Tribunal de Justiça do Estado da Bahia PODER JUDICIÁRIO SEGUNDA TURMA RECURSAL - PROJUDI PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br - Tel.: 71 3372-7460 PROCESSO Nº: XXXXX-32.2021.8.05.0001 RECORRENTE: ADSON PEREIRA DE SOUSA RECORRIDO: EXTRA CIA BRASILEIRA DE DISTRIBUIÇÃO GLOBAL EXPRESS ASSISTÊNCIA TÉCNICA LTDA SAMSUNG ELETRONICA DA AMAZONIA LTDA ORIGEM: 14ª VSJE DO CONSUMIDOR (VESPERTINO) RELATORA: JUÍZA MARIA AUXILIADORA SOBRAL LEITE EMENTA RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE FABRICAÇÃO. VÍCIO OCULTO APRESENTADO APÓS O PRAZO DE GARANTIA. TELEVISOR. SENTENÇA DE EXTINÇÃO POR DECADÊNCIA. BEM DURÁVEL. PRODUTO COM VIDA ÚTIL RAZOAVELMENTE DURADOURA. PRINCÍPIO DA BOA FÉ OBJETIVA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA. OBSERVÂNCIA DAS DISPOSIÇÕES DO ART. 18 DO CDC . DANOS MORAIS E MATERIAIS CONFIGURADOS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Trata-se de Recurso Inominado interposto em face da sentença prolatada no processo epigrafado, abaixo transcrita: “Pelo exposto, com base no art. 487 , II e 373 , I , do CPC , ACOLHO A PRELIMINAR DE MÉRITO DE DECADÊNCIA, indeferindo os pedidos formulados na exordial..” Presentes as condições de admissibilidade do recurso, dele conheço. V O T O Inicialmente, cumpre-me afastar a decadência suscitada pelo fornecedor e reconhecida na sentença, porquanto tratando-se de vício oculto, como se apresenta a hipótese em apreço, deve-se observar o prazo decadencial previsto no art. 26 , do CDC , que somente se inicia após o conhecimento do vício pelo consumidor, nos termos de seu § 3º, ainda que já expirados os prazos das garantias legal, contratual, as quais visam a acautelar o adquirente dos produtos contra defeitos relacionados ao desgaste natural pelo uso da coisa. Da análise dos autos, verifica-se que o autor comprovou ter adquirido o televisor em 12.05.2020, tendo o produto apresentado defeito em setembro/2021, quando o autor encaminhou o televisor para a assistência técnica no dia 06/12/2021, portanto, dentro do prazo legal de 90 (noventa) dias, previsto pelo art. 26 , II , do CDC . Assim, afasto a decadência e passo à análise do mérito. Na origem alega a parte autora que adquiriu uma TV LED 55 SAMSUNG SMART RU 7100, no dia 12.05.2020, pelo valor de R$ 2.697,00. Segue narrando que, em setembro/2021, a televisão começou a apresentar vício oculto, pois a TV desligava sozinha. Alega ter comparecido, no dia 06/12/2021, até assistência técnica, sendo informado que o produto se encontrava fora de garantia, não sendo possível o reparo em garantia. Ao final requereu a condenação do réu ao pagamento de danos morais e materiais. A parte ré apresentou defesa alegando preliminarmente decadência; ilegitimidade passiva; carência da ação; incompetência dos juizados diante da necessidade de perícia e inexistência do dano moral. Ao final requereu a improcedência da ação. Perlustrando os autos com vagar, a sentença merece reforma. Independentemente dos prazos de garantia, o defeito irremediável de produto de longa duração, com redução da vida útil para patamar bem inferior àquela que legitimamente o consumidor esperava, além de configurar um vício oculto, também traz violação ao princípio da boa-fé e da informação quanto à qualidade, durabilidade e funcionamento do bem, que devem nortear as relações contratuais, sejam de consumo, sejam de direito comum. Em suma, tanto para os casos de garantia legal ou garantia contratual, ambos visam acautelar o adquirente de produtos contra defeitos relacionados ao desgaste natural da coisa, como sendo um intervalo mínimo de tempo de espera para que haja eventual deterioração do bem. Todavia, diversa é a situação do vício intrínseco ou oculto, que sempre existiu, apesar de somente se manifestar depois de encerrado o prazo da garantia. Assim, entendo que, ainda que a garantia contratual tenha findado, o surgimento de vício de fabricação, frustra a legítima expectativa do consumidor e caracteriza quebra da boa-fé objetiva, na medida em que se esperava que a vida útil do equipamento fosse razoavelmente duradoura, razão pela qual, faz jus o autor a indenização devida. Com efeito, tratando-se de vício oculto, a situação aventada nos autos inclui-se entre aquelas da responsabilidade do fornecedor do serviço. Aqui se fala em responsabilidade objetiva do prestador de serviços, vale dizer, não há o que se perquirir sobre culpa, competindo àquele que deu causa responder pelos danos que tenha causado ao consumidor, é o que se extrai do art. 14 do CDC , in verbis: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. Adicione-se a isso a inteligência do art. 26, § 6º que trata do vício oculto, bem como tratando da vida útil que se pode esperar de um bem tão caro e que traz utilidade ao seu possuidor, devendo permanecer a responsabilidade do fornecedor, também seguindo a jurisprudência nesse sentido: RECURSO ESPECIAL. CONSUMIDOR. VÍCIO OCULTO. PRODUTO DURÁVEL. RECLAMAÇÃO. TERMO INICIAL. 1. Na origem, a ora recorrente ajuizou ação anulatória em face do PROCON/DF - Instituto de Defesa do Consumidor do Distrito Federal, com o fim de anular a penalidade administrativa imposta em razão de reclamação formulada por consumidor por vício de produto durável. 2. O tribunal de origem reformou a sentença, reconheceu a decadência do direito de o consumidor reclamar pelo vício e concluiu que a aplicação de multa por parte do PROCON/DF se mostrava indevida. 3. De fato, conforme premissa de fato fixada pela corte de origem, o vício do produto era oculto. Nesse sentido, o dies a quo do prazo decadencial de que trata o art. 26 , § 6º, do Código de Defesa do Consumidor é a data em ficar evidenciado o aludido vício, ainda que haja uma garantia contratual, sem abandonar, contudo, o critério da vida útil do bem durável, a fim de que o fornecedor não fique responsável por solucionar o vício eternamente. A propósito, esta Corte já apontou nesse sentido. 4. Recurso especial conhecido e provido. ( RECURSO ESPECIAL Nº 1.123.004 - DF (2009/XXXXX-1) MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES) DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO E RECONVENÇÃO. JULGAMENTO REALIZADO POR UMA ÚNICA SENTENÇA. RECURSO DE APELAÇÃO NÃO CONHECIDO EM PARTE. EXIGÊNCIA DE DUPLO PREPARO. LEGISLAÇÃO LOCAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 280 /STF. AÇÃO DE COBRANÇA AJUIZADA PELO FORNECEDOR. VÍCIO DO PRODUTO. MANIFESTAÇÃO FORA DO PRAZO DE GARANTIA. VÍCIO OCULTO RELATIVO À FABRICAÇÃO. CONSTATAÇÃO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. EXEGESE DO ART. 26 , § 3º , DO CDC . ( RECURSO ESPECIAL Nº 984.106 - SC (2007/XXXXX-3) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO). Dessa forma, configurado o vício oculto do produto, e considerando o critério de vida útil do bem, entendo deva ser as rés serem responsabilizadas, solidariamente, pelo vício advindo, devendo restituir ao autor o valor pago pelo bem, no montante de R$ 2.697,00 (dois mil, seiscentos e noventa e sete reais), acrescido de juros de 1% (um por cento) ao mês, desde a data da citação e correção monetária desde o desembolso. Outrossim, no caso em comento, os incômodos suportados pelo recorrente, além do descaso com que a recorrida tratou da questão, são circunstâncias mais do que suficientes para caracterizar o abalo moral sofrido Nesse diapasão, transcrevo a decisão do STJ, que por sua 4ª turma assim decidiu: “a indenização pelos danos morais guarda proporcionalidade com a gravidade da ofensa, o grau de culpa e o porte econômico do causador do dano.” (RESP. Nº 999.989-PR-REL. MARCIA ROBERTA DE SOUZA DUTRA MORAES- J.26/08/2008). Logo, a condenação da recorrida ao pagamento de indenização pelo dano moral serve não só para compensar o cidadão, parte hipossuficiente da relação, mas também para coibir a repetição de atitudes abusivas como a praticada pela fornecedora do serviço e do produto. ISTO POSTO, voto no sentido de CONHECER e DAR PROVIMENTO ao recurso interposto pela Recorrente para reformar a sentença e julgar parcialmente procedentes os pedidos da inicial para condenar as acionadas, solidariamente: a) a pagar a parte autora o valor de R$ 2.697,00 (dois mil, seiscentos e noventa e sete reais) à título de danos materiais, conforme nota fiscal apresentado pela parte autora, na inicial, cabendo ao autor devolver o produto viciado no prazo de 30 (trinta) dias após a devolução do valor pago pelo produto, às expensas do fornecedor, sob pena de perdimento e; b) a pagar a parte autora o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) a título de danos morais, valor que deve ser corrigido a partir do arbitramento, sobre o qual deverá incidir correção monetária no termos da súmula 362 do STJ e juros legais de 1% ao mês a contar da data citação Sem custas e honorários advocatícios. MARIA AUXILIADORA SOBRAL LEITE Juíza Relatora