PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. DESVIO DE VERBAS, EM CONLUIO COM O PREFEITO (ART. 1º , I , DO DL 201 /67) E, SUBSIDIARIAMENTE, PECULATO (ART. 312 DO CP ), CASO NÃO SEJA RECONHECIDO O CONLUIO COM O PREFEITO; CORRUPÇÃO PASSIVA MAJORADA (ART. 317 , § 1º , DO CP ) E LAVAGEM DE CAPITAIS (ART. 1º DA LEI 9.613 /98). AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO NA PEÇA ACUSATÓRIA. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO ESPECIALIZADO NA MATÉRIA. ORDEM CONCEDIDA. 1. O presente habeas corpus foi impetrado com o fim de que seja reconhecida a ausência do crime de lavagem de dinheiro, declarando-se a incompetência do Juízo Federal da 2ª Vara da Seção Judiciária de Salvador, com remessa dos autos à Vara Federal da Subseção Judiciária de Alagoinhas; bem como visa à rejeição da denúncia, sob a alegação de inépcia da inicial, em razão das imputações alternativas em face do Paciente. 2. De pronto, indefere-se o pedido do Ministério Público Federal no sentido de intimar a defesa para apresentar procuração, pois, conforme o art. 654 do Código de Processo Penal , qualquer pessoa poderá impetrar habeas corpus, em seu favor ou de outrem. Ademais, o primeiro Impetrante representa o Paciente na ação penal no Juízo de origem. 3. Constata-se da peça acusatória que o Paciente foi denunciado pela suposta prática do crime de desvio de verbas (pagamento a maior e sobrepreço), em conluio com o Prefeito (art. 1º , I , do DL 201 /67) e, com pedido subsidiário de enquadramento no art. 312 do CP , caso não seja reconhecido o conluio com o Prefeito; corrupção passiva majorada (recebimento de vantagem, por interposta pessoa, como contrapartida aos ilícitos perpetrados, art. 317 , § 1º , do CP ) e lavagem de capitais (utilização de laranja para recebimento da vantagem, art. 1º da Lei 9.613 /98). 4. A defesa alega que o suposto recebimento de vantagem indevida de forma indireta, mediante a transferência da propina para a conta da esposa do Paciente, integra o tipo penal do crime de corrupção passiva (art. 317 do CP ). Cabe transcrever o dispositivo legal, in verbis: Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.763 , de 12.11.2003). 5. Inclusive, a defesa alega que como a suposta vantagem indevida foi depositado na conta bancária da esposa do Paciente seria desarrazoado considerar que houve tentativa de ocultação ou dissimulação do valor proveniente da corrupção passiva, não se configurando o crime de lavagem de dinheiro. 6. De início, registra-se que é perfeitamente possível a autolavagem, no sentido da eventual ocorrência de ocultação ou dissimulação de valores decorrentes de infração penal, de forma autônoma com relação ao crime antecedente praticado pelo mesmo agente. 7. Assim, em teoria, há a possibilidade de imputação simultânea dos delitos de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. No entanto, é necessário que fique demonstrado, ainda que para o fim de denúncia, nessa fase, que houve condutas subsequentes com a finalidade do branqueamento da vantagem indevida para fins de apuração da lavagem de dinheiro, vale dizer, é imprescindível que haja autonomia entre o recebimento da vantagem indevida em decorrência da corrupção passiva e posterior conduta para ocultar ou dissimular a origem do montante recebido para configuração da lavagem de capitais. Precedente no voto. 8. Nesse contexto, para configurar o concurso material dos crimes referidos, da narrativa da denúncia deve restar evidente que após a conduta da corrupção passiva o Acusado promoveu atos também tendentes ao enquadramento no tipo penal de lavagem de dinheiro com previsão no art. 1o da Lei nº. 9.613 /1998, ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. 9. Sucede, entretanto, que da análise da denúncia vê-se que não foram demonstrados desígnios autônomos com relação aos delitos, ao revés, constata-se que da conduta descrita que houve o suposto crime de corrupção passiva, mediante o recebimento indireto da propina por interposta pessoa, no caso a esposa do Paciente, configurando mero exaurimento do crime, não havendo descrição de posterior ato de ocultação ou dissimulação do montante recebido. 10. Constata-se da narrativa da peça acusatória que a transferência do valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais) na conta da esposa do Paciente ocorreu, em 12.02.2014, no mesmo dia em que a empresa recebeu R$ 152.553,56 (cento e cinquenta e dois mil, quinhentos e cinquenta e três reais e cinquenta e seis centavos) do Município. Desse modo, configura-se o suposto recebimento da vantagem indevida de forma indireta, conforme previsão do tipo penal de corrupção passiva, não se desincumbindo o Parquet de apontar a descrição fática da lavagem de dinheiro. 11. Assim sendo, não se vislumbra na espécie a demonstração do dolo distinto no sentido de posterior ocultação ou dissimulação do proveito do suposto crime de corrupção passiva, com o fim de dar aparência de licitude aos valores recebidos, o que afasta a imputação do crime de lavagem de capitais. Precedentes no voto. 12. Assim sendo, assiste razão à defesa, no sentido de que não foram demonstrados na peça acusatória indícios mínimos do cometimento do crime de lavagem de capitais. Desse modo, não há razão para o processamento e julgamento do feito pelo Juízo da 2ª Vara Criminal da Seção Judiciária da Bahia, especializada em crimes contra o sistema financeiro nacional e de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores, bem como crimes praticados por organizações criminosas, no âmbito do Estado da Bahia (Resolução PRESI XXXXX/2019), devendo o feito ser remetido para a Vara Federal da Seção Judiciária de Alagoinhas, na forma do art. 69 do Código de Processo Penal . 13. Em consequência de tudo isso, esta Corte resta incompetente para apreciar o pedido de rejeição da denúncia por inépcia da inicial, em face do pedido subsidiário do Ministério Público Federal (desvio de verbas (pagamento a maior e sobrepreço), em conluio com o Prefeito (art. 1º , I , do DL 201 /67) e, subsidiariamente, peculato (art. 312 do CP ), caso não seja reconhecido o conluio com o Prefeito), tendo em vista que o juízo competente deverá pronunciar-se sobre os atos praticados pelo juízo tido por incompetente, ratificando ou invalidando os atos decisórios. Desse modo, o recebimento ou rejeição da denúncia, no ponto impugnado, passará pelo crivo do Juízo Federal da Seção Judiciária de Alagoinhas. 14. Ordem de habeas corpus concedida para o fim de reconhecer a ausência de justa causa para a ação penal no tocante ao crime de lavagem de dinheiro, e, em consequência, declara-se a incompetência do Juízo da 2ª Vara da Seção Judiciária da Bahia para processar e julgar o feito, determinando-se a remessa dos autos à Vara Federal da Subseção Judiciária de Alagoinhas, inclusive quando ao pedido subsidiário.