EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITOS CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. OPERAÇÃO REALIZADA COM CARTÃO MAGNÉTICO E SENHA PESSOAL. CONTRATO ASSINADO ENTRE AS PARTES MOSTRANDO A NEGOCIAÇÃO. OCORRÊNCIA REGISTRADA EM MOMENTO MUITO POSTERIOR. IMPOSSIBILIDADE DE AUDITAR TODAS AS COMPRAS REALIZADAS. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO AUSENTE. CULPA EXCLUSIVA DA CONSUMIDORA E DE TERCEIRO. FORTUITO EXTERNO. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE CONFIGURADA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO INOMINADO DESPROVIDO. I. Trata-se de ação declaratória de inexistência de débito cumulada com repetição de indébito e indenização por danos morais proposta por Maria de Fátima Silvério de Mesquita Borges contra Banco Itaucard S.A. II. Alegou a autora que, no dia 19 de março de 2020, por volta das 11h, foi abordada por um preposto da empresa Furacão Equipamentos, ofertando dispositivos de segurança de primeira linha de proteção residencial. Após negociações, foi firmado um contrato para aquisição do produto escolhido, pelo valor de R$ 2.328,00, dividido em doze parcelas de R$ 194,00. Ato contínuo, o preposto trouxe o produto para realizar a instalação, mas nesse momento, foi observado que o produto que estava sendo entregue não correspondia ao adquirido, instante em que o preposto narrou que iria no automóvel buscar o produto correto, mas evadiu. De imediato, conforme protocolo nº XXXXX99489030000, entrou em contato com o réu o solicitou o bloqueio da compra. Após inúmeras reclamações formais, mesmo com apresentação de boletim de ocorrência, alertando a parte ré do estelionato que a vitimou, o Itaucard não suspendeu a cobrança na fatura. Diante da recusa de cancelamento da transação, pugnou pela sua responsabilização civil. III. O juiz singular julgou improcedentes os pedidos. IV. Inconformada, a autora interpôs recurso inominado pugnando pelos benefícios da justiça gratuita e a reforma da sentença. Repisou todos os argumentos apresentados quando do petitório inicial, com ênfase no desacerto do julgado, que não observou a existência de fraude e o descabimento de uma noticiação falsa acerca do crime. Pontuou os vários protocolos mencionados, a existência de inversão do ônus da prova, a impossibilidade de produzir provas maiores, a responsabilidade objetiva da parte recorrida, ao final pugnando pelo provimento do recurso e deferimento dos pleitos exordiais. V. Contrarrazões pelo desprovimento (evento nº 26). VI. Recurso próprio, tempestivo e dispensado do preparo por ser beneficiária da justiça gratuita, dele conheço. VII. A relação jurídica estabelecida entre as partes é de natureza consumerista, devendo a controvérsia ser solucionada sob o prisma do sistema jurídico autônomo instituído pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078 /1990), que, por sua vez, regulamenta o direito fundamental de proteção do consumidor (artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal). VIII. O art. 14 do Código de Defesa do Consumidor estabelece que o fornecedor responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores em decorrência de falhas na prestação de seus serviços, in verbis: ?Art. 14 - O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos?. Saliente-se, outrossim, que a responsabilidade pode ser ilidida mediante a prova da inexistência do defeito, ou ainda, pela culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros, conforme pode ser observado no artigo 14, parágrafo 3º, incisos I e II, do citado Códex, verbis: ?(?) § 3º. O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.?(grifei) IX. No presente caso, noto que a autora/recorrente confessa desde a sua inicial que firmou com o preposto Alexandre , da empresa Furacão Indústria e Comércio de Aparelho Eletrônico Eireli, compromisso para aquisição de equipamentos de monitoração eletrônica para sua residência, pelo valor de R$ 2.328,00, dividido em doze parcelas de R$ 194,00, fato incontroverso. Também incontroverso que a autora inseriu o seu cartão (com chip) de crédito na máquina de cartões e digitou sua senha, tratando-se portanto de uma transação legítima. Nesse sentido, tenho por bem transcrever o posicionamento do STJ em situações análogas, conforme REsp n. 1.633.785/SP : ?RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. SAQUES. COMPRAS A CRÉDITO. CONTRAÇÃO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL. CONTESTAÇÃO. USO DO CARTÃO ORIGINAL E DA SENHA PESSOAL DO CORRENTISTA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DEFEITO. INEXISTÊNCIA. RESPONSABILIDADE AFASTADA. 1. Recurso especial julgado com base no Código de Processo Civil de 1973 (cf. Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Controvérsia limitada a definir se a instituição financeira deve responder por danos decorrentes de operações bancárias que, embora contestadas pelo correntista, foram realizadas com o uso de cartão magnético com chip e da senha pessoal. 3. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade da instituição financeira deve ser afastada quando o evento danoso decorre de transações que, embora contestadas, são realizadas com a apresentação física do cartão original e mediante uso de senha pessoal do correntista. 4. Hipótese em que as conclusões da perícia oficial atestaram a inexistência de indícios de ter sido o cartão do autor alvo de fraude ou ação criminosa, bem como que todas as transações contestadas foram realizadas com o cartão original e mediante uso de senha pessoal do correntista. 5. O cartão magnético e a respectiva senha são de uso exclusivo do correntista, que deve tomar as devidas cautelas para impedir que terceiros tenham acesso a eles. 6. Demonstrado na perícia que as transações contestadas foram feitas com o cartão original e mediante uso de senha pessoal do correntista, passa a ser do consumidor a incumbência de comprovar que a instituição financeira agiu com negligência, imprudência ou imperícia ao efetivar a entrega de numerário a terceiros. Precedentes. 7. Recurso especial provido.? (STJ, REsp XXXXX/SP , Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA , TERCEIRA TURMA, julgado em 24/10/2017, DJe 30/10/2017). (grifei) X. O caso da recorrente foi dividido em duas partes. No primeiro momento, a parte recorrida suspendeu a transação impugnada, oportunizando que a parte contrária, detentora do crédito (Furacão), manifestasse acerca das alegações da autora. No segundo momento, voltou a reconhecer a exigibilidade do débito, já que a empresa apresentou documento assinado pela autora, provando a existência de negócio. Todos esses fatos não foram negados pela recorrente, que aliás os narrou com muito esmero, discordando apenas da decisão da instituição de tornar a fazer o débito exigível e líquido para o suposto fraudador. Denota-se que não é possível evidenciar a existência de falha nos serviços prestados pela empresa ré, ou de ocorrência de fortuito interno, pois em primeiro momento, a instituição resguardou o direito de sua cliente, confiando apenas em sua palavra, mas depois acatou as justificativas da outra parte da relação negocial (Furacão).XI. No evento nº 1, arquivo 4, a recorrente juntou cópia do RAI nº 16210895, registrado no dia 1º de setembro de 2020, que: ?No dia 19 de Março de 2020, em torno de 11 horas da manhã, um representante da empresa Furacão Equipamentos veio até a minha residência oferecer câmeras de vigilância e um DVR instalados. Entretanto, depois que o contrato foi assinado é o pagamento foi realizado, o equipamento que ele ofereceu instalar não condizia com o que ele havia descrito. Quando pedimos para fazer o cancelamento da compra, o vendedor falou que iria pegar algum documento no carro e saiu, sem deixar uma cópia do contrato conosco, ou qualquer contato. Tentamos cancelar a compra apenas uma hora depois pela operadora do cartão, mas eles alegaram que a Furacão Equipamentos falou que nós recebemos os equipamentos, o que não é verdade. Estou fazendo esse boletim por quê a Furacão Equipamentos não me entregou os equipamentos que haviam prometido, não deixaram nenhum contato ou cópia do contrato e não me deixam cancelar a compra, tentado ficar com o dinheiro, agindo de má fé. Faço esse boletim para que possa tentar impedir o pagamento indevido, e que mais pessoas sofram do mesmo problema.? (grifei) XII. Sobre as afirmações da recorrente de que não faria imputações tão graves se os fatos não tivessem ocorrido na exata maneira descrita, assevero que não há aqui nenhum tipo de questionamento acerca da veracidade ou não dos motivos defendidos pela recorrente, mas a grande questão é que a transação foi confirmada com uso do cartão com chip, digitação de senha pessoal, corroborada por documento assinado, confirmando a transação, sem que tenha havido imediata apresentação do boletim de ocorrência a estabelecer dúvidas do negócio. A transação impugnada foi feita no dia 19 de março de 2020 e o RAI registrado no dia 1º de setembro de 2020, fato bem notado pelo juiz singular. Dito isso, não alheio ao lamentável fato narrado pela autora, não encontro justo motivo para penalizar a instituição financeira por um dano para o qual não concorreu, ainda que tenha havido um pedido de cancelamento. A simples impugnação da consumidora, ainda mais com tantas evidências da licitude do negócio, sem ao menos um boletim de ocorrência feito de imediato, não são suficientes para ilidir um negócio jurídico validamente ocorrido, de forma que entendo que a recorrida agiu com acerto ao tornar exigível o débito. Devo dizer, que aqui não se extirpa o direito da autora, que poderá, eventualmente, pleitear os direitos que imagina ter, demandando contra a empresa que teria lhe aplicado um golpe. XIII. A situação ora apresentada trata-se de hipótese de fortuito externo, que é causa excludente da responsabilidade, nos termos do que dispõe o § 3º do artigo 14 do Código Consumerista. Veja-se: ?Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (?) § 3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro? (grifei). No caso em apreço, restou claro a configuração do fortuito externo, tendo em vista que o fato não guarda nenhuma relação de causalidade com a atividade desenvolvida pela empresa recorrida. Assim, o fortuito externo é alheio ou estranho ao processo de elaboração do produto ou execução do serviço, excluindo a responsabilidade civil.XIV. Embora a recorrente alegue que foi vítima de um golpe, não pode a ré ser penalizada por um descuido da consumidora de realizar um pagamento antecipado nas mãos de um estranho, deixar que ele saísse do local com o documento da transação e ainda registrar a ocorrência tão tardiamente. Se a recorrente tivesse primeiro exigido a instalação do sistema de monitoração ou no mínimo conferido o produto para depois pagar, muito provavelmente o desfecho seria diferente. Por esses motivos, eventual desacordo comercial ou fraude, deverá ser melhor analisada em autos próprios, tendo no polo passivo a parte que em tese teria aplicado o golpe.XV. Demonstrados o fortuito externo e o fato exclusivo de terceiros, ou seja, fatos que não se ligam à própria atividade da empresa ré. O fortuito externo é causa de extinção da relação causal, sendo assim ausente o dever de indenizar já que falta o nexo causal entre a conduta e o dano para se aferir a responsabilização do agente.XVI. RECURSO DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.XVII. Condeno a recorrente vencida no pagamento das custas processuais e honorários sucumbenciais, que ora fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 55 da Lei n. 9.099 /95. Fica suspensa a cobrança, nos termos do art. 98 , § 3º , do CPC .