PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO (ART. 121, § 2º, II, III E IV DO CPB). COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. ABSOLVIÇÃO. ALEGAÇÃO DE DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVAS DOS AUTOS. EM RELAÇÃO AO RÉU FRANCISCO NÉLIO FERREIRA . PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO FORMULADO PELO MP EM ALEGAÇÕES FINAIS. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DE APELAÇÃO PEDINDO A CONDENAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ATUAÇÃO DO MESMO MEMBRO DO MP. COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO. NÃO CONHECIMENTO. EM RELAÇÃO AO RÉU ADRIANO CARNEIRO NASCIMENTO . DECISÃO QUE NÃO ENCONTRA RESPALDO NAS PROVAS DOS AUTOS. ABSOLVIÇÃO DIVORCIADA DO CONTEXTO DOS AUTOS. VÍTIMA RECONHECEU O ACUSADO COM ELEVADO GRAU DE CERTEZA. PROVAS PRODUZIDAS NO SENTIDO DA AUTORIA DO ACUSADO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA EXTENSÃO, PROVIDO. 1. O Ministério Público pleiteia com a presente Apelação a cassação do ato sentencial, ao argumento de que a absolvição dos réus Francisco Nélio Ferreira e Adriano Carneiro do Nascimento foi contrária as provas produzidas nos autos. 2. O recurso encontra amparo no art. 593 , III , alínea ¿d¿, do Código de Processo Penal , que dispõe que caberá apelação das decisões do Tribunal do Júri quando for verificada contrariedade à prova dos autos, de forma que pode ser anulada, para submeter o acusado a novo julgamento. Trata-se, por certo, de recurso de fundamentação vinculada, devendo a parte interessada na reforma da decisão proferida pelos jurados demonstrar, de forma fundamentada, o alegado divórcio entre a decisão recorrida e a prova dos autos, num verdadeiro exercício silogístico. 3. Inicialmente, quanto ao réu Francisco Nélio Ferreira , verifica-se em ata de audiência de fls. 734/737, que o Órgão Ministerial opinou pela sua absolvição, em virtude da ausência de provas suficientes para sua condenação. Entretanto, ao interpor a correspondente apelação, o Parquet, representado pelo mesmo promotor de justiça, recorreu indistintamente da absolvição de ambos os réus, sem, contudo, apresentar novas provas ou quaisquer justificativa para a mudança de entendimento. Por tudo quanto exposto, não se conhece do recurso relativo ao réu Francisco Nélio Ferreira . 4. Quanto ao réu Adriano Carneiro do Nascimento , de pronto, cabe observar que o artigo 5º, inciso XXXVIII, da Constituição Federal , assegura a soberania dos veredictos do Egrégio Tribunal do Júri como um dos direitos e deveres individuais de todo e qualquer cidadão. Contudo, suas decisões não são absolutas, estando sujeitas a controle pelo Poder Judiciário. 5. A autoria do delito, como já afirmado, foi confirmada pela vítima com o devido grau de certeza. Já a materialidade restou comprovada pelo laudo cadavérico de fl. 89, o qual revelou que a vítima faleceu em virtude de queimaduras de segundo e terceiro grau em cerca de 60% da área corporal. 6. A vítima Francisco Evaneudo Paz Ferreira, em mídia anexa à fl. 797, durante o programa jornalístico ¿Barra Pesada¿, poucos dias antes de sua morte, relatou que no dia do delito saiu de manhã cedo, retornando a noite após um jogo. Afirmou que no caminho de volta discutiu com dois rapazes, tendo um deles tirado uma faca e tentado lhe atacar, sendo o outro Adriano. Relatou que ao chegar em casa armou uma rede do lado de fora e que quando acordou já estava pegando fogo e gritando por socorro. Afirmou, com elevado grau de certeza, que no momento viu o acusado Adriano correndo, juntamente com outra pessoa que não conseguiu reconhecer. 7. Neste sentido, a testemunha Maria Luiza Paz Ferreira , genitora da vítima, em Termo acostado às fls. 275/277, relatou que seu filho chegou por volta das 19h em casa, vindo de um jogo de futebol, chegou a conversar um pouco com ela e pediu uma rede para estender em uma árvore do lado de fora da casa. Alegou que ficou preocupada pela vítima estar dormindo na rua e ficou observando-a a distância, entretanto, ocasionalmente dormiu e acordou já com Francisco Evaneudo sendo queimado. Relatou que o fogo chegou a atingir a árvore onde estava a rede e que seu filho se debatia no solo para apagar as chamas. 8. Relatou, ainda, que a vítima afirmou que alguém despejou gasolina em seu corpo, enquanto ¿Adriano Loiro¿ acendeu o fósforo e depois fugiu, afirma ainda que seu filho não viu quem foi a pessoa que auxiliou Adriano. Por fim, informou que a vítima foi encaminhada a Fortaleza e internada no hospital por 6 (seis) dias antes de sua morte. Alegou que a motivação do crime seria por ciúmes, tendo em vista que havia boatos que a vítima teria um caso amoroso com a mulher do acusado. 9. Ademais, a testemunha José Valmir Nunes da Silva , em Termo de fls. 298/300, relatou que na ocasião do delito estava em sua casa dormindo, quando sua esposa o acordou e relatou que Francisco Evaneudo, seu cunhado, havia sido queimado, razão pela qual dirigiu-se imediatamente a casa dele. Informou que ao chegar lá o viu com boa parte do corpo queimado, porém estava consciente, tendo perguntado a vítima quem teria feito aquilo e ela teria respondido que foi Adriano e Nerilson. Afirmou que a vítima informou que chegou a ver Adriano perto da rede depois que foi queimado, enquanto Nerilson estaria correndo. Relatou também ter perguntado por que os acusados teriam feito isso, pelo que a vítima respondeu que havia brigado com eles em um campo de futebol. 10. No caso, verifica-se que a prova coligida durante a instrução processual albergava as seguintes teses: a de que o réu foi autor do crime previsto no art. 121 , § 2º , incisos II , III e IV do Código Penal , sustentada pelo Ministério Público e a de negativa de autoria do acusado sustentada pela defesa. Ocorre que a tese acusatória não foi acolhida pelo Conselho de Sentença que, ao contrário, absolveu o acusado Adriano Carneiro do Nascimento . 11. A materialidade delitiva e a autoria são incontroversas, posto ter sido reconhecido com elevado grau de certeza pela vítima, bem como pelo fato de o relato das testemunhas serem unânimes no sentido de que houve um desentendimento entre os dois pouco tempo antes do delito. Dessa forma, embora o acusado negue em juízo ter praticado o delito, há nos autos robusto acervo probatório em contrário. 12. A decisão dos jurados que absolveu o acusado, não guardou coerência com a prova colhida, sendo, pois, manifestamente contrária à prova dos autos, devendo o decisum ser anulado, para que o apelado seja submetido a novo julgamento pelo tribunal do júri. 13. A narrativa de homicídio qualificado apresentada na denúncia foi confirmada absolutamente em sede judicial, de modo que ressai manifestamente contrária à prova dos autos a tese agasalhada pelo Tribunal do Júri, não havendo hipótese diversa a ser reconhecida, já que ausente qualquer elemento que possa embasar o acolhimento de alguma excludente de ilicitude ou mesmo qualquer outra causa supralegal como clemência. 14. A soberania dos vereditos já é plenamente garantida na medida em que nenhum recurso substitui o mérito da decisão dos jurados e que o recurso de apelação com fundamento na contrariedade entre a prova dos autos e a decisão dos jurados só pode ser interposto uma vez, conforme preceitua o art. 593 , § 3.º , do Código de Processo Penal , o que evita a manifestação de inconformismo desenfreado pelo órgão de acusação. Desta feita, uma vez verificada disparidade entre as provas colhidas nos autos e a decisão proferida pelo Conselho de Sentença, deve o Tribunal utilizar-se da norma insculpida no art. 593 , inc. III , alínea ¿d¿, do CPP , para cassar a decisão colegiada do Júri, determinando a submissão do réu a novo julgamento. 15. APELO MINISTERIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA EXTENSÃO, PROVIDO. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal nº XXXXX-07.2000.8.06.0151 , ACORDAM os Desembargadores integrantes da 2ª Câmara Criminal deste e. Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade de votos, em conhecer parcialmente do presente recurso, para julgar, nesta extensão, PROVIDO o recurso ministerial, nos termos do voto do eminente Relator. Fortaleza, 29 de novembro de 2023. Des. Sérgio Luiz Arruda Parente Presidente do Órgão Julgador e Relator