JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ASSESSORIA E INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA PARA OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. PROPAGANDA ENGANOSA. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ. ABUSIVIDADE. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. ARTIGOS 46 e 51 , IV , § 1º , III , DO CDC . NULIDADE E RESCISÃO CONTRATUAL. RESTITUIÇÃO DE VALORES DEVIDA. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. 1. Trata-se de relação de consumo que deve ser dirimida a luz da legislação consumerista. Com efeito, nos termos do art. 6º , inciso III , do CDC , cabe ao fornecedor o dever de informar o consumidor sobre as especificações do serviço prestado de forma clara e adequada. 2. Nas obrigações de meio, assim consideradas aquelas em que o contratado se obriga a empregar o seu conhecimento, diligência e meios técnicos para alcançar o resultado esperado pelo contratante, o contratado não responde pelo resultado contratado mas pelo efetivo emprego dos meios. 3. Todavia, o consumidor não precisa de auxílio para pedir crédito em qualquer instituição financeira quando pretenda obter financiamento. Neste caso, o simples envio do cadastro e dos documentos à instituição financeira, assim como a emissão de um boleto ou o processamento de um cheque, faz parte da rotina de pagamentos dos serviços de venda de veículo, cuja aquisição era a única intenção do consumidor.Na hipótese, as partes pactuaram prestação de serviço de assessoria e intermediação para obtenção de financiamento (linhas de crédito) e atualização de dados cadastrais, conforme contrato de Id 26.947.052. 4. As provas demonstram que o consumidor foi atraído e induzido por propaganda enganosa e falsas promessas antes da celebração do contrato. Neste sentido, o aúdio Id. 26.947.664 juntado pelo autor e o aúdio Id. 26.947.652(à partir de 02:10 min.), juntado pela empresa ré, demonstram que o autor procurou a empresa atraído pelo anúncio de venda de uma motocicleta no site OLX, sendo então contactado pelo (s) preposto (s) da ré(Sra. Jéssika Monteiro) que então o compeliu a contratar o serviço de assessoria financeira para aquisição da motocicleta. Na ocasião, acreditou o autor que o valor de R$ 1.500,00 cobrado seria a entrada do financiamento relativo a compra da motocicleta NXR 150 Bros, ano 2014, no valor R$ 6.000,00(seis mil reais), que não obstante ter sido anunciada pela ré, sequer estava a venda. 5. Contudo, à luz do CDC a relação contratual esteve, desde o início, eivada de condutas abusivas que, em conjunto, justificam a rescisão contratual requerida ( CDC , art. 51 , IV , XV e § 2º). 6. Para tanto, não obstante o contrato assinado não caracterizar o pagamento da entrada para a aquisição do veículo desejado, tampouco a promessa de aprovação de crédito, as provas nos autos demonstram que o consumidor foi induzido por falsas promessas antes da celebração do referido contrato. 7. Assim, a publicidade ofertada à parte autora sugeria a realização do contrato para a aquisição de veículo (motocicleta), não sendo razoável que uma empresa que afirma atuar na área de consultoria financeira publique anúncios de venda de veículos como forma de atrair o consumidor, de modo enganoso, para firmar o contrato de assessoramento para assistência ao crédito, quando o consumidor acredita estar realizando a aquisição da motocicleta almejada. 8. Ademais, embora não esteja a empresa contratada obrigada à obtenção do financiamento e a venda do veículo - considerando os termos do contrato, é necessária a comprovação de que ela tenha empregado todas as diligências necessárias à obtenção do resultado formalmente contratado, sob pena de considerar-se inadimplente no cumprimento da obrigação contratual formal assumida. 9. Neste contexto, verifico que a ré não comprovou ter cumprido de forma satisfatória as suas obrigações contratuais. Os parcos documentos juntados aos autos (Id. 26.947.648 e Id. 26.947.649), dentre os quais alguns dados e fichas cadastrais do autor e uma consulta de dados cadastrais no CDL, são insuficientes para demonstrar o necessário assessoramento pactuado entre as partes para obtenção de eventual financiamento bancário, cuja tentativa de concessão de crédito sequer foi comprovada pela empresa contratada. 10. Com efeito, resta nula a cobrança por serviços inerentes à operação de venda mediante a aprovação de crédito, pois mostra-se abusivo o contrato firmado entre as partes, nos termos dos artigos 46 e 51 , IV , § 1º , III do CDC , de acordo com o qual, são nulas de pleno direito, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade, incidindo ainda na proibição do art. 39 , IV , do CDC . 11. Cito precedente do Col. STJ: ( REsp 1.321.655-MG , Caso: Luiz Claúdio Teixeira Generoso versus Teresa Perez Viagens e Turismo Ltda - EPP; Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 22/10/2013.). 12. E das Turmas Recursais do DF: (Acórdão: 1.167.881, Proc.: XXXXX-90.2018.8.07.0007 , Caso: J & E Multimarcas Ltda - ME versus Mauro de Sousa, Relator: ASIEL HENRIQUE DE SOUSA, Terceira Turma Recursal, data de julgamento: 30/4/2019, publicado no DJE: 15/5/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada.); (Acórdão nº 1.343.133, Proc.: XXXXX-57.2020.8.07.0007 , Caso: MSC Consórcio e Serviços Financeiros Eireli versus Douglas Rodrigues da Silva; Relatora: ANA CLAUDIA LOIOLA DE MORAIS MENDES, Segunda Turma Recursal, data de julgamento: 24/5/2021, publicado no DJE: 7/6/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada.) e; (Acórdão nº 1.230.172, Proc.: XXXXX-44.2019.8.07.0006 , Caso: Jeferson Barbosa Soares versus Suprema Comércio de Veículos Usados e Financiamento Ltda; Relator: FABRÍCIO FONTOURA BEZERRA, Primeira Turma Recursal, data de julgamento: 13/2/2020, publicado no PJe: 4/3/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.). 13. Portanto, a indução do consumidor a erro mediante falsas promessas feitas antes da celebração do contrato configura a abusividade estabelecida pelo art. 51 , IV do CDC , ao estabelecer obrigações que colocam o consumidor em desvantagem exagerada e se mostram incompatíveis com a boa-fé face a propaganda enganosa, o que também caracteriza flagrante desacordo com o sistema de proteção ao consumidor. 14. Destarte, por consequência, impõe-se a rescisão contratual e a restituição das partes ao seu status quo ante, com a consequente devolução dos valores pagos pelo autor. 15. Dano moral. A atitude da ré revela reprovabilidade uma vez que explorou a boa-fé do consumidor (modesto trabalhador) com promessas infundadas de prestação de serviços que não trouxeram efetivo benefício ao autor e custaram metade da renda mensal deste, que monta cerca de R$ 3.000,00. No presente caso, o consumidor demonstrou enorme frustração com o serviço indesejado que foi induzido a contratar, sentindo-se ludibriado e enganado pela ré. Também deve ser considerada a perda do tempo útil do consumidor para tentar resolver a questão, que não restou solucionada pela via administrativa. 16. Inclusive, há nos autos notícia acerca da atuação do Ministério Público adotando medidas no combate a tal prática lesiva e ainda existem informações veiculadas na grande mídia acerca de inúmeros consumidores que estão sendo vítimas destas práticas desleais idênticas realizadas por diversas empresas do setor, o que gerou também o ajuizamento de Ação Civil Pública pela Defensoria Pública do DF relativa ao tema. 17. Portanto, a questão toma contornos indesejáveis, reclamando atuação firme do Poder Judiciário no sentido de coibir a sua indiscriminada repetição e proliferação, o que repercute em prol da sociedade. 18. Desta forma, condeno a empresa ré ao pagamento da quantia de R$ 2.000,00(dois mil reais) a título de indenização por danos morais, quantia esta razoável e proporcional a reparação das ofensas perpetradas e que entendo que atende a finalidade pedagógica-punitiva das condenações de modo a inibir a sua reiteração. 19. Cito precedentes na Turma: (Acórdão nº 1.137.265, Proc.: XXXXX-34.2018.8.07.0007 , Caso: J & E Multimarcas Ltda - ME versus Ana Claúdia de Oliveira da Silva; Relator: ALMIR ANDRADE DE FREITAS, Segunda Turma Recursal, data de julgamento: 14/11/2018, publicado no DJE: 19/11/2018. Pág.: Sem Página Cadastrada.) e; (Acórdão nº 1.000.831, Proc.: XXXXX-16.2016.8.07.0016 , Caso: Prodesc Consultoria Financeira Ltda e Outro versus Bernardo Valério Neto; Relator: EDILSON ENEDINO DAS CHAGAS, SEGUNDA TURMA RECURSAL, data de julgamento: 8/3/2017, publicado no DJE: 15/3/2017. Pág.: Sem Página Cadastrada.) 20. Diante do exposto, CONHEÇO o recurso interposto e no mérito lhe DOU PROVIMENTO EM PARTE para reformar a sentença julgando procedentes em parte os pedidos do autor para declarar rescindido o contrato outrora entabulado entre as partes, e condenar a ré a restituição do valor de R$ 1.500,00(um mil e quinhentos reais) pagos pelo autor, que deverão ser corrigidos monetariamente pelo INPC desde o seu desembolso, e acrescidos de juros legais de 1%(um por cento) ao mês desde a data da citação. Condeno ainda a ré ao pagamento da quantia de R$ 2.000,00(dois mil reais) a título de reparação dos danos morais, acrescidos de correção monetária (INPC) desde a data do arbitramento e juros legais de 1%(um por cento) incidentes desde a citação. 21. Sem condenação ao pagamento das custas processuais adicionais, se houver; e ao pagamento dos honorários advocatícios da parte adversa, à mingua de recorrente vencido, consoante o previsto no art. 55 , Lei nº 9.099 /95.