Processo: XXXXX-14.2014.8.06.0001 - Apelação Cível Apelante: Norsa Refrigerantes S/A Apelado: Paulo Sérgio Feitosa da Silva EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. DANOS MORAIS. CORPO ESTRANHO EM ALIMENTO. AUSÊNCIA DE INGESTÃO. POSSIBILIDADE. FATO DO SERVIÇO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA OPE LEGIS. EMPRESA QUE NÃO COMPROVOU A AUSÊNCIA DE DEFEITO. RISCO À SAÚDE. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. O cerne na questão cinge-se em verificar a pretensão de indenização por danos morais em decorrência de corpo estranho em produto alimentício, mais especificamente em uma garrafa de 1L do refrigerante Coca-Cola. 2. Inicialmente, hei de apreciar, diante dos efeitos devolutivo e translativo do Recurso de Apelação, a assertiva levantada preliminarmente na referida petição relacionada diretamente a ocorrência de suposta ilegitimidade ativa do autor/recorrido. 3. O autor/recorrido é parte legítima, data vênia ao magistrado de planície, não pelo simples fato de que comprou o refrigerante, mas pela possibilidade, em tese, diante da Teoria da Asserção, de violação à sua incolumidade física e psicológica. 4. No mérito, a presente relação jurídica é de consumo, portanto, deve ser analisada sob os auspícios do Código de Defesa do Consumidor , diante da situação de hipossuficiência econômica e técnica da parte autora/recorrida. Configurado o defeito/fato do produto, em se tratando de relação de consumo, a fabricante e fornecedora responde independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores, da qual se exime apenas nas hipóteses previstas no artigo 12 , § 3º do Código de Defesa do Consumidor . 5. Em que pese a ausência de consumo direto do alimento contaminado pelo recorrido, resta cristalino o risco à sua saúde, à incolumidade física e à sua segurança ante a presença de corpo estranho não identificado no alimento. Para a existência do dano moral nestes casos, basta a mera insegurança gerada pelo vício de qualidade do produto. Não há sequer a necessidade de ingestão, já que a sistemática implementada pelo Código de Defesa do Consumidor é de proteger este contra produtos que coloquem em risco sua integridade física e psíquica. Dessa forma, se um alimento é colocado à venda com corpos estranhos (no caso, um objeto não identificado), é plausível dizer que tal não oferece a segurança que legitimamente dele se espera, ou seja, a sua utilização ou fruição acarreta risco à incolumidade dos consumidores, obviamente. 6. Quanto a assertiva de necessidade de produção de prova pericial, é importante mencionar que a empresa recorrente, no momento oportuno, precisamente nas fls. 165, deixou de requerer a sua produção, pleiteando o julgamento antecipado da lide, motivo pelo qual entendo que houve preclusão em relação a esse pedido. De todo modo, a inversão do ônus da prova pode decorrer da lei (ope legis), quando se tratar da responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço (artigos 12 e 14 do CDC ), ou, por determinação judicial (ope judicis), na hipótese de responsabilidade por vício no produto ou no serviço (artigo 18 do CDC ). Nesse sentido, observo que, como se trata de hipótese de fato do produto, a inversão do ônus da prova independe de manifestação do juízo de primeiro grau, sendo, destarte, automática, motivo pelo qual caberia à empresa recorrente demonstrar que o defeito inexiste, ônus este o qual não se desincumbiu. 7. Não se olvida que a questão é antiga, reiterada e polêmica nos tribunais superiores, contudo, a posição com a qual se coaduna este signatário, considerando a evolução jurisprudencial do tema, conforme dito alhures, é a de que a mera presença de corpo estranho em produto de gênero alimentício gera risco concreto de lesão à saúde e segurança dos consumidores, independentemente de sua ingestão. 8. Na fixação do dano moral urge observar sempre o dimensionamento dos prejuízos suportados, o abalo sofrido e sua repercussão social, a capacidade econômica das partes, a conduta do agente e o grau de culpa com que agiu, além do comportamento da vítima. Na hipótese, o dano moral foi fixado em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), devendo ser mantido, porque razoável e proporcional à ofensa perpetrada, sobretudo quando consideradas as condições econômicas das partes. 9. Em relação aos honorários advocatícios, observo que o recebimento da indenização não retira do recorrido a condição de hipossuficiente, sobretudo quando observada as informações contidas na sua declaração de imposto de renda acostada aos autos às fls. 30/31, quando demonstra, efetivamente, sua miserabilidade, diante de remuneração digna, porém com despesas relacionadas a diversos dependentes, de modo que deve permanecer a suspensão da exibilidade dos honorários advocatícios sucumbenciais prevista no artigo 98 , § 3º , do Código de Processo Civil de 2015 . 10. Apelação conhecida e desprovida. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 2ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em votação unânime, pelo conhecimento e desprovimento do recurso apelatório, nos termos do voto do Exmo. Desembargador Relator. Fortaleza, 7 de outubro de 2020 FRANCISCO DARIVAL BESERRA PRIMO Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR FRANCISCO GOMES DE MOURA Relator Procurador (a) de Justiça