E M E N T A PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO VEÍCULO E CARGA DOS CORREIOS. ART. 157 , CAPUT E § 2º , INCISOS II E V , DO CÓDIGO PENAL . CONCURSO DE AGENTES E RESTRIÇÃO DA LIBERDADE DA VÍTIMA. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA SUFICIENTEMENTE COMPROVADAS. DELITO DO ART. 148 DO CÓDIGO PENAL . NÃO OCORRÊNCIA. A PRIVAÇÃO DE LIBERDADE DA VÍTIMA TINHA POR FIM GARANTIR O ÊXITO DO CRIME. DOSIMETRIA. REDUÇÃO DA PENA-BASE. RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO (ART. 65 , III , D, DO CÓDIGO PENAL ). AGRAVANTE GENÉRICA DO ART. 61 , II , J, DO CÓDIGO PENAL . CALAMIDADE PÚBLICA. CRIME COMETIDO DURANTE A PANDEMIA. NÃO APLICAÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVA DO NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A CONDUTA E A SITUAÇÃO PANDÊMICA. AUMENTO DA FRAÇÃO PELA RESTRIÇÃO DA LIBERDADE DA VÍTIMA. CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DO § 2º , INCISO V , DO ART. 157 DO CÓDIGO PENAL . REDUÇÃO, DE OFÍCIO, DA PENA DE MULTA. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR. EFEITO DA CONDENAÇÃO. ART. 92 , inc. III , DO CÓDIGO PENAL . 1. CARLOS ANDRÉ PEREIRA foi denunciado como incurso no delito do art. 157 , caput e § 2º , incisos II e V , do Código Penal , porque, em 07/04/2021, em comunhão e unidade de desígnios com dois indivíduos desconhecidos, subtraiu para proveito comum, mediante grave ameaça exercida mediante simulação do uso de arma de fogo, o veículo FIAT/DUCATO, placa FRY9F14, de propriedade dos Correios, bem como as correspondências que estavam no interior do mencionado automóvel. 2. Presentes os requisitos para manutenção da segregação cautelar do apelante, para garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal (art. 312 do Código de Processo Penal ), uma vez que o réu incorreu na prática do delito de roubo em companhia de outras duas pessoas, de forma previamente planejada, tendo restringido a liberdade da vítima por tempo superior ao necessário à consumação delitiva. 3. Requereu o Ministério Público Federal o reconhecimento da restrição da liberdade da vítima como delito autônomo (art. 148 do Código Penal ). Sem razão. A privação da liberdade da vítima, no presente caso, ocorreu para assegurar o produto da subtração. 4. Do delito do art. 157 , caput e § 2º , incisos II e V , do Código Penal . Materialidade suficientemente comprovada pelos seguintes documentos: auto de prisão em flagrante 2021.0025895-SR/PF/SP, termo de apreensão nº 1490349/2021, termo de restituição nº 1490579/2021. 5. A autoria não foi objeto do recurso da defesa e está comprovada tanto pelas provas documentais quanto pela prova oral colhida nas fases investigativa e judicial, pois o réu foi preso em flagrante na posse da res furtiva e, em Juízo, confessou a prática criminosa. Não obstante tenha dito que não participou ativamente da abordagem à vítima, confirmou estar presente no momento dessa abordagem e que ficou na posse do veículo DUCATI dos Correios e, em consequência das encomendas e correspondências que havia nele. 6. Dosimetria. Em observância ao art. 59 do Código Penal , os motivos e consequências do delito são normais a espécie. Não há que falar-se em comportamento da vítima. Não há elementos suficientes para julgar a personalidade do acusado. Isso porque essa circunstância deve avaliar características psicológicas do acusado, reveladas por meio de seu comportamento moral e pela maneira como se porta em sociedade, e não unicamente em decorrência de seu histórico criminal. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o vetor dos antecedentes é o que se refere única e exclusivamente ao histórico criminal do agente (STJ - REsp: XXXXX DF XXXXX/XXXXX-1, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 23/06/2021, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 01/07/2021). 7. O réu é tecnicamente primário, não havendo em seu desfavor sentenças condenatórias transitadas em julgado. Ações e investigações criminais em curso não servem de supedâneo para agravar a pena-base (Súmula 444 do STJ). 8. O Magistrado de primeira instância considerou como negativas as circunstâncias judiciais “culpabilidade” e “circunstâncias do crime” pelo mesmo fato: a roupa da vítima ter sido removida durante a prática do delito, incorrendo em bis in idem. 9. A culpabilidade é merecedora de maior reprovabilidade, diante do constrangimento a qual a vítima foi exposta ao ser obrigada a permanecer, por conduta do réu, sem camisa durante toda a prática criminosa e ter sido, nessas condições, abandonado em outro município. 10. Pena-base reduzida para 05 (cinco) anos e 03 (três) meses, pois suficiente a repreensão e prevenção do delito. 11. A incidência da circunstância agravante da calamidade pública, prevista no artigo 61 , inciso II , alínea j do Código Penal , como qualquer outra, exige demonstração concreta de que o agente se valeu do contexto da pandemia da Covid-19 para a prática do crime. Não havendo nexo de causalidade entre a situação de pandemia e a conduta perpetrada, não há que falar-se em incidência da supramencionada agravante. 12. O réu confessou que participou da empreitada criminosa na companhia de dois outros indivíduos. Não obstante tenha alegado que apenas dirigiu o veículo dos Correios, confirmou que estava presente no momento da abordagem da vítima, oportunidade na qual desceu do veículo FIAT UNO e entrou no veículo dos Correios, o qual conduziu até a rua na qual veio a ser preso em flagrante. Sua confirmação parcial da imputação feita na denúncia serviu de supedâneo pelo Magistrado para fundamentar a decisão do Juízo de condenar o acusado e é assente na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que se a confissão, ainda que parcial, serviu de suporte para a condenação, ela deverá ser utilizada como atenuante (art. 65 , III , d , do CP ) no momento de dosimetria da pena ( HC XXXXX/SP , Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 25/06/2013). 13. Tal como decorreu a ação delitiva, a vítima foi mantida em poder dos assaltantes, no interior do veículo FIAT UNO, não somente durante a execução de subtração do veículo dos Correios, como durante todo o deslocamento até o Município de Mauá, trajeto que durou mais de uma hora. Durante todo esse tempo foi constantemente ameaçado pelos dois indivíduos que estavam no FIAT UNO, no qual foi confinado. Há que se considerar que a ação se revestiu de gravidade acentuada ante a desnecessidade de que a vítima tivesse sua liberdade restringida para que o delito se consumasse. Menos necessidade havia, ainda, de mantê-la confinada por período superior ao necessário à mera subtração dos bens ou que, no momento de devolvê-la à liberdade, a abandonasse em Município diversos daquele no qual ocorreu a prática criminal. 14. Aumento da fração para 1/2 (metade) pela causa de aumento do § 2º , inciso V , do art. 157 do Código Penal , restando a pena definitiva do acusado fixada em 06 (seis) anos, 06 (seis) meses e 22 (vinte e dois) dias de reclusão. 15. Fixado o regime semiaberto para cumprimento inicial da pena, nos termos do art. 33 , § 2º , alínea b, do Código Penal . 16. Reduzida, de ofício, a pena de multa para 15 (quinze) dias-multa, mantido o valor unitário do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos. 17. O réu se serviu de sua habilitação para conduzir o veículo o veículo FIAT/DUCATO, placa FRY9F14, de propriedade dos Correios, que havia sido subtraído por ele e seus comparsas. Foi o réu o responsável por conduzir o veículo, junto com as correspondências que estavam no interior do mencionado automóvel, do local do crime até a rua onde veio a ser preso em flagrante, descarregando o veículo. Assim, em razão da prática de crime doloso mediante a utilização de veículo automotor pelo acusado, é cabível a aplicação do efeito da condenação previsto no artigo 92 , inc. III , do Código Penal , consistente na inabilitação para dirigir veículo. 18. Apelação do MPF parcialmente provida. 19. Dado parcial provimento ao apelo defensivo.