MOTORISTA DE ÔNIBUS INTERESTADUAL. DESCONFIGURAÇÃO DO REGIME DE TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO VIA NEGOCIAÇÃO COLETIVA. INVALIDADE. NORMA DE INDISPONIBILIDADE ABSOLUTA. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SETORIAL NEGOCIADA. PATAMAR CIVILIZATÓRIO MÍNIMO. PROTEÇÃO À SAÚDE HUMANA. CONFORMIDADE COM O PRECEDENTE VINCULANTE 1046. A controvérsia cinge-se acerca da possibilidade de a norma coletiva afastar o direito do trabalhador à jornada reduzida de seis horas para o trabalho exercido em turnos ininterruptos de revezamento, por meio da descaracterização do referido sistema, independentemente de as escalas de trabalho oscilarem nas 24 (vinte e quatro) horas do dia, dentro da mesma semana, mês ou qualquer outro período. No julgamento do Tema 1046, é imprescindível destacar do voto o Ministro Gilmar Mendes a definição dos direitos absolutamente indisponíveis estabelecendo que "em regra, as cláusulas de convenção ou acordo coletivo não podem ferir um patamar civilizatório mínimo, composto, em linhas gerais, (i) pelas normas constitucionais, (ii) pelas normas de tratados e convenções internacionais incorporadas ao Direito Brasileiro e (iii) pelas normas que, mesmo infraconstitucionais, asseguram garantias mínimas de cidadania aos trabalhadores". Portanto, é consabido que o sistema de turnos ininterruptos se encontra previsto na Constituição Federal , logo se traduz em norma de indisponibilidade absoluta, infensa à negociação coletiva que visa a descaracterizá-lo e, não apenas, a flexibilizar a jornada de trabalho de seis horas (art. 7º , XIV , CF/88 ). É igualmente consabido que a alternância do trabalho em turnos acarreta desgaste à saúde do trabalhador, impactando diretamente no chamado ritmo circadiano, razão pela qual, à luz do precedente vinculante 1046, esclarece-se que "a saúde humana não é passível de negociação bilateral ou coletiva, por força da matriz constitucional de 1988, com suas várias regras e princípios de caráter humanístico e social. Saúde e segurança no trabalho são direitos individuais e sociais fundamentais de natureza indisponível (art. 7º , XXII , CF ). Não há margem para o rebaixamento da proteção à saúde, ainda que coletivamente negociado, até mesmo porque se trata de tema respaldado em base técnico-científica, por envolver riscos evidentes à preservação da saúde humana" ( Ag-AIRR-XXXXX-46.2017.5.03.0036 , 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado , DEJT 18/12/2023). A proteção à saúde humana, constitucionalmente prevista insere-se dentro das limitações às normas coletivas manifestada pelo princípio da adequação setorial negociada, não podendo ser ultrapassado o patamar mínimo civilizatório, o que está em consonância com a tese fixada pelo E. STF, no julgamento do tema 1046, segundo a qual: "São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis .". À vista do exposto, uma vez que a norma coletiva afronta direitos indisponíveis e o patamar mínimo civilizatório, desconsiderando por completo o princípio da adequação setorial negociada, não há como atribuir-lhe validade.