JULGAMENTO POR EMENTA (artigo 46 da Lei nº 9.099 /95) EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITOS C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO ENTRE PARTICULARES. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO DE VENDA E TRANSFERÊNCIA. INTERPRETAÇÃO MITIGADA DO ART. 134 DO CTB . RESPONSABILIDADE DO ANTIGO PROPRIETÁRIO AFASTADA. SENTENÇA REFORMADA. 01. (1. 1). Na inicial, narrou o autor que em 20 de junho de 2009 comprou de um ?garageiro? uma motocicleta CG125 KS, placa KFB-3666, chassi 9C2JC30213R656008. Aduziu, todavia, que no dia 09 de julho de 2009 sofreu um acidente de trânsito (boletim de ocorrência e relatório médico anexos), o que o impossibilitou de trabalhar. Diante desse fato, afirmou que realizou um acordo com o revendedor, ficando acordado que o requerente lhe devolveria a motocicleta e o ?garageiro? lhe restituiria a importância paga, bem como cancelaria o comunicado de venda. Esclareceu que em novembro de 2018, foi surpreendido com um protesto em seu nome referente à motocicleta supracitada, tomando conhecimento de que o revendedor não havia realizado o cancelamento do comunicado de venda. Salientou que ao se dirigir à garagem na tentativa de resolver o imbróglio, foi informado que o garageiro com fez a negociação havia falecido. Assim, ajuizou a presente ação, requerendo a condenação da parte requerida na obrigação de fazer consistente na retirada da propriedade do veículo de seu nome, bem como na exclusão de quaisquer lançamentos tributário, penalidade administrativa e protesto em nome do autor. Por fim, requereu que seja lançado um impedimento no registro do bem, via sistema RENAJUD, deixando-o indisponível para nova transferência e/ou licenciamento, até que haja a sua devida regularização. (1.2). Na sentença (evento n. 26), o juiz a quo julgou improcedentes os pedidos inaugurais. (1.3). Inconformado, o reclamante interpôs recurso inominado, repisando que não se encontra em posse do referido veículo desde 09 julho de 2009, quando o devolveu ao revendedor, portanto, não pode ser responsabilizado pelos débitos que não contraiu. Reverberou que a transmissão de um bem móvel opera-se por meio da tradição, nos termos do art. 1.267 do Código Civil . Assim, pugnou pela reforma da sentença para julgar procedentes seus pedidos vestibulares (evento n. 32). 02. Recurso próprio, tempestivo, adequado e dispensado de preparo, porquanto concedido o benefício da assistência judiciária gratuita ao recorrente, assim, conheço do recurso interposto. Contrarrazões apresentadas (evento n.s. 36 e 49). 03. Na espécie, a controvérsia cinge-se na análise da responsabilidade entre o antigo e o atual proprietário do veículo motocicleta, CG125 KS, placa KFB-3666, ano/modelo 2003, no tocante aos débitos relativos ao Licenciamento Anual do Veículo e multas, em virtude da ausência de comunicação da venda e da transferência da propriedade do bem perante o órgão competente. 04. Depreende-se da consulta realizada no site do Detran/GO https://www.detran.go.gov.br/psw/#/pages/conteudo/consultaveiculo/KFB3666/00807942448 que a motocicleta em questão possui débitos de Licenciamento Anual (alguns prescritos), bem como duas multas por infrações de trânsito, autuadas na mesma data 02/10/2009, ou seja, após a alegada tradição do veículo, constando como condutor pessoa diversa do requerente, o que também pode ser visualizado nos documentos juntados no evento n. 01, fls. 25/35 do processo completo em PDF. 05. Nesse contexto, considerando que as únicas infrações remontam ao ano de 2009 e que se tratam das seguintes condutas: CONDUZIR VEIC. REGISTRADO NÃO DEVIDAMENTE LICENCIADO e DIRIGIR COM CNH DE CATEGORIA DIFERENTE DA DO VEIC., cuja classificação é gravíssima, com previsão legal de apreensão do veículo, presume-se que a motocicleta fora apreendida naquela ocasião e não está mais em circulação, mormente porque não constam notícias a seu respeito nos anos posteriores. 06. No que concerne à transferência da propriedade, o artigo 123 , inciso I , do CTB , impõe a obrigatoriedade de expedição de novo Certificado de Registro de Veículo quando for transferida a propriedade. A transferência do veículo é realizada com o preenchimento do Certificado de Registro de Veículo (CRV), perante um tabelião com reconhecimento de firma do vendedor e do adquirente. A regularização da propriedade de um veículo, visa tornar seguras as informações registrais dos veículos no órgão de trânsito e suas consequências, como a responsabilização por infrações e débitos até a efetiva comunicação, nos termos do art. 134 do CTB . 07. Nesse passo, embora o art. 134 imponha ao vendedor o dever de comunicar a venda do veículo ao DETRAN, compete somente ao comprador regularizar o registro do bem, visto que a comunicação de venda não se equipara à transferência de registro de propriedade. Cumpre ressaltar, que o Superior Tribunal de Justiça continua aplicando o entendimento de mitigação da regra do art. 134 CTB , podendo ser afastada a presunção de propriedade no registro do DETRAN, uma vez que no direito brasileiro, a propriedade de bens móveis se transmite com a tradição. Nesse sentido o entendimento recentemente exarado: ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. MULTA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE OS PROPRIETÁRIOS DO VEÍCULO. ART. 134 DO CTB . RESPONSABILIDADE MITIGADA. IMPOSSIBILIDADE DE COBRAR DA ANTIGA PROPRIETÁRIA, ESTANDO COMPROVADO QUE AS INFRAÇÕES QUE ENSEJARAM A PENALIDADE NÃO FORAM POR ELA COMETIDAS. AGRAVO INTERNO DA FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO DESPROVIDO. 1. Cuida-se, na origem, de Ação Declaratória de inexistência de relação jurídica, com tutela antecipada, pleiteando a autora que seja declarado judicialmente não ser mais proprietária do bem desde a data da sua venda (19/5/2011), sendo expedido mandado judicial ao DETRAN para que este proceda à baixa do registro do veículo em seu nome, transferindo a responsabilidade do veículo para o corréu, bem como de todas as multas e eventuais tributos decorrentes da sua propriedade (fls. 02/03). 2. Conforme orientação jurisprudencial deste STJ, comprovada a transferência da propriedade do veículo, afasta-se a responsabilidade do antigo proprietário pelas infrações cometidas após a alienação, mitigando-se, assim, o comando do art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro ( AgRg no REsp 1.204.867/SP , Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA, DJe 06.09.2011). 3. Agravo Interno da FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO desprovido. ( AgInt no REsp XXXXX/SP , Rel. Ministro MANOEL ERHARDT (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF-5ª REGIÃO), PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/05/2021, DJe 20/05/2021). De igual modo é o entendimento do TJGO (AC XXXXX-91) e das Turmas Recursais em Goiás (RI n. XXXXX-12, RI XXXXX-68). Destaquei. 08. Dessa forma, considerando que o reclamante vendeu o veículo a terceiro em julho de 2009, e que há nos autos e no site do DETRAN fortes indícios de que o requerente não manteve a posse do bem durante os anos que se seguiram, deve ser afastada sua responsabilidade pelos débitos gerados a partir da data da tradição. 09. Ante o exposto, reformo a sentença fustigada para, nos termos do artigo 487 , I , do CPC , julgar procedentes os pedidos iniciais. Por conseguinte, determino a parte requerida que adote as medidas necessárias para retirar o nome do autor como proprietário da motocicleta CG125 KS, placa KFB-3666, chassi 9C2JC30213R656008, bem como para excluir os débitos e penalidades administrativas lançados em seu nome a partir de julho/2009, além de cancelar os protestos decorrentes de tais dívidas. 10. Sem custas e honorários advocatícios, nos termos do artigo 55 da Lei 9.099 /95. 11. Serve a ementa como voto, consoante disposto no art. 46 , da Lei 9.099 /95. 12. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.