TRF-3 - APELAÇÃO CÍVEL: ApCiv XXXXX20204036100 SP
E M E N T A AÇÃO POPULAR. REVOGAÇÃO DA PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 1.634/GM-MD QUE ALTEROU OS QUANTITATIVOS MÁXIMOS DE MUNIÇÕES PASSÍVEIS DE AQUISIÇÕES PELOS INTEGRANTES DE ÓRGÃOS E INSTITUIÇÕES PREVISTAS EM LEI. NECESSIDADE DO PARECER TÉCNICO PARA SUBSIDIAR A EDIÇÃO DA REFERIDA PORTARIA. - IVAN VALENTE ajuizou a presente ação popular em face da UNIÃO e do Senhor Presidente da República, JAIR MESSIAS BOLSONARO, visando à revogação da Portaria Interministerial de nº 1.634/GM-MD, dos Ministérios da Defesa e da Justiça e Segurança Pública, a qual alterou (aumentou) os quantitativos máximos de munições passíveis de aquisição pelos integrantes de órgãos e instituições previstas em lei, por pessoas físicas autorizadas e demais agentes habilitados a portar arma de fogo - A ação popular é o meio processual a que tem direito qualquer cidadão que deseje questionar judicialmente a validade de atos que considera lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. O art. 5º , LXXIII , da Constituição Federal e o art. 1º , caput, da Lei nº 4.717 /65, descrevem as hipóteses que podem ensejar a propositura desta ação - No tocante à preliminar de ilegitimidade passiva, saliento que os Ministros de Estado, de acordo com o comando constitucional, são meros auxiliares do presidente da República, competindo-lhe as atribuições estabelecidas no artigo 87 , parágrafo único , I a IV , da Constituição Federal . Ademais, como amplamente divulgado pela imprensa, de pleno conhecimento de todos, não há dúvida de que o ato impugnado partiu de uma determinação do Senhor Presidente da República - Ressalta-se que a ação popular é instrumento hábil à defesa da moralidade administrativa, ainda que inexista dano material ao patrimônio público. Para seu cabimento, basta a ilegalidade de ato administrativo (por contrariar normas específicas que regem a sua prática ou por se desviar de princípios que norteiam a Administração Pública). Assim, não há que se falar em inadequação da via eleita - Nesse sentido, o C. STF editou o Tema 836: "Não é condição para o cabimento da ação popular a demonstração de prejuízo material aos cofres públicos, dado que o art. 5º , inciso LXXIII , da Constituição Federal estabelece que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular e impugnar, ainda que separadamente, ato lesivo ao patrimônio material, moral, cultural ou histórico do Estado ou de entidade de que ele participe". Ainda: (STJ, EREsp nº 1192563/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Rel. p/ Acórdão Ministro Herman Benjamin, 1ª Seção, Julgado em 27/02/2019, DJe de 01/08/2019) - Destaca-se, também, que o controle de legalidade exercido pelo Poder Judiciário sobre os atos administrativos diz respeito ao seu amplo aspecto de obediência aos postulados formais e materiais presentes na Constituição , sem, contudo, adentrar no mérito administrativo (STJ, AIRMS nº 52008, Relator Francisco Falcão, 2ª Turma, DJE de 09/12/2019) - Quanto ao mérito, o Decreto nº 9.847 /2019, que regulamentou o Estatuto do Desarmamento e dispôs sobre a aquisição, o cadastro, o registro, o porte e a comercialização de armas de fogo e de munição e sobre o Sistema Nacional de Armas e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas, estabelece que: “O Comando do Exército estabelecerá os parâmetros de aferição e a listagem dos calibres nominais que se enquadrem nos limites estabelecidos nos incisos I, II e IV do caput, no prazo de sessenta dias, contado da data de publicação deste Decreto”. (...) “Ato conjunto do Ministro de Estado da Defesa e do Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública estabelecerá as quantidades de munições passíveis de aquisição pelas pessoas físicas autorizadas a adquirir ou portar arma de fogo e pelos integrantes dos órgãos e das instituições a que se referem os incisos I a VII e X do caput do art. 6º da Lei nº 10.826 , de 2003, observada a legislação, no prazo de sessenta dias, contado da data de publicação do Decreto nº 10.030, de 30 de setembro de 2019” - É indiscutível, portanto, a competência dos Ministros da Defesa e da Justiça e Segurança Pública para a edição de norma que discipline a comercialização de munições. É incontroverso, também, que a Portaria Interministerial nº 1.634/GM-MD foi assinada pelos ocupantes dos referidos cargos - Por outro lado, como bem colocado em primeira instância, era necessário o parecer técnico do Comando do Exército, por meio de seu órgão técnico de controle e fiscalização de armas e demais produtos controlados (Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados) - Não há dúvidas sobre a necessidade do referido parecer, ainda mais quando se trata um tema tão controvertido, o qual demanda, dentre outras coisas, a análise técnica de especialistas da área - Por fim, o Ministério da Defesa, no intuito de agilizar a publicação do ato, enviou e-mail ao General Eugênio Pacelli Vieira Mota, para que este ratificasse os termos da portaria. Todavia, o referido militar apenas respondeu sucintamente: “Após análise, não observamos qualquer impedimento à publicação. Pequenas demandas/ajustes serão necessários”. Como se vê, não há informação técnica inserida na resposta dada pelo General Eugênio, além do fato dele mencionar a necessidade de ajustes - Ratifica-se a necessidade do parecer técnico para subsidiar a edição da Portaria Interministerial nº 1.634/GM-MD - Recursos não providos.