STJ - RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS: RHC XXXXX PA XXXX/XXXXX-1
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. 1. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE PRESENTE. 2. FURTO DE COMBUSTÍVEL E REVENDA. CRIME TRIBUTÁRIO. NÃO EMISSÃO DE NOTA. CONTRADIÇÃO. 3. LAVAGEM DE CAPITAIS. DOLO DE OCULTAÇÃO. AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO. 4. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. VÍNCULO SUBJETIVO ENTRE OS DENUNCIADOS. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. 5. PRÁTICA EM TESE DE CRIMES. POSSIBILIDADE EM REGRA DE EMENDATIO. NARRATIVA INCOMPLETA. SUBSUNÇÃO CONTROVERSA. HOMENAGEM AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. INÉPCIA DA PEÇA VESTIBULAR. 6. RECURSO EM HABEAS CORPUS PROVIDO, PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL. 1. O trancamento da ação penal na via estreita do habeas corpus somente é possível, em caráter excepcional, quando se comprovar, de plano, a inépcia da denúncia, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito. 2. Da leitura da denúncia, verifico que a empreitada delitiva tem início com a subtração de combustível, com abuso de confiança, realizada por Orlando Martins Barbosa. Em um segundo momento, tem-se a venda do combustível subtraído, sem nota fiscal, para três empresas, cujos representantes tinham conhecimento da ilegalidade. De plano, observo que há incompatibilidade na denúncia ao imputar o crime de furto de combustível em conjunto com os crimes tributários, consistentes na falta de faturamento e de emissão de nota fiscal referente à res furtiva. De fato, ou houve o furto e a receptação do combustível ou houve sua venda com violação às normas tributárias, sendo que os três compradores supostamente tinham condições de verificar a irregularidade da compra. 3. Igualmente, não é possível aferir em que momento houve o crime de lavagem de dinheiro, porquanto a narrativa se refere à subtração de combustível ou mesmo à sonegação de tributo referente ao combustível, sem que se tenha narrado de que forma os denunciados estariam tentando camuflar a origem dos valores provenientes das referidas infrações penais. A inicial acusatória não narra sequer a primeira fase do crime de lavagem, mas apenas a subtração do combustível por um dos denunciados, com sua venda aos outros três denunciados. Note-se que o combustível é o próprio objeto do delito de furto e de receptação, não havendo descrição de eventual tentativa de dissimular a origem dos valores obtidos com mencionados delitos. Assim, diante da ausência de narrativa do "elemento subjetivo consistente na peculiar finalidade do agente de, praticando tais ações, atingir o propósito de ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de quaisquer dos crimes indicados na norma incriminadora", encontra-se deficientemente imputado o crime de lavagem de dinheiro trazido na denúncia. 4. No que concerne à imputação do delito de associação criminosa, previsto no art. 288 do Código Penal , verifico que não basta apontar a prática de crimes por 3 (três) ou mais pessoas para configurar o delito, porquanto indispensável o dolo de associação, com demonstração de vínculo subjetivo e permanente entre os associados, pela vontade consciente de cometerem delitos. Dessarte, deve ficar clara, já na denúncia, a vontade consciente de o acusado integrar-se, de forma estável e permanente, aos demais sujeitos ativos para a prática de delitos. Contudo, pela leitura da denúncia, não é possível verificar a existência de vínculo, ainda que mínimo, entre os compradores do combustível furtado. Note-se que o fato de o denunciado Orlando vender o combustível para três compradores distintos não é circunstância apta a revelar a existência de liame subjetivo entre todos eles, mas apenas entre Orlando e cada um destes. Dessa forma, a exordial deixa de narrar a efetiva associação de no mínimo 3 (três) pessoas, o que torna inepta a denúncia também quanto ao crime de associação criminosa. 5. Não obstante a inicial trazer fatos que revelam, em tese, a prática de crimes pelos denunciados, tem-se que é manifesta a deficiência da peça acusatória, haja vista a narrativa incompleta e a subsunção controversa dos fatos. Assim, embora em regra seja possível a correção da adequação típica por ocasião da prolação da sentença, é indispensável que os fatos estejam devidamente concatenados na inicial acusatória, sob pena de violação ao princípio constitucional da ampla defesa. 6. Recurso em habeas corpus a que se dá provimento, para trancar a Ação Penal n. XXXXX-75.2016.8.14.0401 , com relação a todos os crimes imputados ao recorrente, com extensão da ordem aos corréus, nos termos do art. 580 do Código de Processo Penal , sem prejuízo de que outra denúncia seja oferecida, em observância ao art. 41 do Código de Processo Penal .