduo e não a sua capacidade. O desempenho é o que ele faz em seu ambiente habitual, e não o que ele é capaz de fazer em uma situação ideal ou eventual: Escala de Pontuação para o IF-Br: 25: Não realiza a atividade ou é totalmente dependente de terceiros para realizá-la. Não participa de nenhuma etapa da atividade. Se é necessário o auxílio de duas ou mais pessoas o escore deve ser 25: totalmente dependente. 50: Realiza a atividade com o auxílio de terceiros. O indivíduo participa de alguma etapa da atividade. Inclui preparo e supervisão. Nesta pontuação sempre há necessidade do auxílio de outra pessoa para a atividade ser realizada: quando alguém participa em alguma etapa da atividade, ou realiza algum preparo necessário para a realização da atividade ou supervisiona a atividade. Nessa pontuação o indivíduo que está sendo avaliado deve participar de alguma etapa da atividade. Supervisão: quando há necessidade da presença de terceiros sem a necessidade de um contato físico. Por exemplo: a pessoa necessita de incentivo, de pistas para completar uma atividade, ou a presença de outra pessoa é necessária como medida de segurança. Preparo: quando há necessidade de um preparo prévio para a atividade ser realizada. Por exemplo, a colocação de uma adaptação para alimentação, colocar pasta na escova de dente. 75: Realiza a atividade de forma adaptada, sendo necessário algum tipo de modificação ou realiza a atividade de forma diferente da habitual ou mais lentamente. Para realizar a atividade necessita de algum tipo de modificação do ambiente ou do mobiliário ou da forma de execução como por exemplo, passar a fazer uma atividade sentado que antes realizava em pé; ou de alguma adaptação que permita a execução da atividade por exemplo uma lupa para leitura ou um aparelho auditivo. Com as adaptações e modificações não depende de terceiros para realizar a atividade: tem uma independência modificada. Nessa pontuação o indivíduo deve ser independente para colocar a adaptação necessária para a atividade, não dependendo de terceiros para tal. 100: Realiza a atividade de forma independente, sem nenhum tipo de adaptação ou modificação, na velocidade habitual e em segurança. Não tem nenhuma restrição ou limitação para realizar a atividade da maneira considerada normal para uma pessoa da mesma idade, cultura e educação. Realiza a atividade sem nenhuma modificação, realizando-a da forma e velocidade habitual. As atividades estão divididas em sete domínios. Cada domínio tem um número variável de atividades, que totalizam 41. A pontuação total é soma da pontuação dos domínios que, por sua vez, é a soma da pontuação das atividades. A pontuação final será a soma das pontuações de cada domínio aplicada pela medicina pericial e serviço social, observada a aplicação do modelo Fuzzy: a) Deficiência Grave quando a pontuação for menor ou igual a 5.739; b) Deficiência Moderada quando a pontuação total for maior ou igual a 5.740 e menor ou igual a 6.354; c) Deficiência Leve quando a pontuação total for maior ou igual a 6.355 e menor ou igual a 7.584; d) Pontuação Insuficiente para Concessão do Benefício quando a pontuação for maior ou igual a 7.585. Em síntese, para que faça jus ao benefício em tela, o segurado deve comprovar, primeiramente, a existência de deficiência, seja ela de qual natureza for (física, mental, intelectual ou sensorial), além das barreiras e dificuldades enfrentadas no exercício de sua vida laborativa, no período de sua deficiência, lembrando que a análise de tais barreiras e impedimentos deve ser feita com base no Código Internacional de Funcionalidade, não bastando, assim, a mera constatação da deficiência, mas em que medida referida deficiência limitou ou dificultou a plena e efetiva participação do segurado na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. No caso dos autos, em sede administrativa, a parte autora formulou requerimento administrativo em 14/03/2020 (ID XXXXX), postulando a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência. O INSS processou o pedido como aposentadoria por tempo de contribuição e indeferiu o benefício, não submetendo o autor a perícias. As perícias médica e social, realizadas por auxiliares deste Juízo, atribuíram, ambas, 4.050 pontos ao autor (laudos juntados aos Ids XXXXX e XXXXX), totalizando 8.100 pontos, excluindo o direito de se aposentar com as regras mais benéficas às pessoas com deficiência, uma vez que, conforme fundamentação supra, havendo pontuação igual ou superior a 7.585, inexiste direito subjetivo à aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência. 3. DO DISPOSITIVO Ante o exposto, com fulcro no artigo 487 , inciso I , do Código de Processo Civil , extingo o processo com resolução de mérito e JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS deduzidos na inicial. Mantenho/concedo a gratuidade processual. Sem custas processuais nem honorários advocatícios (arts. 54 e 55 da Lei nº 9.099 /95, c/c art. 1º da Lei nº 10.259 /01). (...)”. 3. Recurso da parte autora, em que alega: (...) (...) (...) (...) (...) 4. Consta do laudo pericial médico: "HISTÓRICO Conforme informações fornecidas pelo (a) periciando (a): histórico familiar, condições em que vive, internações e cirurgias, uso de medicamentos, diagnósticos anteriores: Referiu que em 1977 foi vítima de acidente com óculos em olho direito sendo que apresentou trauma penetrante neste olho. Refere que passou por atendimento oftalmológico tendo realizado cirurgia, porém manteve baixa de acuidade visual neste olho desde então. Nega patologias em olho esquerdo, exceto a miopia, com necessidade de uso de óculos. (...) Exame físico feito pelo perito: Acuidade Visual com correção para longe: movimentos de mão anteface em olho direito, 20/40 em olho esquerdo. Acuidade visual com correção para perto: Jaeger 1 a 10 centímetros. Biomicroscopia de segmento anterior: cílios e pálpebras sem alterações em ambos os olhos, conjuntiva calma em ambos os olhos, córnea com leucoma central em olho direito, sem alterações em olho esquerdo, câmara anterior rasa em olho direito, formada em olho esquerdo, íris sinequiada anteriormente em local de leucoma em olho direito, com pupila desviada para nasal e superior, íris trófica e fotorreagente em olho esquerdo, cristalino ausente em olho direito, cristalino opalescente em olho esquerdo. Biomicroscopia de segmento posterior: não é possível visualizar em olho direito por opacidades de meio (leucoma e desvio da íris). Em olho esquerdo disco óptico de limites nítidos, ovalado e tiltado, normo-corado e com escavação fisiológica, atrofia peripapilar e de epitélio pigmentado da retina, mácula sem alterações, vasos retinianos sem alterações, retina aplicada, vítreo limpo. Exames complementares e anamnese médica de Convênio Médico Particular ou do SUS apresentados pelo (a) periciando (a): Laudo médico emitido pelo Dr. Paulo Fernando Bortotto (CRM-SP 73.905) em 08/07/2014 em que consta que o autor possui acuidade visual com correção de movimentos de mão anteface em olho direito (1%) e 20/25 em olho esquerdo (90%). Possui fundo de olho que não foca em olho direito por opacidades de meio e fundo de olho de olho esquerdo sem alterações, biomicroscopia do olho direito com leucoma central, câmara anterior rasa, pupila discórica e corectópica e afacia. Possui pressão intraocular de 18 mmHg em ambos os olhos. Solicitada avaliação da Unesp-Botucatu para possível transplante de córnea e implante secundário de lente intraocular. Laudo médico emitido pelo Dr. Rodrigo Travessolo (CRM-SP 135.665) em 24/04/2019 em que consta que o autor possui perda da visão de olho direito aos 11 anos de idade, com acuidade visual de 0% em olho direito e 100% em olho esquerdo com uso de óculos (olho direito plano, olho esquerdo -7,75 esférico). CID-10 H52.1/ H54.4 Exames e documentos utilizados pelo perito para fundamentar as conclusões do laudo: Exame oftalmológico completo, laudos médicos prévios. Queixas do (a) periciando (a): Referiu deficiência visual. Atividade exercida antes de sentir-se incapacitado (a): Referiu que trabalhava como lavrador. Não exerce atividade laborativa desde: Referiu estar sem trabalhar desde 2014. DISCUSSÃO: De acordo com a portaria 3.128 de 24 de dezembro de 2008, considera-se baixa visão ou visão subnormal, quando o valor da acuidade visual corrigida no melhor olho é menor do que 0,3 (20/60) e maior ou igual a 0,05 (20/400) ou seu campo visual é menor do que 20º no melhor olho com a melhor correção óptica (categorias 1 e 2 de graus de comprometimento visual do CID 10) e considera-se cegueira quando esses valores encontram-se abaixo de 0,05 ou o campo visual menor do que 10º (categorias 3, 4 e 5 do CID 10). Portanto, o autor é portador de cegueira em olho direito, apresentando visão monocular (monovisão). Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), acuidade visual de 20/30 a 20/60 é considerado leve perda de visão, ou próximo da visão normal, de 20/70 a 20/160 é considerada baixa visão moderada, de 20/200 a 20/400 é considerado grave deficiência visual, de 20/500 a 20/1000 é considerada baixa visão profunda, inferior a 20/1000 é considerado quase total a deficiência visual, e nenhuma percepção da luz é considerada cegueira total. Nesta classificação o autor é portador de quase total a deficiência visual em olho direito e leve perda de visão em olho direito, decorrente da perfuração do globo ocular direito após trauma (CID-10 T90.4 / H54.4). CONCLUSÃO: Periciando se apresenta com alteração parcialmente incapacitante para a atividade laboral exercida. PERÍCIA MÉDICA - APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO OU POR IDADE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA Eis a redação do artigo 2º da Lei Complementar nº 142/2013, in verbis: “Para o reconhecimento do direito à aposentadoria de que trata esta Lei Complementar, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”. 1. Considerando os elementos obtidos na perícia médica, a parte autora é considerada pessoa com deficiência? Sim. 2. Informe o tipo de deficiência e as funções corporais acometidas. O autor possui deficiência sensorial, com cegueira em olho direito e perda da visão de profundidade devido à visão monocular. (...) O grau da deficiência é leve. O autor possui visão normal em olho esquerdo, possui cegueira irreversível em olho direito cursando com dificuldade na visão de profundidade (estereopsia). A visão de profundidade exige que haja visão boa em ambos os olhos e a falta da estereopsia causa dificuldade na percepção espacial da localização de objetos. 5. Considerando o teor do laudo pericial, que conclui que se trata de deficiência leve, a r. sentença deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099 /95. 6. RECURSO DA PARTE AUTORA A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 7. Condeno a recorrente ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa. Na hipótese de a parte autora ser beneficiária de assistência judiciária gratuita, o pagamento dos valores mencionados ficará suspenso nos termos do artigo 98 , § 3º , do CPC . MAÍRA FELIPE LOURENÇO JUÍZA FEDERAL RELATORA