APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR. COMPANHIA AÉREA E AGÊNCIA DE VIAGENS. COMPRA DE PASSAGENS PELA INTERNET. ART. 49 DO CDC . DIREITO DE REFLEXÃO OU ARREPENDIMENTO. APLICABILIDADE. MANIFESTAÇÃO DA VONTADE DE CANCELAR DENTRO DO PRAZO LEGAL. DEVOLUÇÃO DO VALOR DO BILHETE NA FORMA SIMPLES E DA TAXA DE ADMINISTRAÇÃO EM DOBRO. SÚMULA Nº 75 DO TJRJ. MERO INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. AUSÊNCIA DE DANOS MORAIS. Ação repetição de indébito c/c indenização por danos morais fundada na obstrução do exercício do direito de arrependimento na compra de passagem aérea, com data equivocada, mediante retenção de 100% (cem por cento) do valor do bilhete, patamar reputado abusivo pelo consumidor. Evidente relação consumerista, subsumindo-se às normas do Código de Defesa do Consumidor que, em seu art. 14 , consagra a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços, bastando para tanto a demonstração do fato, do dano e do nexo causal, sendo prescindível a presença da culpa, bem como em seu art. 49 , que estabelece prazo para arrependimento ou reflexão no caso de compras efetuadas fora do estabelecimento empresarial, com devolução integral da quantia paga. De outro lado, incidem igualmente as regras do contrato de transporte, notadamente o art. 740 do Código Civil , que estabelece o direito do contratante de rescindir a avença antes de prestado o serviço, sendo-lhe devolvida a integralidade do valor pago caso a comunicação ao transportador seja feita com antecedência suficiente para sua renegociação. O direito de arrependimento previsto no art. 49 do CDC c/c 740 do Código Civil , em diálogo das fontes, é perfeitamente aplicável à venda de passagens aéreas via internet. O CDC consubstancia-se em densificação legislativa do direito fundamental à defesa da pessoa humana na sua dimensão consumidora, previsto art. 5º , XXXII , da Constituição . Nesse sentido, em face dos princípios da interpretação conforme a constituição , da máxima efetividade e da vedação ao retrocesso social (que engloba a proibição da "intepretação restrospectiva" a que alude Barbosa Moreira), as normas de natureza ampliativa, que conferem superioridade de posições ao consumidor, somente podem ter sua aplicabilidade afastada por razões últimas estribadas nos princípios constitucionais que lhe dão esteio, como em casos de abuso de direito, o que não se verificou em momento algum nesses autos. O direito de arrependimento com prazo de 7 (sete) dias para compras fora do estabelecimento empresarial tem como finalidade tutelar a hipossuficiência informacional e vulnerabilidade sócio-econômica do consumidor. No primeiro aspecto, o prazo de reflexão serve para que eventuais falhas de informação de fácil constatação possam chegar ao conhecimento do comprador. A ausência de um preposto in loco para atendimento direto abre margem a uma série de equívocos que podem ser sanados e possibilitar uma contratação mais consciente por parte do consumidor. Sob tal ótica, a venda de passagens aéreas pela internet utiliza-se de interface de relacionamento por sítio na web, telemarketing passivo e, por vezes, webchat, inexistindo qualquer diferenciação com outras plataformas online de fornecimento de produtos e serviços. No aspecto da vulnerabilidade, o prazo de reflexão para vendas efetivadas fora do estabelecimento empresarial dá uma oportunidade para que o consumidor, atingido pelo marketing agressivo inerente às vendas à distância, possa pensar melhor a fim de diminuir os prejuízos ocasionados em aquisições de produtos ou serviços feitas por impulso (sem reflexão quanto à necessidade, utilidade ou disponibilidade financeira) ou de força açodada (sem prestar muita atenção no ato de adquirir, estando mais propenso a erros de contratação). Nesta linha de ideias, novamente a compra de bilhete de transporte aéreo pela internet (seja direto com a Companhia, seja por agente de viagens) não difere de qualquer outra contratação de produto ou serviço online: a modalidade agressiva de venda fora do estabelecimento está na atratividade das campanhas de marketing veiculadas na própria página inicial do site, em anúncios publicitários em outras páginas da web ou enviados por e-mail através do sistema de mala direta eletrônica. Fatos incontroversos e provas dos autos que evidenciam a manifestação inequívoca do direito de arrependimento dentro do prazo do art. 49. Fornecedoras que obstaram ilegitimamente o exercício da prerrogativa de restituição integral do valor do bilhete, obrigando o autor, ao final das tratativas, a se submeter a condição ilicitamente imposta para cancelamento. Cobrança indevida a título de taxa de administração em razão da sua imposição com abuso de direito e em evidente má-fé. Restituição em dobro, na forma do art. 42, parágrafo único. Malgrado a falha na prestação do serviço pelas apeladas, que negaram ao autor o direito de restituição integral da quantia paga pelo exercício da prerrogativa de cancelamento da passagem aérea no prazo de reflexão do art. 49 do CDC , do fato não adveio circunstância que atentasse contra a dignidade do consumidor, não tendo sido demonstrado desdobramento do fato que tivesse lhe causado dor, sofrimento, angústia, humilhação, vexame ou qualquer outro tipo de abalo aos direitos da personalidade, que produzisse lesão de ordem moral. Desse modo, sendo certo que o descumprimento contratual, em regra, não configura dano moral e que a hipótese não ultrapassou o mero aborrecimento cotidiano, incide à espécie a súmula nº 75 do TJRJ. Artigo 557 , § 1º-A, do CPC . PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.