EMENTA: JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE QUANTIA PAGA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. COMPRA PELA INTERNET. PRODUTO NÃO ENTREGUE. PEDIDO DE DEVOLUÇÃO DE VALORES NÃO FORA ATENDIDO. RELAÇÃO DE CONSUMO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. AUSÊNCIA DE PROVA DA DEVIDA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO REDUZIDO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Admissibilidade - A intimação da sentença fora efetivada em 17 de janeiro de 2020 (ev.21). O recurso fora tempestivamente interposto no dia 28 de janeiro de 2020 (ev.22). Comprovante de preparo recursal no mesmo evento. Contrarrazões no evento 23. Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso; 2. Os fatos conforme a exordial - Trata-se de ação de restituição de quantia paga c/c indenização por danos morais, na qual o autor/ recorrido alegara que no dia 06/02/2019 adquirira uma bicicleta no valor total de R$975,05 (novecentos e setenta e cinco reais e cinco centavos), através do site da requerida. No entanto, aduzira que a empresa não cumprira com a devida efetivação da entrega do produto sob alegação de que não possuía o mesmo em seu estoque, negando a devolução do valor em moeda, afirmando que a devolução seria em uma espécie de vale para que o consumidor adquirisse outros produtos da loja. Com isso, requerera a efetivação do direito de arrependimento do consumidor, de forma a obrigar a requerida a restituir o valor pago pelo produto que não recebera, bem como indenização por danos morais no montante de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais). Juntara comprovante de efetivação do pedido, autorização de pagamento e separação/ preparação para o envio do produto (ev.1, arq.5, fls.5 e 6); 3. Contestação - A empresa ora recorrente contestara (ev.09), alegando que o produto em comento trata-se de item Marketplace de um parceiro comercial e como não houvera retorno sobre a disponibilidade do mesmo, o requerente fora atendido com um vale compras, defendendo, assim, que houvera o cumprimento contratual por parte da requerida. Quanto ao pedido indenizatório, defendera a inexistência de qualquer conduta ilícita praticada pela requerida capaz de ensejar indenização por danos morais, bem como aduzira que inexistem provas a respeito dos alegados danos morais sofridos, sendo que não passaram de meros aborrecimentos do dia a dia; 4. Impugnação à contestação - O autor impugnara (ev.12) a tese de cumprimento contratual por parte da ré, dispondo que o devido cumprimento somente se daria com a efetiva entrega do produto, bem como que na falta do mesmo, não seria impossível a realização da devolução do dinheiro ao consumidor afetado pela falta da entrega. Dispusera acerca do direito ao arrependimento do consumidor sempre que a contratação de produtos e serviços se der fora do estabelecimento comercial, garantindo a devolução dos valores de forma imediata, conforme art. 49 do Código de Defesa do Consumidor . Com isso, defendera a existência dos danos morais, sendo que a própria empresa alegara que não fora feita a devolução do valor do produto em espécie, direito que era garantido ao consumidor; 5. Sentença - Em evento 19, o juízo sentenciante julgara parcialmente procedentes os pedidos da inicial, condenando a requerida ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais), corrigido monetariamente pelo INPC a partir do arbitramento da sentença e acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação, bem como a devolução do valor pago pelo produto não entregue, no importe de R$ 975,05 (novecentos e setenta e cinco reais e cinco centavos), também corrigido pelo INPC desde o efetivo desembolso, e acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, contados da citação. Fundamentara, em síntese: ?considerando o caráter consumerista da relação processual, tem-se que aplicáveis as normas elencadas no Código de Defesa do Consumidor no caso em testilha. [?] no caso, vislumbro, a priori, a verossimilhança das alegações da parte requerente, uma vez que cumpriu o seu mister, juntando aos autos documentação mínima de seu direito, possibilitando, portanto, a inversão do ônus da prova [?] a falha na prestação dos serviços restou configurada, pois tudo indica que a promovida vendeu, em seu sítio eletrônico, produto que não constava em seu estoque, ou de seus fornecedores, já que não houve outra justificativa nos autos, a respeito da não entrega do produto no prazo estipulado, o que levou o autor requerer o cancelamento da compra. Nessa perspectiva, consigno que a requerida, também, não justificou o motivo que não fez a devolução dos valores ao promovente, quando, pelo áudio jungido por este, restou clarividente que houve pedido expresso nesse sentido, [?] Sendo assim, de acordo com o diploma consumerista, está demonstrado que o autor não é obrigado a aceitar vale-compras, no caso de cancelamento da compra, podendo, de acordo com sua livre escolha, preferir receber o valor pago de volta, incidindo, ainda, todas as correções legais.?; 6. Recurso - Em recurso inominado (ev.22), a empresa requerida alegara ausência de sua responsabilidade, sendo que atendera todas as solicitações do recorrido e, assim que verificara a ausência do envio do produto pelo lojista, disponibilizara um vale-compras no cadastro do consumidor, possibilitando a realização de uma nova compra. Aduzira que, na hipótese do recorrido não ter interesse no vale-compras, bastaria uma solicitação do mesmo para que o valor fosse imediatamente estornado em sua conta, mas assim não o fizera. Repisara suas teses de que o serviço fora devidamente prestado pela recorrente e de inexistência de dano moral, dispondo que o ocorrido não passara de meros aborrecimentos do dia a dia. Subsidiariamente, impugnara o quantum indenizatório fixado na condenação, alegando que o mesmo não atendera aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Com isso, requerera a reforma da sentença para determinar a improcedência dos pedidos iniciais ou ainda, a diminuição do quantum indenizatório; 7. Contrarrazões - Em suas contrarrazões (ev.23), o recorrido observara que a recorrente não apresentara contestação no tempo hábil, ensejando a prescrição legal da mesma. Quanto ao recurso inominado, defendera pelo seu não acolhimento, vez que desprovido de sucedâneo legal, encontrando-se em total dissonância com a melhor forma de direito, doutrina e jurisprudência e, ainda, carente de instrumento fático e probatório. Com isso, alegara que a parte recorrente utilizara da fase recursal para fazer suas alegações de defesa. Esclarecera, ainda, que e recorrente negara o fato do recorrido ter solicitado a devolução do dinheiro em espécie por diversas vezes, juntando, inclusive, um CD com a gravação de uma das solicitações, bem como informara os números de protocolos referentes às solicitações. Por fim, defendera que o quantum indenizatório fixado na sentença é proporcional e razoável, de forma a servir como punição para a empresa e compensar o sofrimento da vítima, requerendo, inclusive, a majoração da indenização para R$ 15.000,00 (quinze mil reais); 8. Fundamentos do reexame 8.1. Preliminares ? Não há preliminares. 8.2. Mérito ? 8.2.1. Aplicação do Código de Defesa do consumidor (inversão do ônus da prova) - Na hipótese, as partes protagonizam relação de consumo, devendo ser aplicadas as regras consumeristas, que preveem a interpretação favorável, facilitação da defesa e inversão do ônus da prova (arts. 6º , VIII e 47 do CDC ) em favor da parte consumidora, já que também se encontra em situação de hipossuficiência no tocante ao acesso probatório. Em análise dos documentos jungidos nos autos, extrai-se que o autor/ recorrido demonstrara a verossimilhança de suas alegações, vez que juntara aos autos documentação mínima de seu direito, tais como o comprovante de pagamento do pedido que não fora entregue e um CD com gravação do requerimento da devolução do dinheiro em espécie, possibilitando, portanto, a inversão do ônus da prova. A recorrente, por sua vez, em momento algum impugnara especificamente o CD juntado pelo recorrido, onde consta a gravação do requerimento da devolução do dinheiro, nem mesmo anexara documento probatório que demonstre que a recorrente tentara solucionar o problema do consumidor; 8.2.2. Falha na prestação do serviço e dever de indenizar ? A falha na prestação do serviço restara configurada, visto que a recorrente vendera, através de seu sítio eletrônico, produto que não constava em seu estoque ou de seus fornecedores. Logo, como a recorrente não apresentara outra justificativa para não realização da entrega do produto, poderia o consumidor exercer seu direito ao arrependimento e ser ressarcido do valor correspondente ao produto não recebido. Assim, como bem observara o juiz sentenciante, ?a requerida, também, não justificou o motivo que não fez a devolução dos valores ao promovente, quando, pelo áudio jungido por este, restou clarividente que houve pedido expresso nesse sentido?. De acordo com o diploma consumerista, o consumidor não é obrigado a aceitar vale-compras no caso de cancelamento da compra, podendo optar pela devolução do valor pago, incidindo, ainda, as correções legais. Por todo o exposto, restara configurada a responsabilidade da recorrente e o dever de indenizar, razão pela qual mantenho a sentença; 8.2.3. Da responsabilidade da empresa recorrente - No tocante à responsabilidade da recorrente, ela é objetiva e tem fundamento no art. 14 do CDC : ?O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.? 8.2.4. Da redução do quantum indenizatório - Se é certo que houvera a falha na prestação do serviço, restara evidente o dever de indenizar pela parte recorrente. Assim sendo, restara configurado o dano moral pela desídia e má prestação dos serviços, impondo-se o dever de indenizar, todavia, não no patamar posto na sentença que considerara a falha na prestação do serviço, devendo o valor ser reduzido. Em contrarrazões, o recorrido requerera a majoração do quantum indenizatório, entretanto, deveria interpor recurso para requerer a modificação da sentença, razão pela qual deixo de analisar seu pedido; 9. Dispositivo - Recurso conhecido e parcialmente provido para reduzir o valor da indenização por danos morais para R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Sem custas e honorários sucumbenciais.