APELAÇÃO CÍVEL. REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO POPULAR. DIREITO URBANÍSTICO. DIREITO ADMINISTRATIVO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE . INSTALAÇÃO DE UNIDADE DE SEMILIBERDADE NO NÚCLEO BANDEIRANTE. JULGAMENTO CONJUNTO. RISCO DE DECISÕES CONTRADITÓRIAS. PRELIMINAR DE CARÊNCIA DA AÇÃO REJEITADA. SISTEMA NACIONAL DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO - SINASE. LEI Nº 12.594 /12. POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO. LEI DE USO E OCUPAÇÃO DO SOLO - LUOS. LEI COMPLEMENTAR DISTRITAL Nº 948/2019. CNAE. USO NÃO RESIDENCIAL SIMULTÂNEO. ATIVIDADE NÃO ECONÔMICA EXCLUSIVA DE ESTADO. FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO . AUTORIZAÇÃO DE VIABILIDADE DE LOCALIZAÇÃO. LICENÇA DE FUNCIONAMENTO. LEI DISTRITAL Nº 5.547/2015. ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA - EIV. LEI DISTRITAL Nº 6.744/2020. GESTÃO DEMOCRÁTICA DA CIDADE. FUNÇÃO SOCIAL DA CIDADE. LEGALIDADE ESTRITA. PRESUNÇÃO DE VALIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. PROJETO BÁSICO. PATRIMÔNIO CULTURAL TOMBADO. SENTENÇA REFORMADA. 1. Trata-se de ação popular proposta com a finalidade de anular os atos administrativos de escolha e locação de imóvel destinado à instalação de unidade de atendimento socioeducativo de semiliberdade no Núcleo Bandeirante, com fundamento em alegado descumprimento da legislação urbanística e administrativa. 2. Necessidade de julgamento conjunto com a Ação Civil Pública n. XXXXX-29.2020.8.07.0013 , que objetiva a manutenção do funcionamento da unidade ante a notícia de possível fechamento da unidade, com fundamento nos direitos constitucionais protetivos da criança e do adolescente. Risco de decisões contraditórias (art. 55 , § 3º , do CPC ). 3. Malgrado os autores da ação popular serem moradores da região, o que indicaria interesse pessoal mediato, a causa de pedir consiste em supostas violações à legislação urbanística, ambiental e administrativa aptas a ensejar a anulação de suposto ato lesivo ao patrimônio público. Preliminar de carência da ação rejeitada. 4. Cabe ao intérprete e aplicador da lei apreciar as peculiaridades de cada caso, dentro da moldura interpretativa da lei, tendo como norte hermenêutico o princípio constitucional da função social da cidade. 5. As indicações de ?usos predominantes?, ?usos conformes? e de ?usos não-conformes? na LUOS (art. 5º) apontam para diretrizes gerais de ordenamento da atividade humana, estruturadas em diferentes níveis de permissão, obrigatoriedade, preferência e proibição, que não devem ser lidas como determinações peremptórias ou vedações absolutas, e sim sob a ótica de direcionamento programático do uso do solo, em consonância com as prioridades e vocações elencadas pelo legislador, sempre ponderado pela proporcionalidade à luz do caso concreto. 6. O CNAE institui sistematização geral e aproximada das atividades econômicas, cuja utilização na Lei de Uso e Ocupação do Solo - LUOS (Lei Complementar distrital nº 948/2019), de forma alguma, esgota a complexidade das situações concretas de ordenação do espaço urbano, nem gera efeito vinculante absoluto. 7. No caso concreto, o imóvel questionado se encontra na categoria ?RO?, em que o uso residencial é obrigatório, mas é facultado o uso não residencial simultâneo. A atividade questionada - execução das medidas socioeducativas de semiliberdade - é atividade não econômica (sem finalidade lucrativa) exclusiva de Estado, sob regime jurídico de direito público. Ainda que a LUOS destaque regiões para uso exclusivo ou preferencialmente institucional, não se pode limitar a presença do Estado no território, nem cercear o exercício de suas competências constitucionais. 8. Tanto a política de desenvolvimento urbana quanto a de atendimento socioeducativo de crianças e adolescentes decorrem de mandamentos constitucionais. É necessária interpretação que harmonize os princípios e os objetivos positivados nos respectivos diplomas infraconstitucionais que os regulamentam, em consonância com os princípios hermenêuticos da unidade da Constituição , da sua máxima efetividade social e da força normativa da Constituição . 9. A autorização de viabilidade de localização e a licença de funcionamento, previstas na Lei distrital nº 5.547/2015, aplicam-se apenas no que couber aos órgãos públicos e atividades de uso institucional. 10. A locação de imóvel residencial urbano para instalação de unidade de atendimento socioeducativo não exige prévio Estudo de Impacto de Vizinhança - EIV, previsto na Lei distrital nº 6.744/2020. 11. Conforme disposto no art. 22 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB, ?Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados?. 12. Os atos da Administração Pública, pautados no princípio da legalidade estrita, gozam de presunção de legitimidade e veracidade, sendo presumivelmente válidos até que prova em contrário demonstre terem sido praticados em desacordo com a lei ou com os princípios constitucionais que devem pautar a atuação administrativa. 13. O projeto básico sistematiza as necessidades iniciais da Administração, que são posteriormente cotejadas com as realidades da oferta de mercado. 14. A adequação do imóvel escolhido foi atestada pela Gerência de Semiliberdade da Secretaria de Justiça, por ter área ampla e arejada, com acesso significativo a escolas, Unidade Básica de Saúde, Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e quadras de esporte próximas ao local. 15. Incabível o questionamento, sem prova inequívoca de ilegalidade da opção discricionária de a Administração alugar imóvel residencial ao invés de licitar e construir estrutura própria. Trata-se de matéria afeita ao conteúdo discricionário do ato administrativo, pautada pela existência de imóveis vagos, demanda de reeducandos, disponibilidade de recursos orçamentários e outros critérios a serem aferidos pela Administração Pública a partir da especialização técnica e temática dos órgãos públicos. 16. Não há notícia de suspensão do contrato administrativo pelo Tribunal de Contas do DF, nem foram apontados indícios de malversação do dinheiro público pelo Ministério Público na presente ação popular e na Ação Civil Pública nº XXXXX-29.2020.8.07.0013 . 17. Não foi comprovado ao longo da instrução probatória a existência de atos lesivos ao patrimônio público, seja sob a ótica da legislação urbanística, seja no âmbito administrativo ou conforme os princípios e objetivos do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. 18. Apelação e Remessa Necessária providas. Preliminar de carência da ação rejeitada. Unânime.