EMENTA: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. RELAÇÃO DE CONSUMO. VÍCIO DO PRODUTO. TENTATIVA DE REPARAÇÃO DO APARELHO CELULAR. VÍCIO NÃO SANADO. RESTITUIÇÃO DA QUANTIA PAGA. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. I- Em sede inicial, a reclamante narrou que em 25.8.2022 adquiriu um aparelho celular, pelo site Mercado Livre (4ª reclamada), marca Motorola (1ª reclamada), modelo Moto GS5, 32 GB, Dual Chip Xt1792, no valor de R$ 739,00 (setecentos e trinta e nove reais). Após 2 (dois) meses de uso o aparelho começou apresentar vícios (deslocamento da parte lateral do aparelho, problema para carregar a bateria e duração baixa), motivo pelo qual encaminhou à assistência técnica para análise e garantia da loja, conforme orientado pela Mais Barato Fone (3ª reclamada). A Tecnomodena Comercial Ltda. (2ª reclamada) ficou responsável e orientou o reclamante como embalar o produto para encaminhar pelos Correios. Decorridos 10 (dez) dias do envio, o produto foi devolvido ao reclamante, porém, com os mesmos vícios, além de outros mais graves (superaquecimento e estufamento da bateria). À vista disso, requereu a restituição dos valores pagos pelo produto e a condenação em indenização por dano moral. O juízo de origem julgou procedentes os pedidos inaugurais, condenou as requeridas em responsabilidade solidária para restituição do valor do aparelho celular, bem como em indenização por dano moral, no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais). Irresignada, a Tecnomodena Comercial Ltda. (2ª reclamada) interpôs recurso inominado. Em preliminar, requereu a incompetência do Juizado Especial Cível, diante da necessidade de dilação probatória, ainda, a nulidade da sentença por julgamento extra petita, ao condenar as reclamadas à restituição do valor do produto e, ao mesmo tempo, no dever de providenciar devolução e retirada do aparelho ao reclamante. No mérito, sustentou a inexistência de dano material e moral. II- Incontroversa a relação jurídica existente entre as partes. Aplicar-se-á a legislação consumerista, nos moldes preconizados nos artigos 2º e 3º , do Código de Defesa do Consumidor . III- Quanto à alegação de incompetência deste Juízo, em preliminar, não prospera. Eis que a prova da inexistência de vícios ou defeitos no produto colocado no mercado cabe ao fornecedor, e tal diligência não demanda maior complexidade, a fim de a afastar a competência do Juizado Especial. Bem da verdade que a reclamada/recorrente, juntamente com as demais reclamadas, não coligiram aos autos provas robustas para afastarem a responsabilidade, conforme disciplina o art. 12 , § 3º , do CDC . Destaca-se que as reclamadas possuem informações técnicas do aparelho celular, poderiam demonstrar que o produto estava dentro da normalidade de suas especificações para o adequado funcionamento. Para corroborar como esse entendimento, o doutrinador Felipe Peixoto Braga Netto , em sua Obra Manual de Direito do Consumidor à Luz da Jurisprudência do STJ, 8ª Edição, 2013, Editora JusPodivm, aduz: ?Cabe ao fornecedor, detentor dos meios técnicos da produção, provar a inexistência do defeito. É o que deflui das disposições normativas do CDC que preveem que o fornecedor só não será responsabilizado se provar que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste (art. 12, § 3º); (?). A prova da ausência do defeito, portanto, segundo expressa dicção legal, fica a cargo do fornecedor?. Para tanto, não há falar em incompetência por necessidade de dilação de prova pericial, mas insuficiência de provas que constitua fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito. IV- Depreende-se da sentença recorrida que a condenação das reclamadas está em consonância com o limite do pedido inaugural, pois condenou solidariamente, para restituir o valor pago pelo produto, no valor de R$ 739,00 (setecentos trinta nove reais), bem como ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), logo, não houve julgamento extra petita. A devolução do aparelho, mencionada na sentença, trata-se de uma obrigação de fazer, a fim de que o reclamante possa realizar a entrega do produto defeituoso às reclamadas, visto que a reparação do produto foi substituída pela restituição do valor pago no celular. Preliminares afastadas. V- Cuida-se o caso em comento de vício do produto, em razão de sua inadequação ao fim a que se destina, isto é, ausência da qualidade esperada que o tornou impróprio para sua utilização, consoante disposição do art. 18 do Código de Defesa do Consumidor . VI- A parte reclamada/recorrente foi oportunizado trazer os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do reclamante, na forma do art. 373 , inciso II , CPC/15 , sendo que não logrou êxito. Lado outro, o reclamante juntou comprovante de postagem do aparelho celular, nota fiscal do produto adquirido e contato via WhatsApp junto a assistência técnica de garantia da loja (movimentação 1, arquivo 8 e movimentação 28, arquivo 2), demonstrando a verossimilhança dos fatos alegados. Vale salientar, que o reclamante, apesar de encaminhar o produto para assistência técnica conforme instrução da reclamada, o celular continuou com os mesmos vícios e outros mais graves. Assim, no sopesamento das provas, razão assiste ao reclamante à restituição dos valores pago pelo aparelho celular, com base no Código de Defesa do Consumidor . Não sanado o vício do produto, o consumidor poderá exigir a restituição do valor pago (art. 18, § 1º, II). Nesse ponto, não há falar em reforma da sentença, pois incontroverso o direito à restituição. VII- Em que pese patente o vício do produto, bem como a tentativa de sua reparação, a situação vivenciada pelo reclamante não supera os limites do mero dissabor decorrente do inadimplemento contratual. Sendo que, não há prova da exposição a qualquer situação extrema ou vexatória, suficiente para demonstrar dano psicológico ou ofensa a atributos da personalidade. Sobre o dano moral, confira-se: ?(...). VIII- Registre-se que não é qualquer dissabor vivido pelo ser humano que lhe dá direito ao recebimento de indenização, a exemplo dos fatos descritos no caso vertente, que constituem mero aborrecimento, insuficiente a ensejar a reparação pecuniária ora pleiteada. Os transtornos referentes ao caso em comento não possuem intensidade lesiva a ponto de se cogitar um desequilíbrio que configure dano moral, já que, embora fatos dessa natureza sejam desagradáveis, não justifica juridicamente a pretensão indenizatória alhures formulada. IX- Ademais, pelas provas colacionadas aos autos não ficou evidenciado a perda de tempo útil para solucionar o problema na esfera administrativa, em prejuízo de outras atividades, ou seja, que o reclamante tenha vivido uma via crucis para tentar resolver o problema, caracterizando aquilo que a doutrina consumerista identifica como teoria do Desvio Produtivo do Consumidor. X- Assim, não se mostra razoável e proporcional a imposição de condenação das reclamadas em indenização por danos morais.(TJGO, XXXXX-16.2021.8.09.0029 , 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais, REL. FERNANDO RIBEIRO MONTEFUSCO , DJ 16/09/2021). (TJGO, XXXXX-23.2022.8.09.0051 , 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais, REL. FERNANDO RIBEIRO MONTEFUSCO , DJ 03/03/2023).? Nesse sentido, a reforma da sentença é medida cogente, para afastar a indenização por dano moral, nos termos alhures. VIII- RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO para afastar a indenização por dano moral, devendo ser mantido os demais termos da sentença. Ante o resultado do julgamento, fica a parte recorrente dispensada do pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios (art. 55 da Lei 9.099 /95).