EMENTA: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO AUTOMOTOR ENTRE PARTICULARES. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO DE VENDA. INTERPRETAÇÃO MITIGADA DO ART. 134 DO CTB . RESPONSABILIDADE DO ANTIGO PROPRIETÁRIO AFASTADA. DEVER DO ADQUIRENTE REEMBOLSAR AS DESPESAS. SENTENÇA MANTIDA. 1. Trata-se a situação dos autos de negócio jurídico de compra e venda de veículo, realizada em 2013, sendo que a parte adquirente não promovera, a tempo e modo, a transferência do bem para seu nome. Em consequência, multas e tributos incidentes sobre o bem ainda estão sob a responsabilidade do recorrido. 2. Inicialmente, quanto a prejudicial de mérito, tem-se que não há que se falar em prescrição, pois como se trata de ação de obrigação de fazer, para transferência de propriedade de veículo, multas e tributos no órgão de trânsito, advinda de contrato de compra e venda, não há prazo específico. Portanto aplica-se o prazo decenal ( CC , art. 205 ), inclusive quanto a responsabilidade civil, que é contratual, conforme entendimento solidificado do Superior Tribunal de Justiça. 3. O recorrente, no momento em que entabulou o negócio jurídico em testilha, possuía 17 anos e, por esse motivo, pretende invalidá-lo. Contudo, conforme estabelece o art. 171 , inc. I e art. 4º , I , do CC , o negócio jurídico celebrado por relativamente incapaz subsiste válido até que seja anulado. Na presente demanda, não restou comprovada circunstância que respalde a nulidade pretendida, não havendo, portanto, razões para anular o contrato firmado com o reclamado. A incapacidade relativa não pode ser invocada em proveito próprio para se eximir do adimplemento de obrigação contratada sob a égide da boa-fé. 4. Nesse sentido, o ato praticado em desconformidade com os preceitos legais, que no presente caso seria a celebração de contrato por relativamente incapaz, é válido enquanto não sobrevir decisão judicial declarando sua ineficácia, produzindo todos os seus efeitos. Ademais, o nosso ordenamento jurídico rechaça as situações em que o indivíduo, ao agir em desacordo com as normas legais, alega tal conduta em proveito próprio, conforme entendimento do Princípio de que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza (TJGO, 5222801.94.2016.8.09.0051, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais, Relª. Alice Teles de Oliveira , DJE 11/06/2019). Aliás, como bem observou o juiz sentenciante, nos termos do art. 180 , do Código Civil , ?o menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior?, não sendo demonstrado que o recorrido tinha conhecimento desta situação quando celebrou o negócio com o recorrente. 5. Quanto ao mérito, conforme se verifica, restou incontroverso que o recorrido não notificou o DETRAN/GO, no prazo de 30 dias, de que realizou a venda de seu veículo ao recorrente, assim como este não transferiu o registro do veículo para o seu nome e o revendeu a terceiro, razão pela qual o anterior proprietário (recorrido) recebeu várias notificações e multas por infrações de trânsito relativas ao referido automóvel. 6. Compulsando os autos, verifico que o recorrente em seu recurso confirma o negócio celebrado entre as partes ao aduzir que ?(...) foi um erro do cartório reconhecer firma de um menor em um recibo de transferência de veículo, visto que e estritamente proibido a transferência de bens móveis para o nome de menor não emancipado (...)? e ? (...), ao pagamento dos impostos na proporção de 3 meses do ano de 2013, período que esteve na posse do veículo (...)?, corroborando a afirmação do reclamante durante a instrução do processo de que, embora não vendido o veículo diretamente para o recorrido, foi ele quem assinou o recibo para transferir o veículo, mas não transferiu. Desse modo resta incontroverso que o negócio foi realizado entre as partes. 7. Comprovada a alienação do veículo, implementada pela tradição, a teor do que dispõe o art. 1.267 do Código Civil , não pode o autor ser responsabilizado pelos incidentes após a venda, pois não mais figura como proprietário do veículo no presente caso, em que o responsável está no polo passivo. 8. No que concerne a transferência da propriedade, o artigo 123 , inciso I , do CTB , impõe a obrigatoriedade de expedição de novo Certificado de Registro de Veículo quando for transferida a propriedade. A transferência do veículo é realizada com o preenchimento do Certificado de Registro de Veículo (CRV) perante um tabelião e com reconhecimento de firma do vendedor e do adquirente. A regularização da propriedade de um veículo visa tornar seguras as informações registrais dos veículos no órgão de trânsito e suas consequências, como a responsabilização por infrações e débitos até a efetiva comunicação, nos termos do art. 134 do CTB . 9. Nesse passo, embora o citado art. 134 imponha ao vendedor o dever de comunicar a venda do veículo ao DETRAN, compete somente ao comprador regularizar o registro do bem, visto que a comunicação de venda não se equipara à transferência de registro de propriedade. Cumpre ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça continua aplicando o entendimento de mitigação da regra do art. 134 CTB , podendo ser afastada a presunção de propriedade no registro do DETRAN, uma vez que no direito brasileiro a propriedade de bens móveis se transmite com a tradição. Nesse sentido, entendimento recente: ?ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. MULTA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE OS PROPRIETÁRIOS DO VEÍCULO. ART. 134 DO CTB . RESPONSABILIDADE MITIGADA. IMPOSSIBILIDADE DE COBRAR DA ANTIGA PROPRIETÁRIA, ESTANDO COMPROVADO QUE AS INFRAÇÕES QUE ENSEJARAM A PENALIDADE NÃO FORAM POR ELA COMETIDAS. AGRAVO INTERNO DA FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO DESPROVIDO. 1. Cuida-se, na origem, de Ação Declaratória de inexistência de relação jurídica, com tutela antecipada, pleiteando a autora que seja declarado judicialmente não ser mais proprietária do bem desde a data da sua venda (19/5/2011), sendo expedido mandado judicial ao DETRAN para que este proceda à baixa do registro do veículo em seu nome, transferindo a responsabilidade do veículo para o corréu, bem como de todas as multas e eventuais tributos decorrentes da sua propriedade (fls. 02/03). 2. Conforme orientação jurisprudencial deste STJ, comprovada a transferência da propriedade do veículo, afasta-se a responsabilidade do antigo proprietário pelas infrações cometidas após a alienação, mitigando-se, assim, o comando do art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro ( AgRg no REsp 1.204.867/SP , Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA , DJe 06.09.2011). 3. Agravo Interno da FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO desprovido. ( AgInt no REsp XXXXX/SP , Rel. Ministro MANOEL ERHARDT (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF-5ª REGIÃO), PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/05/2021, DJe 20/05/2021)?. No mesmo sentido, o entendimento do TJGO (AC XXXXX-91) e das Turmas Recursais em Goiás (RI n. XXXXX-12 e RI XXXXX-68). 10. Dessa forma, considerando que o reclamante vendeu o veículo ao réu no ano de 2013, deve ser afastada a responsabilização do reclamante pelos débitos gerados a partir do ano de 2014 e, consequentemente, impondo ao adquirente o dever de arcar com os débitos pendentes do veículo, conforme comprovam os documentos anexos à peça vestibular. Vale dizer, a sua autuação por infração de trânsito em época que já não mais era proprietário do veículo, e caso queria, poderá ajuizar ação regressiva contra quem efetivamente tenha praticado as infrações. Dessa forma, não merece reparos a sentença combatida. 11. Recurso conhecido e desprovido, para manter inalterada a sentença combatida, condenando o recorrente ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios arbitrados em R$ 1.000,00 (um mil reais), conforme art. 55 , da Lei nº 9.099 /95 e 85 , § 8º , CPC , restando suspensa a exigibilidade em virtude da concessão da gratuidade da justiça na origem.