Tribunal de Justiça do Estado da Bahia PODER JUDICIÁRIO QUINTA TURMA RECURSAL - PROJUDI PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br - Tel.: 71 3372-7460 RECURSO INOMINADO. JUIZADOS ESPECIAIS. DECISÃO MONOCRÁTICA (ART. 15, XII, DO REGIMENTO INTERNO DAS TURMAS RECURSAIS E ART. 932 DO CPC ) DEFESA DO CONSUMIDOR. COMPRA DE PRODUTO QUE FOI ENTREGUE INCOMPLETO. FALTA DE PROVAS CAPAZES DE LEGITIMAR A EXCLUSÃO DO EVENTO DANOSO DO ÂMBITO DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR. ILICITUDE CONFIGURADA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO DA PARTE AUTORA PARA CONDENAR A RÉ NO DEVER DE RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO, BEM COMO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO PELOS DANOS MORAIS, CONFIGURADOS NA HIPÓTESE. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de ação indenizatória proposta em face da AMERICANAS S A. Na peça inaugural, alega a demandante que adquiriu junto a Ré, no dia 29 de novembro de 2021, uma Cozinha Compacta 4 Peças Dama Demobile, no valor de R$ 518,32 (Quinhentos e dezoito reais e trinta e dois centavos). No entanto, além da compra chegar em atraso, visto a data estipulada pela própria Ré (dia 14 de janeiro de 2021) a compra em questão também chegou incompleta com a ausência de algumas peças. Sendo assim, a autora entrou em contato com a Ré diversas vezes na intenção de solucionar o transtorno, sem êxito. Em suma, sustenta que a entrega completa do produto que deveria ter acontecido no dia 14 de janeiro de 2022, ainda não aconteceu. Pelo exposto, requer a restituição do valor pago pelo produto e indenização por danos morais. Devidamente citada, a parte ré apresentou contestação ao argumento de que atua como plataforma de Marketplace, logo, não participou da relação comercial, posto que o produto é vendido por terceiros. Sustenta que não possui o produto em estoque, portanto não recebeu os valores da contraprestação, o que não pode ser condenado a efetuar a entrega do produto. Ressalta que a responsabilidade pela entrega é de Empresa Terceira, não havendo que se falar em Danos cometidos pela Ré. O juízo a quo julgou a demanda nos seguintes termos do dispositivo (sic): Assim, ante o exposto e tudo mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE a queixa prestada por ELDER PARAISO DE SANTANA contra AMERICANAS S/A. Sem custas e sem honorários nessa fase processual, por força da Lei nº. 9.099 /95. Inconformada com a sentença de origem, a parte Autora interpôs recurso inominado. É o breve relatório. DECIDO O art. 15 do novo Regimento Interno das Turmas Recursais (Resolução nº 02/2021 do TJ BA), em seu inciso XII, estabelece a competência do relator para julgar monocraticamente as matérias em que já estiver sedimentado entendimento pelo colegiado ou já com uniformização de jurisprudência, em consonância com o permissivo do artigo 932 do Código de Processo Civil . Conheço do recurso interposto, porquanto preenchidos os seus pressupostos de admissibilidade. Passemos ao mérito. Analisados os autos, observa-se que a matéria de se encontra sedimentada no âmbito da 5ª Turma Recursal. Precedentes desta turma: Processos: XXXXX-77.2020.8.05.0001 ; XXXXX-26.2020.8.05.0001 . O entendimento esposado pelo Juízo a quo merece, data máxima venia, reparos. Inicialmente, diante dos novos conceitos tecnológicos, que trazem consigo uma certa dificuldade de compreensão, antes de adentrar no mérito da demanda, mostra-se necessário esclarecer a definição de marketplace. Marketplaces são modelos de negócio mais rentáveis, passando a ideia de um espaço livre onde compradores e vendedores podem fazer negócios. Na prática, o modelo de marketplace funciona como um shopping virtual. Nesse tipo de negócio, há vários vendedores ou empresas diferentes oferecendo seus produtos ou serviços na plataforma. Normalmente, o dono do marketplace cobra uma comissão em cima das vendas ou uma mensalidade dos vendedores. Em contrapartida, o administrador do shopping online cuida do marketing e da visibilidade da plataforma. Por assim ser, importante ressaltar a responsabilidade da ré, vez que a sua presença na cadeia de fornecedores mostra-se patente. Nesse sentido: RECURSO INOMINADO. E-COMMERCE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. AFASTAMENTO. COMPRA DE APARELHO CELULAR VIA PLATAFORMA DE VENDAS NA INTERNET (MARKETPLACE). RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. MÉRITO RECURSAL. NÃO ENTREGA DO PRODUTO ADQUIRIDO. DESCASO COM A CONSUMIDORA. AUSÊNCIA DE QUALQUER SOLUÇÃO PARA O PROBLEMA. RESSARCIMENTO DO VALOR DA COMPRA DEVIDO. DANO MORAL CONFIGURADO. APLICAÇÃO DO ENUNCIADO 8.3 DAS TURMAS RECURSAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO DE R$ 3.000,00 (TRÊS MIL REAIS). VALOR ADEQUADO ÀS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR - 3ª Turma Recursal - XXXXX-34.2020.8.16.0176 - Wenceslau Braz - Rel.: JUIZ DE DIREITO DA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS JUAN DANIEL PEREIRA SOBREIRO - J. 10.12.2021) (TJ-PR - RI: XXXXX20208160176 Wenceslau Braz XXXXX-34.2020.8.16.0176 (Acórdão), Relator: Juan Daniel Pereira Sobreiro, Data de Julgamento: 10/12/2021, 3ª Turma Recursal, Data de Publicação: 13/12/2021) No mérito, restou demonstrado nos autos, a falta de entrega do produto completo. Com efeito, tem-se que a relação travada entre as partes é de natureza consumerista, aplicando-se, portanto, as regras do CDC , (Lei nº 8.078 /90). No caso em tela, pertinente se faz a inversão do ônus probatório, nos termos do art. 6º , VIII do CDC , porquanto presentes a verossimilhança da alegação contida na peça inicial e a hipossuficiência técnica da parte autora. Desta forma, caberia a acionada comprovar, através da juntada de documentos claros e elucidativos, que o produto foi devidamente entregue, ou que, ao menos houve a devolução do valor. A Requerida, no entanto, não logrou êxito em demonstrar a licitude de suas ações. Diante de tais fatos, inegável o direito da parte Autora a indenização pelos danos morais diante da má prestação do serviço por parte da Demandada que não devolveu o valor da compra. Encontrando previsão no sistema geral de proteção ao consumidor inserto no art. 6º , inciso VI , do CDC , com recepção no art. 5º , inciso X , da Constituição Federal , e repercussão no art. 186 , do Código Civil , o dano eminentemente moral, sem consequência patrimonial, não há como ser provado, nem se investiga a respeito do animus do ofensor. Consistindo em lesão de bem personalíssimo, de caráter subjetivo, satisfaz-se a ordem jurídica com a demonstração do fato que o ensejou. Ele existe simplesmente pela conduta ofensiva, sendo dela presumido, tornando prescindível a demonstração do prejuízo concreto. Com isso, uma vez constatada a conduta lesiva e definida objetivamente pelo julgador, pela experiência comum, a repercussão negativa na esfera do lesado, surge à obrigação de reparar o dano moral. Na situação em exame, a parte recorrida não precisava fazer prova da ocorrência efetiva dos danos morais relacionados aos fatos informados. Os danos dessa natureza se presumem pelo descaso em solucionar o problema, levando a frustração da aquisição do produto, não havendo como negar que ela se desgastou emocionalmente, sofrendo frustração pela compra, angústia e aborrecimento na busca de uma solução, tendo a esfera íntima agredida ante a atividade negligente da Recorrente, com grande desgaste emocional ao tentar receber o bem que pagou, sem êxito, necessitando da intervenção judicial para obter solução. Neste diapasão, infere-se que a ré em questão agiu de forma negligente, omitindo-se no que se refere ao dever de prestar um serviço eficaz e solucionar o impasse narrado pela Recorrente. Logo, tem a demandante o direito de pleitear e obter a compensação pecuniária pelos danos causados aos seus direitos subjetivos. É certo que referida indenização não deve ser objeto de enriquecimento da parte que busca reparação do dano moral, de modo que deve ser fixada em valor que atenda aos critérios da proporcionalidade e razoabilidade. Portanto, no caso em tela, fixo o quantum indenizatório no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), a fim de observar os princípios supramencionados. Quanto ao pedido de restituição do valor pago, faz jus o recorrente, na medida em que o produto (cozinha completa) foi entregue de forma incompleta, faltando o balcão (quatro portas e 1 gaveta). Todavia, impõe-se ao consumidor o dever de devolução do produto, a fim de evitar o enriquecimento sem causa. Assim sendo, ante ao exposto, voto no sentido de CONHECER e DAR PROVIMENTO PARCIAL ao recurso interposto pelo Recorrente para CONDENAR a ré ao pagamento da importância de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), a título de compensação pelos danos morais suportados pela autora, com correção monetária a partir desta decisão monocrática, momento que se deu a condenação, e juros legais, incidentes a partir da citação; bem como CONDENAR a acionada a promover a restituição do valor de R$ 518,32 (Quinhentos e dezoito reais e trinta e dois centavos). Fica a parte autora obrigada a proceder à devolução do produto por se tratar, inclusive, de consectário lógico, face à condenação da parte ré em proceder à devolução do valor pago para aquisição do bem, evitando-se por conseguinte o enriquecimento ilícito da parte autora. Sem custas e honorários, em razão do resultado. Salvador, data registrada no sistema. ANA CONCEIÇÃO BARBUDA FERREIRA Juíza Relatora em substituição