RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DECISÃO DE PRONÚNCIA. RECURSO DEFENSIVO. 1 . Recurso em Sentido Estrito manejado pela Defesa da ré Ana Raquel Conceição Sardinha em razão da Decisão do Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal de Campos dos Goytacazes que pronunciou a acusada como incursa nas penas dos crimes previstos nos arts. 121 , § 2º , I , III , 344 e 347 , parágrafo único , todos do Código Penal , em concurso material, a fim de que seja submetida a julgamento pelo E. Tribunal do Júri (index 1349 ). 2 . A Defesa, em suas Razões Recursais, sustenta, preliminarmente, a nulidade do decisum por excesso de linguagem. No mérito , requer a impronúncia da recorrente , argumentando, em síntese, que a prova técnica e o depoimento do perito convergem na conclusão de que a causa da morte da vítima foi o infarto do miocárdio provocado pela intoxicação exógena por quantidades abusivas de vários medicamentos, já utilizados por esta (vítima), em razão de comportamento exclusivo desta. No que tange aos crimes conexos, sustenta que as provas são igualmente frágeis e inconsistentes. Por fim, formula prequestionamento com vistas ao eventual manejo de Recurso aos Tribunais Superiores (index 1397 ). 3 . A Denúncia aditada imputou à ré a prática dos delitos previstos nos arts. 121 , § 2º , I , III , 344 e 347 , parágrafo único , todos do Código Penal , em concurso material (index 12 0 1 ). 4 . Cabe registrar que foi proferida Sentença em 17 de dezembro de 2 0 18 pronunciando a ré como incursa nas penas dos arts. 121 , § 2º , I e III , 344 e 347 , parágrafo único , todos do CP , em concurso material (indexes 548 e 585 ). A Defesa da ré interpôs Recurso em Sentido Estrito (indexes 594 e 597 ) ao qual foi negado provimento por esta Oitava Câmara Criminal em Sessão de Julgamento realizada em 11 /0 9 / 2 0 19 (index 645 ) com trânsito em julgado em 3 0/ 1 0/ 2 0 19 (index 67 0). Na Sessão plenária realizada em 0 4 /0 2 / 2 0 2 0, o Parquet requereu a redesignação do ato ante a ausência de informação contida no verso do laudo pericial prévio e, por sua vez, a Defesa requereu o relaxamento da prisão por excesso de prazo, sendo ambos os requerimentos deferidos pelo Juiz Presidente (index 8 0 8 ). Foi juntado aos autos Laudo Complementar de Necropsia (index 895 ), tendo a Defesa impetrado o Habeas Corpus nº 00 127 0 5 - 93 . 2 0 21 . 8 . 19 .0000, no qual pretendeu o trancamento da Ação Penal ao fundamento de que a conduta criminosa imputada à paciente não restou demonstrada à luz da conclusão exarada pelo perito subscritor do Laudo Complementar de Necropsia, que afirmou a ausência de tóxicos no corpo da vítima. Esta Câmara Criminal denegou a ordem, nos termos do Acórdão constante do index 998 . A Defesa, então, interpôs perante o c. STJ o Recurso em Habeas Corpus nº 14639 0-RJ, ao qual foi negado provimento (index 1 0 11 ). A Sessão Plenária foi designada para o dia 28 /0 2 / 2 0 23 (index 1 0 38 ) e, em 27 /0 2 / 2 0 23 , o Parquet ofereceu aditamento à Denúncia para dela fazer constar nova definição fática, sobretudo diante do Laudo Complementar de Necropsia, objeto de apreciação em sede de HC, que rejeitou o pedido de trancamento da ação penal e aventou a possibilidade jurídica de aditamento da Denúncia (index 12 00). Na Sessão Plenária, foi recebido o aditamento e deferido o pedido das partes , "visto que de comum acordo, optaram pelo aproveitamento da oitiva das testemunhas já realizada, dispensando-se expressamente pela acusação e pela defesa a nova oitiva das mesmas pessoas que já foram ouvidas em juízo nestes autos. Fica ressalvado que o Ministério Público e Defesa pugnam pela oitiva do perito criminal CARLOS RENATO RIBEIRO , perito legista (FL. 897 ), bem como a realização de novo interrogatório, podendo a defesa apresentar oportunamente seu rol de testemunhas junto com a resposta a acusação" (index 1212 ). O Juiz a quo ratificou o recebimento do aditamento à Denúncia e reabriu a instrução processual designando AIJ para que fosse ouvida apenas a testemunha Carlos Renato ribeiro, perito legista signatário do laudo complementar de necrópsia (index 1235 ). Realizada a AIJ com a oitiva da testemunha e o interrogatório da ré, que exerceu o direito ao silêncio (index 1261 ), foram apresentadas as Alegações Finais pelas partes e a Decisão de Pronúncia foi proferida (index 1349 ). 5 . Consoante se verifica dos autos, a materialidade delitiva restou demonstrada pelo Registro de Ocorrência (index 0 7 ), Laudo de exame em local de morte suspeita (index 99 ), Auto de Prisão em Flagrante e Registro de Ocorrência relativo ao crime previsto no art. 347 , parágrafo único , do CP (index 5 0), Termo Circunstanciado relativo ao crime de ameaça tendo como vítima a sra. Ana Paula Bastos (index 1 0 5 ), Auto de exame cadavérico e laudo de descrição de materiais (index 114 ), extrato bancário com movimentações na conta corrente da vítima após seu falecimento (index 5 0 - fls. 75 ), certidão declaratória de união estável (index 5 0 - fls. 76 / 79 ) e requerimento de conversão de união estável em casamento (indexes 12 0/ 123 ), Laudo Complementar de Necropsia (index 895 ), Relatório de Alta Residencial e Encaminhamento relativo à vítima em razão do uso abusivo de álcool, com apontamento do período de tratamento interno em 21 /0 9 / 2 0 15 a 0 9 / 11 / 2 0 15 (index 1279 ). Analisando-se a decisão ora recorrida e os depoimentos prestados nos autos e acima colacionados não verifico o alegado de excesso de linguagem, porquanto o Magistrado a quo basicamente se limita a resumir o conteúdo dos depoimentos colhidos sob o crivo do contraditório e que indiciam autoria, limitando-se em fundamentar a decisão dentro dos princípios processuais e constitucionais de forma a demonstrar o juízo de admissibilidade. No mais, o Julgador fez referência à outras provas contidas nos autos, não havendo, portanto, falar-se em excesso de fundamentação. Aliás, nos termos do art. 413 do CPP , " o juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação". Assim, não vislumbro quaisquer afirmações que possam induzir os Jurados à culpabilidade do pronunciado. Quanto aos demais argumentos, oportuno salientar que não cabe a este órgão fracionário, em sede de Recurso em Sentido Estrito, proceder ao revolvimento do material fático-probatório com vistas à emissão de juízo de valor acerca dos elementos coligidos na primeira fase do procedimento que resultaram na pronúncia da Acusada com a profundidade própria do juízo de mérito . Antes, o que deve ser verificado é a existência do fato e indícios de autoria, que se fazem presentes, autorizando a remessa do julgamento da causa ao seu juiz natural. O Laudo Complementar de Necropsia (index 895 ) esclarece que o óbito da vítima se deu em razão de infarto do miocárdio com parada cardíaca por intoxicação exógena, sendo possível detectar a presença de 0 4 (quatro) substâncias compatíveis com os padrões dos antidepressivos CLOMIPRAMINA e SERTRALINA (detectadas no estomago, fígado e swab nasal), também com padrão do benzodiazepínico MIDAZOLAM (detectado no estomago e fígado) e do analgésico DIPIRONA (detectado no estomago somente). O Perito subscritor do Laudo pericial afirmou que, pelo exame feito, deve ter ocorrido a ingestão de 2 0 (vinte) comprimidos no total e que as substâncias foram ingeridas simultaneamente, pois foram localizadas tanto no estômago quanto no sangue, sendo encontradas tanto na forma de pó como na forma líquida no corpo da vítima. O relacionamento entre vítima e ré foi descrito pelas testemunhas como difícil e conturbado, sendo mencionado o uso abusivo de álcool pela vítima e relação extraconjugal da ré. Noticia-se que na residência do casal foram arrecadados pelo perito "ao lado de uma máquina de lavar roupas, um saco plástico azul dentro de um balde, enrolado manualmente, contendo em seu interior uma seringa sem agulha, tipicamente utilizada para fornecimento por via oral, com resíduo líquido na tonalidade branca, além de um frasco com resíduos da mesma substância branca e um par de luvas de látex descartadas". Consta, ainda, que, no entanto, tais materiais sumiram da DP justamente quando a ré aguardava para prestar depoimento, sendo dito pelos Policiais em juízo que somente a ré encontrava-se ali, tanto que está sendo julgada pelo crime de fraude processual. A Decisão de Pronúncia faz referência, ainda, ao extrato bancário que dá conta de movimentações na conta corrente da vítima após seu falecimento (index 5 0 - fls. 75 ). Neste contexto, forçoso reconhecer a presença de indícios mínimos em desfavor da Ré, de modo que o pleito defensivo de impronúncia da recorrente por negativa de autoria deve ser submetido ao juiz natural da causa, que é o Corpo de Jurados. A tese de negativa de autoria somente pode ser acolhida pelo Magistrado se indubitavelmente comprovada durante a primeira fase. Havendo elementos mínimos a indiciar a autoria ou dúvida a tal respeito, mesmo que mínima, a análise da tese somente pode ser feita pelos Jurados. Do contrário, haveria usurpação da competência constitucional do Tribunal Popular para julgar os crimes dolosos contra a vida e conexos. 6 . O mesmo se diga no que diz respeito às qualificadoras motivo torpe -qual seja, ganância, amparada nos indícios de que a denunciada nutria interesse financeiro no relacionamento e visava receber os vencimentos da vítima, e emprego de veneno, ante a ingestão dos medicamentos CLOMIPRAMINA, SERTRALINA, MIDAZOLAM e DIPIRONA, que causaram à vítima uma "overdose", com posterior infarto agudo do miocárdio e parada cardíaca, oriundos da intoxicação "exógena". 7 . Ressalte-se, ainda, que, ao pronunciar a Ré pelos crimes dolosos contra a vida, o Juiz deve necessariamente fazê-lo quanto aos delitos conexos, uma vez que nenhuma outra análise lhe é mais permitida acerca dos mesmos. In casu, há indícios de que a Ré também tenha praticado crimes previstos nos arts. 344 e 347 , parágrafo único , do CP , sendo a Denúncia recebida também com relação a eles, havendo conexão entre tais condutas e o crime doloso contra a vida, o que basta para que também sejam apreciados pelo Tribunal do Júri. 8 . No entanto, considerando o amplo efeito devolutivo do recurso defensivo para medidas benéficas ao Réu, impõe-se afastar da imputação a menção ao concurso material de crimes . A matéria relativa a concurso material, concurso formal ou crime continuado diz respeito à aplicação da pena, cabendo a respectiva análise, portanto, ao Juiz Presidente em caso de condenação . Neste sentido decisão monocrática de lavra do Exmo. Senhor Ministro Reynaldo Soares da Fonseca , proferida em 18 / 5 / 2 0 21 , nos autos do Agravo em Recurso Especial nº 172 000 5 - CE ( 2 0 2 0/0 156292 - 7 ). Neste mesmo sentido os seguintes Julgados desta Câmara mencionados no corpo do Voto . Assim, se a análise da existência de concurso de crimes ou de crime continuado cabe ao Juiz Presidente em caso de condenação pelo Tribunal do Juri, sendo matéria afeta única e exclusivamente à fixação da pena, a respeito não se pode abordar na decisão de Pronúncia. 1 0. Por fim, quanto ao prequestionamento para fins de eventual interposição de recursos extraordinário e/ou especial, não se vislumbra violação a dispositivos constitucionais ou infraconstitucionais. 11 . DADO PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DEFENSIVO apenas para afastar da classificação dos fatos apontada na Pronúncia a menção a concurso material previsto no art. 69 do Código Penal , ficando mantidos seus demais termos.