JUIZADO ESPECIAL CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL. CANCELAMENTO DE VOO. PACOTE TURÍSTICO ADQUIRIDO POR MEIO DE AGÊNCIA DE VIAGEM. ILEGITIMIDADE PASSIVA. REJEITADA. PERDA DE PACOTE TURÍSTICO ADQUIRIDO PARA GOZO DE LUA-DE-MEL. DANO MORAL INDENIZÁVEL. QUANTUM. REDUÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Acórdão lavrado de acordo com a disposição inserta nos artigos 2º e 46 , da Lei 9.099 , de 26.09.1995 e artigo 60, §§ 1º e 2º, do Regimento Interno das Turmas Recursais. Presentes os pressupostos específicos, conheço do recurso. 2. A primeira ré, ora primeira recorrente, e a segunda ré, ora segunda recorrente, interpuseram, em peças distintas, Recurso Inominado em face da sentença proferida pelo 6º Juizados Especial Cível de Brasília, que julgou extintos sem resolução de mérito os pedidos de apresentação de gravação (Lei 9099 /95, art. 51 , II , c/c 485 , IV , do CPC ) e cumprimento de proposta de reembolso (art. 485 , VI , do CPC ), bem como, julgou parcialmente procedentes o pedido de condenação das recorrentes, solidariamente, a reparar os danos morais sofridos, arbitrados em R$ 7000,00 (sete mil reais) para cada recorrido, pela perda de viagem em pacote turístico para gozo de lua-de-mel, em razão do cancelamento de voo sem que fosse prestadas as informações de forma regular. 3. Em preliminar, a primeira recorrente alega ilegitimidade passiva, ao argumento de que a falha na prestação do serviço decorre de conduta da intermediária, por ausência de informação adequada quanto ao cancelamento. No mérito, defende ausência de conduta, não sendo responsável pelo dano moral arbitrado, haja vista que o cancelamento do voo foi em decorrência da pandemia, ou seja, fato necessário, cujos efeitos não eram possíveis de evitar ou impedir, caracterizando motivo de força maior. Defende a tese fática de que todas as informações sobre alteração e da possibilidade de remarcação do voo foram encaminhadas à intermediadora da compra, cabendo a este o repasse de tais informações, ao recorrido em tempo hábil. Esclarece que tem em seus sistemas apenas os dados do comprador (intermediária - agência de viagens) e, por essa razão, mesmo que quisesse não poderia tentar resolver a situação com o passageiro, ou seja, a ora primeira recorrente não ensejou dano algum aos passageiros. Por fim, defende a redução do quantum indenizatório, em caso de manutenção da sentença. 4. A segunda recorrente, por sua vez, defende a ilegitimidade passiva ad causam, argumentando que não responde pelo cancelamento de voos por ser mera intermediadora de venda de bilhetes. No mérito, defende que o cancelamento do voo se deu por caso fortuito ou força maior, em razão da pandemia do COVID-19, inexistindo dano moral indenizável, na forma da Lei nº 14.046 /2020. 5. Os recorridos não apresentaram contrarrazões aos recursos opostos pelas recorrentes. 6. A discussão sobre a responsabilidade solidária entre a agência intermediadora e a companhia aérea no descumprimento do contrato é matéria que diz respeito ao mérito. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem afastado a solidariedade entre a agência de turismo e a companhia aérea quando o negócio se limite à venda de passagem (e não de pacote turístico) e o dano decorra de ato exclusivo da transportadora, como no caso de atraso ou cancelamento de voo ( AgRg no REsp XXXXX/CE , Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, julgado em 09/12/2014). Todavia, a hipótese dos autos evidencia a aquisição de pacote turístico que incluía voo de Brasília à Buenos Aires, hospedagem e translado ente o aeroporto de Buenos Aires e o hotel de hospedagem, conforme comprovante de ID XXXXX, adquirido da segunda recorrente. De igual forma, a primeira recorrente deu causa à ação, em razão do incontroverso cancelamento de voo. Portanto, em razão da relação jurídica material hipoteticamente deduzida na petição inicial, em observância à teoria da asserção, às recorrentes são legitimas para responder aos pedidos formulados pelos recorridos. Preliminar rejeitada. 7. A relação jurídica estabelecida entre as partes é de natureza consumerista, porquanto não se trata de voo internacional, mas de aquisição de pacote turístico, devendo a controvérsia ser solucionada sob a ótica do sistema jurídico autônomo instituído pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078 /1990). 8. Concebe-se da petição inicial, em síntese, que os recorridos adquiriram um pacote de viagem, junto a segunda recorrente, com destino a cidade de Buenos Aires/Argentina. Os pacotes compreendiam passagem aérea de ida e volta saindo de Brasília/DF, sendo a ida no dia 16/12/2020 e volta no dia 22/12/2020, hospedagem no período mencionado e translado do aeroporto para o hotel e vice-versa (ID XXXXX), para gozo de lua-de-mel, decorrente do casamento, cuja certidão consta ao ID XXXXX. O voo foi confirmado dia 11/12/2020, com pequena alteração de horário, conforme documento de ID XXXXX. Porém, próximo a data da viagem os recorridos foram surpreendidos com a notícia de que seu voo havia sido cancelado, ao tentarem fazer a marcação dos assentos. Após várias tentativas, não foi possível remarcar as passagens. 9. Conforme afirmado pelas partes a pandemia da Covid 19 afetou o contrato firmado, de modo a inviabilizar o seu cumprimento, em razão de contingências do setor de turismo. O fato caracteriza-se como força maior, cujo efeito não era possível evitar ou impedir, o qual isenta ambas as partes de responsabilidade (art. 393 , do CC ) pelo rompimento do contrato. 10. Dessa forma, entendo que o contrato se resolve sem multa ou indenização, devendo as partes retornar ao estado anterior, extinguindo-se a obrigação da companhia de realizar o transporte, bem como a obrigação do passageiro de pagar pelo bilhete, o que implica na restituição integral dos valores pagos. É irrelevante se a iniciativa de resolução do contrato partiu do passageiro ou da transportadora. A causa determinante se sobrepõe a ambos. 11. O reembolso do valor pago pelo passageiro é decorrência da extinção da obrigação em razão da incidência de força maior, contudo, considerando-se a redação do art. 2º , § 6º , da Lei n. 14.046 /20, a restituição não deve ocorrer de imediato, mas até 31 de dezembro de 2022, data limite para o cumprimento da obrigação. Forte nessas razões, entendo que a sentença não merece reparos neste tópico, visto que está de acordo com os ditames legais. 12. A situação vivenciada pelos recorridos, tendo sua viagem de lua-de-mel cancelada em data próxima à cerimônia de casamento, com tudo programado e organizado com familiares e amigos, viola seus direitos de personalidade, ante a frustração e angústia causados, configurando o dano moral, em especial pela falta de zelo demonstrada pela recorrente em desfavor do recorrido. Notadamente, na hipótese dos autos, que as recorrentes sequer informaram aos recorridos sobre o cancelamento, os quais souberam de tal conduta ao tentarem marcar os assentos, próximo ao check-in. Conquanto haja rompimento do nexo causal para eventual indenização por lucros cessantes e perdas e danos, no que tange a responsabilidade patrimonial, havendo tão somente o dever de retorno ao status quo ante, com devolução dos valores pagos, o descumprimento do dever de informação tempestiva e adequada quanto ao cancelamento gera dano moral, notadamente no caso dos autos em que os nubentes, próximo ao casamento, souberam do cancelamento do voo por iniciativa própria, ao tentarem realizar o check-in. O transtorno gerado não é pelo simples cancelamento, mas pela ausência de informação, situação agravada pela expectativa de viagem de lua-de-mel. 13. Todavia, para a fixação do valor da indenização, observam-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, a situação do ofendido, a capacidade econômica das partes, o dano e sua extensão, sem que se descure da vedação ao enriquecimento sem causa, e considerando a situação de lua-de-mel e precedentes que fixaram o quantum indenizatório próximo a R$ 5.000,00, nesse particular, cito: Acórdão XXXXX, XXXXX20218070020 , Relator: FERNANDO ANTONIO TAVERNARD LIMA, Terceira Turma Recursal, data de julgamento: 6/4/2022, publicado no PJe: 8/4/2022 e FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA, TERCEIRA TURMA RECURSAL, data de julgamento: 5/7/2016, publicado no DJE: 11/7/2016, reduzo o valor fixado, de R$ 7.000,00, para R$ 5.000,00 para cada recorrido, que se afigura adequado. 14. Na hipótese, entendo que não deve ser aplicada isoladamente a Lei nº 14.046 /20, vistos que outros serviços deveriam também ser prestados pela recorrente fazendo incidir também a inteligência do art. 5º , V e X , Constituição Federal C/C art. 6º , VI do Código de Defesa do Consumidor . 15. CONHEÇO DOS RECURSOS E LHES DOU PARCIAL PROVIMENTO. PRELIMINAR REJEITADA. Sentença reformada para reduzir o quantum fixado a título de danos morais de R$ 7.000,00, para R$ 5.000,00 para cada recorrido. 16. Sem custas e honorários advocatícios (Art. 55 , da Lei nº 9.099 , de 26.09.1995).