PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA Tribunal de Justiça de Rondônia Gabinete Des. Francisco Borges Rua José Camacho , nº 585, Bairro Olaria, CEP XXXXX-330, Porto Velho, - de 480/481 a 859/860 Número do processo: XXXXX-89.2023.8.22.0012 Classe: Apelação Criminal Polo Ativo: MARCOS DA SILVA LOPES ADVOGADO DO APELANTE: MAYCON CRISTIAN PINHO , OAB nº RO2030 Polo Passivo: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDONIA ADVOGADO DO APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA RELATÓRIO Marcos da Silva Lopes apela da r. sentença prolatada pelo Juízo da 1ª Vara Genérica da Comarca de Colorado do Oeste/RO que o condenou pela prática do delito tipificado no artigo 16 , parágrafo 1º , incisos III e IV , da Lei n. 10.826 /03, à pena de 3 anos e 6 meses de reclusão, em regime aberto, além do pagamento de 20 dias-multa, à razão de 1/30 do salário-mínimo vigente à época do fato. A pena corpórea foi substituída por duas penas restritivas de direitos. Extrai-se da denúncia que: [...] No dia 01 de setembro de 2022, no imóvel situado na Linha 06, km 20, zona rural da Comarca de Colorado do Oeste/RO, o denunciado MARCOS DA SILVA LOPES , consciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, possuía no interior de sua residência arma de fogo e munições com sinais de identificação suprimidos. Conforme apurado o denunciado possuía no interior de sua residência 01 (uma) espingarda calibre 36, sem marca e numeração aparente, com coronha e telha de madeira; 02 (dois) cartuchos intactos e 05 (cinco) cartuchos deflagrados, todos calibre 36; apetrechos para recarga de cartuchos (pólvora, espoleta e chumbo), que foram apreendidos pela polícia. [...] Em suas razões, a Defesa postula a desclassificação do crime para o descrito no artigo 12 da Lei n. 10.826 /03, a absolvição da conduta delituosa descrita no inciso III, § 1º do artigo 16 da referida Lei, bem como a gratuidade de justiça. As contrarrazões e o Parecer da Procuradoria de Justiça vieram pelo conhecimento e não provimento do recurso. É o relatório. VOTO - DESEMBARGADOR FRANCISCO BORGES DA ADMISSIBILIDADE Conheço do recurso, eis que presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de sua admissibilidade. DO MÉRITO Incontroversas a materialidade e a autoria delitiva. De início, o apelante requer a desclassificação do crime de posse de arma com numeração suprimida (art. 16 , § 1º , IV , da Lei n. 10.826 /2003) para o delito tipificado no artigo 12 da citada Lei, ao argumento de que o laudo pericial não atestou que a identificação foi suprimida por ação humana. A pretensão não comporta provimento. O Superior Tribunal uniformizou o entendimento, alinhado à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, de que o tipo penal em apreço é de perigo abstrato, sendo suficiente para sua caracterização a simples posse do armamento com sinal de identificação suprimido em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Por essa razão, mostra-se irrelevante, para a configuração do delito, a realização de perícia para constatar a natureza da supressão da numeração da arma. A propósito: [...]. 1. Segundo a jurisprudência desta Corte de Justiça, a posse de arma com numeração raspada, danificada ou suprimida implica o juízo de tipicidade do crime previsto no artigo 16 , parágrafo único , inciso IV , da Lei n. 10.826 /2003, independentemente da ausência de exame pericial no armamento, por se tratar de delito de mera conduta. [...]. 3. Agravo regimental não provido. ( AgRg no AREsp n. 1.590.721/GO , Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca , 5ª T., DJe 19/12/2019). [...]. 1. O simples fato de portar ilegalmente arma de fogo com numeração raspada caracteriza a conduta descrita no artigo 16 , parágrafo único , inciso IV , da Lei 10.826 /2003, por se tratar de crime de perigo abstrato, que tem por objetivo proteger a segurança pública e a paz coletiva, independentemente de ter a identificação sido descoberta pela perícia. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. ( AgRg no REsp n. 1.593.323/RJ , Rel. Ministro Jorge Mussi , 5ª T., DJe 19/2/2018) Ademais, caso houvesse comprovação nos autos de que o réu foi o responsável pela supressão da identificação da arma estaria incurso nas penas do art. 16, § 1º, inciso I, da sobredita Lei. (I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato). Desse modo, não há que se falar na possibilidade de se desclassificar a conduta perpetrada pelo apelante para o delito insculpido no art. 12 do Estatuto do Desarmamento . No que se refere ao pleito absolutório relativo ao crime tipificado no inciso III, § 1º, do art. 16 do referido Diploma Legal, a Defesa alega que “o delito mais grave (inciso IV) sobressai ao menos gravoso (inciso III), não cabendo pois a soma dos delitos para a condenação do acusado”. No caso vertente, não há como manter a condenação, mesmo em concurso formal, pelos delitos de posse de munições e arma de fogo com sinal de identificação suprimido e posse de artefatos explosivos sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Isso porque, a posse da arma de fogo com sinal de identificação suprimido (uma espingarda, calibre .36), das munições e dos outros artefatos (pólvora, chumbo e espoletas para cartuchos calibre .32) se deu no mesmo contexto fático, sendo que a pólvora, o chumbo e as espoletas foram apreendidas juntamente e são compatíveis com o calibre e o tipo do armamento, em se tratando de uma espingarda, de tal forma que a mantença irregular dos cartuchos e demais itens (acessórios) devem ser interpretados como meio para a utilização da própria arma. Nesse sentido: [...] 2. Deve ser mantido o reconhecimento de crime único entre os delitos previstos nos arts. 16 , caput, e 16 , parágrafo único , IV , da Lei 10.826 /2003, quando ocorrem no mesmo contexto fático. 3. Agravo regimental provido para afastar o reconhecimento de concurso material, manter a incidência de crime único entre os crimes dos arts. 16 , caput, e 16 , parágrafo único , IV , da Lei 10.826 /2003 e redimensionar as penas.[...] (STJ - AgRg no REsp: XXXXX RS XXXXX/XXXXX-3, Relator: Ministro JORGE MUSSI , Data de Julgamento: 28/04/2020, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/04/2020) [...] A apreensão de artefato explosivo (pólvora), chumbo, espoletas e cartuchos compatíveis com o calibre e espécie da arma apreendida no mesmo contexto fático configura hipótese de crime único, de forma que a posse dos acessórios deve ser interpretada, pela aplicação do princípio da consunção, como meio necessário para a utilização do armamento, recaindo a responsabilização do acusado apenas pela prática do crime previsto no art. 12 da Lei 10.826 /03, e não mais também pelo delito do art. 16 , p. u., III, do mesmo diploma legal. [...] (TJ-MG - APR: XXXXX20158130106 Cambuí, Relator: Des.(a) Nelson Missias de Morais , Data de Julgamento: 22/06/2017, 2ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 03/07/2017). Por tais razões, aplico o princípio da consunção, devendo remanescer a condenação pelo crime tipificado no art. 16 , § 1º , IV , da Lei 10.826 /2003. A pena definitiva fica mantida em 3 anos de reclusão, além de 10 dias-multa, no mesmo patamar fixado pela juíza primeva. Mantido, no mais, o édito condenatório, notadamente o regime aberto e a substituição da pena corpórea por duas penas restritivas de direitos. Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso da Defesa para o fim de absolver o apelante da imputação relativa ao crime previsto no art. 16 , § 1º , III , da Lei 10.826 /03, ficando a pena definitiva mantida em 3 anos de reclusão, além de 10 dias-multa, a ser cumprida em regime aberto, com a substituição da pena corpórea por duas penas restritivas de direitos. É como voto. Com o trânsito em julgado, remeta-se o feito à origem. EMENTA Apelação Criminal. Insurgência defensiva. Posse de arma de fogo com identificação suprimida. Desclassificação para o crime de posse irregular de arma de fogo. Impossibilidade. Posse ilegal de artefato explosivo. Mesmo contexto fático. Crime único configurado. Recurso parcialmente provido. I - A conduta descrita no artigo 16 , parágrafo único , inciso IV , da Lei 10.826 /2003 se caracteriza pelo simples fato de portar ilegalmente arma de fogo com numeração suprimida, por se tratar de crime de perigo abstrato, independentemente da perícia judicial não definir se a numeração da arma de fogo estava suprimida por ação humana e ou se por desgaste natural. II - Se demonstrado que a apreensão de artefato explosivo (pólvora), chumbo, espoletas e cartuchos compatíveis com o calibre e espécie da arma apreendida no mesmo contexto fático deve incidir a hipótese de crime único, aplicando-se o princípio da consunção. IV - Recurso parcialmente provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Magistrados da (o) 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, a seguinte decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA À UNANIMIDADE, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.. Porto Velho, 03 de novembro de 2023 Desembargador FRANCISCO BORGES FERREIRA NETO RELATOR APELAÇÃO CRIMINAL, Processo nº 7000172-89.2023.822.0012 , Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, 2ª Câmara Criminal, Relator (a) do Acórdão: Des. Francisco Borges Ferreira Neto , Data de julgamento: 07/11/2023