Tribunal de Justiça do Estado da Bahia PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA TURMA RECURSAL - PROJUDI PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br - Tel.: 71 3372-7460 RECURSO INOMINADO Nº XXXXX-36.2020.8.05.0001 RECORRENTE: VALMIR LOPES LIMA ADVOGADO: PEDRO FRANCISCO GUIMARAES SOLINO RECORRIDO: EMBASA ADVOGADO: ELISANGELA DE QUEIROZ FERNANDES BRITO JUIZ RELATOR: ALBÊNIO LIMA DA SILVA HONORIO EMENTA RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. EMBASA. ALEGAÇÃO AUTORAL DE INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DE ÁGUA (ENTRE DEZEMBRO DE 2019 E FEVEREIRO DE 2020). DEFESA PAUTADA NA MANUTENÇÃO REGULAR DO CONSUMO E AUSÊNCIA DE PROVA DE DESABASTECIMENTO. SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTES OS PEDIDOS. NULIDADE DA SENTENÇA. PARTE AUTORA REQUEREU NA AUDIÊNCIA DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO PARA OITIVA DE TESTEMUNHA, O QUE FOI NEGADO PELO JUÍZO A QUO. NULIDADE PROCESSUAL POR CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA ANULAR TODOS OS ATOS A PARTIR DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO. RELATÓRIO Trata-se de recurso inominado interposto contra a sentença prolatada no processo em epígrafe nos seguintes termos: ¿(...) A matéria envolvida nesta lide é de fato e de direito, sendo a prova unicamente documental, portanto, considerada de menor complexidade. Desta forma, afasto a preliminar de complexidade da causa, suscitada pela ré, tendo em vista a desnecessidade de elaboração de prova pericial para o regular julgamento do feito. Afasto, também, a preliminar aduzida pela Embasa, qual seja, incompetência em razão da matéria, em razão da violação do direito individual homogêneo, uma vez que a parte autora tem legitimidade, para ajuizar essa ação, em busca do seu direito. Ademais, a legislação brasileira não obriga esse magistrado a seguir os entendimentos do FONAJE. Quanto a decadência do direito de reclamar. Sustenta a contestante que nos termos do art. 26 , do Código de Defesa do Consumidor , a parte autora teria o prazo de até 30 (trinta) dias, após a disponibilização das ações para reclamar o suposto vício suscitado na presente demanda. Decorridos mais de 30 (trinta) dias da suposta violação do direito reclamado, seu pretenso direito se encontra alcançado pela decadência, pelo que deve ser julgado extinto, com julgamento do mérito. Mais uma vez, sem razão a empresa acionada, como a seguir demonstraremos. O instituto da decadência, ao contrário do que entende a contestante alcança, apenas e tão somente, as ações constitutivas que tem prazo especial de exercício fixado em lei. Ditas ações (constitutivas), visam à criação, modificação ou extinção de situação jurídica, por ato unilateral de vontade do titular do direito. Assim, quando a lei fixa prazo para o exercício daquelas ações, esses prazos são de decadência, porque são prazos extintivos do próprio direito potestativo. No caso "sub judice", a ação proposta é condenatória, porque visa obter coercitivamente, por ato do juiz, a prestação voluntariamente recusada. Nesses casos, o ordenamento jurídico fixa um prazo para o exercício da ação, vencido o qual perde o direito à sua exigibilidade (prescrição). Sobre a inversão do ônus da prova, interessa esclarecer que, embora o inciso VIII do art. 6º do CDC possibilite a inversão do ônus probandi com o objetivo de facilitar a defesa dos direitos do consumidor, tal inversão não ocorre de forma automática (ope legis), dependendo de as circunstâncias concretas preencherem os requisitos legais, de acordo com a apreciação do magistrado (ope iudices). E, portanto, o ônus da prova só deve ser invertido quando o requerente tiver dificuldades para a demonstração do seu direito dentro das regras processuais comuns ditadas pelo CPC e estiverem presentes a hipossuficiência (econômica ou técnica) ou a verossimilhança da alegação, o que não é o caso dos autos. Ademais, a eventual inversão do ônus da prova não dispensa a parte Autora em fazer prova mínima das suas alegações. Ao analisar os autos, entendo assistir razão à parte Demandada, haja vista que a falta de água no imóvel da autora decorreu de inadequação das instalações hidráulicas internas da parte Autora. Vejamos: Art. 40. Os serviços poderão ser interrompidos pelo prestador nas seguintes hipóteses: I - situações de emergência que atinjam a segurança de pessoas e bens; II - necessidade de efetuar reparos, modificações ou melhorias de qualquer natureza nos sistemas; III - negativa do usuário em permitir a instalação de dispositivo de leitura de água consumida, após ter sido previamente notificado a respeito; IV - manipulação indevida de qualquer tubulação, medidor ou outra instalação do prestador, por parte do usuário; e V - inadimplemento do usuário do serviço de abastecimento de água, do pagamento das tarifas, após ter sido formalmente notificado. (grifo nosso) Da análise minuciosa dos autos, observa-se que a parte demandante não junta nenhuma prova no sentido de ter comunicado à parte acionada a falta de abastecimento de água em sua residência, o que fragiliza a sua versão de que teria ficado sem água durante o período noticiado em sua exordial. Ademais, da leitura das faturas pertinentes ao imóvel, juntado pela própria autora, averigua-se que, no período dito como de desabastecimento, não houve qualquer alteração significativa no consumo de água em tal unidade consumidora. Com base na fundamentação acima exposta e, ainda, não havendo elementos probatórios que indiquem ofensas por parte da Acionada aos direitos de personalidade da parte Autora, rechaço a sua pretensão de indenização por danos morais. Além disso, não cabem no rótulo de dano moral os transtornos, aborrecimentos ou contratempos que sofre o ser humano no seu dia a dia, absolutamente normais na vida de qualquer um. Consoante já vêm decidindo os nossos tribunais "Simples sensação de desconforto ou aborrecimento, não constitui dano moral, suscetível de ser objeto de reparação civil". Com efeito, não restou provado pela parte demandante a ocorrência do dano moral na espécie, de modo que a improcedência do feito se impõe. Registre-se, inclusive, que a falha na prestação do serviço, por si só, não conduz automaticamente a condenação em danos morais (dano automático), sendo necessária a prova da existência de tais danos, a fim de que possam ser mensurados os prejuízos suportados pelo consumidor que pretende ser indenizado. Assim, ante o exposto e tudo mais que dos autos consta, julgo improcedente a queixa prestada por VALMIR LOPES LIMA contra a EMBASA. Declaro extinto o processo, com resolução do mérito, na forma do art. 487 , I , do NCPC . Sem custas ou honorários nesta fase.¿ Sorteados, coube-me a função de relatar, cujo voto ora apresento com fundamentação sucinta. É breve o relatório. VOTO Requisitos de admissibilidade preenchidos. Compulsando os autos, verifica-se que na audiência de evento 26, a parte Autora/Recorrente requereu a designação de audiência de instrução para produção de prova testemunhal, o que foi negado pelo juízo a quo no evento 29. Ressalte-se que, ao cercear a produção da prova pretendida pela parte autora, não poderia o juízo julgar improcedente o pedido por ausência de prova das alegações e do efetivo desabastecimento do imóvel. Assim, em prestígio ao princípio da ampla defesa, penso que todos os atos processuais realizados após a audiência constante do evento 26 devem ser anulados, para que a demanda tenha regular processamento, inclusive com a designação de data de audiência de instrução. Ante o exposto, VOTO no sentido de CONHECER O PRESENTE RECURSO e DAR-LHE PROVIMENTO, para decretar a nulidade de todos os atos processuais após a audiência constante no evento 26, determinando o retorno dos autos à origem para que a demanda tenha regular processamento, com a designação de data de audiência de instrução. Sem custas e honorários advocatícios, ante o resultado. ALBÊNIO LIMA DA SILVA HONÓRIO Juiz de Direito Relator