ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. CONTRATO DE CONCESSÃO. RODOVIA FEDERAL. INGRESSO DA ANTT NA LIDE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. SÚMULA 150 /STJ. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. HISTÓRICO DA DEMANDA Trata-se, na origem, de Agravo de Instrumento interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro - MPE/RJ contra decisão proferida pela 1ª Vara Federal de Campos dos Goytacazes/RJ que reconheceu sua competência para processar e julgar a Ação Civil Pública proposta pelo MPE/RJ contra concessionária de serviço público, bem como a atribuição do Ministério Público Federal para atuar no feito. O Ministério Público Estadual ajuizara Ação Civil Pública contra a Autopista Fluminense S/A, objetivando a suspensão da cobrança de pedágio em duas praças de arrecadação situadas dentro do Município de Campos dos Goytacazes, nos quilômetros 40 e 121 da estrada BR-101, até que fossem totalmente cumpridas as determinações previstas no contrato de concessão e no Plano de Exploração da Rodovia. Proposta a ação na Justiça Estadual, por força de decisão exarada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, tendo em vista a manifestação de interesse processual da Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT, a ação foi encaminhada à Justiça Federal, mais precisamente ao Juízo da 1ª Vara Federal de Campos dos Goytacazes/RJ. O Juízo Federal de Campos dos Goytacazes/RJ proferiu decisão declarando a sua competência para processar e julgar a ACP, determinando a inclusão da ANTT no feito como litisconsorte passivo e a remessa dos autos ao Ministério Público Federal para eventual ratificação da petição inicial. Os Recursos Especiais interpostos pela concessionária e pela ANTT questionam o capítulo do Acórdão que legitimou a atuação conjunta do MPE/RJ com o MPF, alegando, em breve síntese, que haveria violação ao princípio da unidade e indivisibilidade do Ministério Público e que não existiria tutela de direito subjetivo comum do interesse do Estado do Rio de Janeiro e da União que justificasse a atuação compartilhada dos órgãos ministeriais. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU ERRO MATERIAL 6. Preliminarmente, constato que não se configura a ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil/1973 , uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, em conformidade com o que lhe foi apresentado. Não é o órgão julgador obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos trazidos pelas partes em defesa da tese que apresentaram. Deve apenas enfrentar a demanda, observando as questões relevantes e imprescindíveis à sua resolução. Nesse sentido: REsp XXXXX/RS , Segunda Turma, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 13.8.2007; e REsp XXXXX/SC , Primeira Turma, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, DJ de 28.6.2007. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL E DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 7. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica, nos termos da Súmula 150 /STJ, para a definição ou não da competência quando do ingresso na lide da União e entidades federais a ela vinculadas ("Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas"). Precedentes: REsp XXXXX/SP , Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 21/11/2017, DJe 19/12/2017; AgInt no CC XXXXX/PR , Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Seção, julgado em 22/3/2017, DJe 27/3/2017; CC XXXXX/SC , Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 14/12/2016, DJe 19/12/2016. 8. O CPC/2015 disciplinou a fixação da competência nas ações em que se realizou o ingresso na lide da União, suas empresas públicas, autarquias e fundações, ou conselho de administração profissional, na qualidade de parte ou de terceiro interveniente, atribuindo a competência da Justiça Federal, mas permitindo a permanência do processo no juízo onde foi proposta a ação na eventualidade de algum dos pedidos não ser da competência do juízo federal (art. 45). Para os casos em que foi declinada a competência para outro juízo, "Salvo decisão judicial em sentido contrário, conservar-se-ão os efeitos de decisão proferida pelo juízo incompetente até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo competente" (art. 64, § 4º). 9. O texto constitucional , ao disciplinar o Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 CF/1988 ), definiu como princípios institucionais a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional (§ 1º). No art. 128 da CF/1988 , a instituição do Ministério Público é desmembrada em Ministério Público da União, que compreende o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e os Ministérios Públicos dos Estados. Já no art. 129 há a descrição das funções institucionais do Ministério Público, cuja aplicação se estende a todos os ramos do Parquet. 10. Quanto à definição da atribuição de cada ramo do Ministério Público, o legislador constituinte adotou o critério do interesse jurídico tutelado merecedor da atuação da instituição ministerial. Assim, se a atuação judicial do Ministério Público estiver relacionada à tutela de um bem ou interesse jurídicos pertencentes à União, atrairia a competência da Justiça Federal e, por sua vez, exigiria a atuação do Ministério Público Federal. A contrario sensu, caso o bem ou interesse jurídicos tutelados estejam relacionados aos demais entes federativos (Estados, Municípios e Distrito Federal), caberia, a princípio, ao respectivo Ministério Público Estadual ou do Distrito Federal a atribuição de atuar nas ações processadas perante as respectivas Justiças Estaduais e do Distrito Federal. 11. Em resumo, o Ministério Público está dividido em diversos ramos, cada um deles com suas próprias atribuições e que encontra paralelo na estrutura do próprio Judiciário. O Ministério Público Federal tem atribuição para atuar quando existir interesse federal envolvido, considerando-se como tal um daqueles abarcados pelo art. 109 da Constituição Federal , que estabelece a competência da Justiça Federal ( REsp XXXXX/BA , Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 5/9/2017, DJe 13/9/2017). 12. A consulta à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça demonstra que a regra de ouro para definição da atribuição do órgão ministerial, levando em conta o interesse jurídico tutelado ou o juízo onde tramita a ação, não tem sido seguida (com razão) de forma absoluta. Precedentes: RE 985.392 RG, rel. Ministro Gilmar Mendes, j. 26-5-2017, P, DJE de XXXXX-11-2017, Tema 946; Rcl 7.101 , rel. Ministro Cármen Lúcia, j. 24-2-2011, P, DJE de XXXXX-8-2011; Rcl 9.327 AgR, rel. Ministro Dias Toffoli, j. 23-5-2013, P, DJE de 1º-8-2013. 13. Casos há que, não obstante a ação tramite na Justiça Federal, é possível a atuação do Ministério Público Estadual, a exemplo das Ações Civis Públicas que buscam a tutela de direitos difusos e coletivos que afetam determinada região ou cuja competência para a execução dos serviços públicos seja de atribuição concorrente da União, Estados e Municípios, como nos serviços de saúde e educação. 14. Sempre que a defesa do interesse público recomendar, deve ser reconhecida a possibilidade da atuação conjunta dos órgãos do Ministério Público, em litisconsórcio facultativo, nos termos da própria previsão do art. 5º , § 5º , da Lei 7.347 /1985 que disciplina a Ação Civil Pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (...) § 5.º Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta lei). Precedentes: REsp XXXXX/RS , Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, julgado em 2/12/2003, DJ 19/12/2003, p. 322; REsp XXXXX/MG , Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, julgado em 2/6/2016, DJe 10/6/2016; REsp XXXXX/RN , Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 18/9/2014, DJe 29/9/2014. 15. Entendo que a definição do órgão do Ministério Público com atribuições para atuar em ações judiciais deve ser analisada caso a caso, tendo em vista a matéria discutida e os interesses públicos envolvidos. 16. No caso ora analisado deve ser ratificada não somente a competência da Justiça Federal, mas fixada a atribuição exclusiva do Ministério Público Federal para atuar na Ação Civil Pública, sem prejuízo da cooperação institucional do Ministério Público Estadual no âmbito administrativo quanto ao eventual fornecimento de elementos de prova que contribuam para a solução da lide. Observa-se que no caso sob análise a atividade investigativa que resultou no ajuizamento da Ação Civil Pública foi realizada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, com o objetivo de suspender a cobrança de pedágio nas duas praças de arrecadação situadas dentro do território do Município de Campos dos Goytacazes (Km 40 e Km 121), na BR-101, até que sejam totalmente cumpridas as determinações previstas no contrato de concessão e no plano de exploração da rodovia federal. Tratando-se de rodovia federal e de investigação relacionada a eventuais falhas encontradas na execução de serviço público concedido pela União a particulares, através de agência reguladora federal, inegavelmente a competência para processar e julgar a causa deve ser fixada na Justiça Federal (art. 109 da CF/1988 ), por se tratar de um serviço e de bem público da União. 17. Da mesma forma, deve ser atribuída exclusivamente ao Ministério Público Federal a legitimidade ad causam para atuar na defesa dos interesses coletivos e dos usuários do serviço público concedido, considerando o bem juridicamente tutelado (serviços executados em rodovia federal) pertencer à União, sem que seja identificado interesse jurídico imediato que possa justificar a atuação em conjunto do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, em litisconsorte ativo. Nos casos em que a Ação Civil Pública busca tutelar bem ou serviços públicos da União, como nos serviços de concessão de rodovias federais, serviços de telefonia, etc., há de ser reconhecida a atribuição do Ministério Público Federal para atuar no feito como substituto processual dos interesses da coletividade (usuários do serviço público concedido). Precedente: AgRg no REsp XXXXX/RS , Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 6/10/2009, DJe 15/10/2009. 18. Sobre outra perspectiva, o ingresso no feito da União ou de autarquia federal (agência reguladora - ANTT) além de atrair a competência da Justiça Federal, confere legitimidade ativa do Ministério Público Federal para a causa. Precedentes: REsp XXXXX/SP , Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 21/11/2017, DJe 19/12/2017; REsp XXXXX/RS , Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 26/8/2008, DJe 8/10/2008; MC XXXXX/AM , Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 7/4/2005, DJ 23/5/2005, p. 148. 19. Recursos Especiais providos para reconhecer a competência da Justiça Federal e a exclusividade da legitimidade ativa ad causam do Ministério Público Federal para atuar na Ação Civil Pública.