STJ - HABEAS CORPUS: HC XXXXX SC XXXX/XXXXX-9
HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. DOSIMETRIA DA PENA. ART. 59 DO CÓDIGO PENAL . FIXAÇÃO DA PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. VALORAÇÃO NEGATIVA DO VETOR CONSEQUÊNCIAS DO DELITOS. CIRCUNSTÂNCIAS NÃO INERENTES AO TIPO. ELEMENTOS ACIDENTAIS DEVIDAMENTE DECLINADOS, A DEMONSTRAR A NECESSIDADE DE APENAMENTO MAIS GRAVOSO. AUMENTO EM RAZÃO SUPERIOR A 1/6 (UM SEXTO) ACIMA DA PENA MÍNIMA QUANTO ÀS CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. RAZOABILIDADE. MAIOR DESVALOR DA CONDUTA DEMONSTRADO PELA CONJUNTURA DECLINADA. SEGUNDA ETAPA DO CÁLCULO DA PENA. PREPONDERÂNCIA DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA SOBRE A AGRAVANTE DA SENILIDADE. REDUÇÃO DE 1/12 (UM DOZE AVOS). MENORIDADE RELATIVA: REDUÇÃO EM 1/6 (UM SEXTO), POR NÃO SE TRATAR DE CONCURSO ENTRE CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES E AGRAVANTES. TERCEIRA FASE DA DOSIMETRIA: CONCURSO DE AGENTES E EMPREGO DE ARMA DE FOGO. INCIDÊNCIA CUMULATIVA DAS DUAS CAUSAS DE AUMENTO PREVISTAS NA PARTE ESPECIAL DO CÓDIGO PENAL . POSSIBILIDADE, DESDE QUE DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. ART. 68 , PARÁGRAFO ÚNICO , DO CÓDIGO PENAL . AUSÊNCIA, NO CASO, DE MOTIVAÇÃO IDÔNEA. PENA REDIMENSIONADA. ORDEM DE HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. As circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal , cotejadas com o juízo de valor a ser procedido caso a caso na delimitação da gravidade concreta do crime, conduzem a algum grau de discricionariedade na aplicação da pena-base. Todavia, é mister diferenciar discricionariedade de arbitrariedade. Esta constitui uma liberalidade decisória não permitida pelo Direito, fundada em meros impulsos emotivos ou caprichos pessoais que não se apoiam em regras ou princípios institucionais. Aquela, ao revés, envolve o reconhecimento de que a vagueza de certas normas jurídicas implica a necessidade de apelo ao juízo subjetivo de Magistrados que interpretam o Direito à luz de concepções diversas de justiça e de diferentes parâmetros de relevância, e de que a decisão tomada dentro dessa zona de incerteza deverá ser considerada juridicamente adequada caso seja informada por princípios jurídicos e esteja amparada em critérios como razoabilidade, proporcionalidade, igualdade e sensatez. Daí falar-se em discricionariedade guiada ou vinculada. Assim, embora não haja vinculação a critérios puramente matemáticos, os princípios da individualização da pena, da proporcionalidade, do dever de motivação das decisões judiciais, da prestação de contas (accountability) e da isonomia exigem que o julgador, a fim de balizar os limites de sua discricionariedade, realize um juízo de coerência entre (a) o número de circunstâncias judiciais concretamente avaliadas como negativas; (b) o intervalo de pena abstratamente previsto para o crime; e (c) o quantum de pena que costuma ser aplicado pela jurisprudência em casos assemelhados. 2. Na hipótese, o Tribunal local não se limitou a declinar referências genéricas a danos emocionais, ao consignar que, após a conduta, uma das Vítimas passou a precisar tomar medicação para conseguir dormir. Assim, é válido o demérito conferido à circunstância judicial das consequências do crime, pois o contexto declinado constitui elemento acidental (ou seja, não inerente ao tipo), a demonstrar a necessidade de apenamento mais gravoso, no ponto. 3. A complexidade do comportamento humano é incompatível com a fixação absoluta e instransponível de uma única fração de aumento para cada circunstância judicial, sendo lícito, portanto, a exasperação da pena de forma mais rigorosa mediante fundamentação idônea. Por isso, a jurisprudência desta Corte sedimentou-se no sentido de que "o réu não tem direito subjetivo à utilização das frações de 1/6 sobre a pena-base, 1/8 do intervalo entre as penas mínima e máxima ou mesmo outro valor. Tais parâmetros não são obrigatórios, porque o que se exige das instâncias ordinárias é a fundamentação adequada e a proporcionalidade na exasperação da pena" ( AgRg no HC n. 707.862/AC , relator Ministro Olindo Menezes - Desembargador Convocado do TRF/1.ª Região -, Sexta Turma, julgado em 22/2/2022, DJe 25/02/2022). 4. No caso em exame, o vetor circunstâncias do crime foi desabonado na origem com fundamento nos fatos de que na ação delitiva houve invasão de domicílio, foram empregadas ao menos 2 (duas) armas de fogo e 1 (um) simulacro (ou seja, mais de um artefato), a liberdade das Vítimas foi restringida e uma delas foi lesionada. Tal conjuntura demonstra desvalor extraordinário, tendo sido ressaltado modus operandi que justifica aumento, no ponto, de 1/3 (um sexto) acima da sanção corporal de piso. Em outras palavras, devidamente declinada a necessidade de censura mais intensa, mostra-se válido eleger razão de aumento maior de 1/6 (um sexto) sobre a pena mínima abstratamente cominada à conduta pela vetorial depreciada. 5. Na espécie, reconheceu-se na origem o concurso entre a circunstância atenuante da confissão espontânea (de natureza subjetiva, relacionada à personalidade do agente) e a circunstância agravante referida no art. 61, inciso II, alínea h, do referido diploma - adstrita à hipótese em que cometido o crime contra idoso, maior de 60 (sessenta) anos, criança, enfermo ou mulher grávida (portanto, referente apenas à Vítima). Assim, a primeira deve preponderar sobre a segunda, por força do art. 67 do Código Penal . 6. "Mostra-se proporcional, conforme jurisprudência desta Corte, o patamar ideal de 1/12 para valoração da atenuante ou agravante preponderante" (STJ, AgRg no HC n. 689.749/SP , relator Ministro Olindo Menezes - Desembargador Convocado do TRF 1ª Região -, Sexta Turma, julgado em 23/11/2021, DJe de 29/11/2021). 7. Quanto à redução pela atenuante da menoridade relativa, todavia, não ocorre concurso entre circunstâncias atenuantes e agravantes (houve na hipótese o reconhecimento apenas de uma agravante, a da senilidade, já neutralizada pela confissão), motivo pelo qual o patamar de diminuição, no ponto, deve ser de 1/6. 8. É certo que o parágrafo único do art. 68 do Código Penal ("[n]o concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua") confere ao juiz, no caso de concurso de causas de aumento previstas na parte especial, a faculdade - e não o dever - de fazer incidir a causa que mais aumente a pena, excluindo as demais. Assim, se o magistrado sentenciante concluir tratar-se de hipótese de incidência cumulativa de causas de aumento da parte especial, a escolha deverá ser devidamente fundamentada, lastreada em elementos concretos dos autos que evidenciem o maior grau de reprovação da conduta e, em consequência, a necessidade de sanção mais rigorosa. Na espécie, a jurisdição ordinária não declinou motivação objetiva para justificar a incidência cumulada das causas de aumento. Não há referência sobre se no modus operandi do delito houve especial gravidade ou maior grau de reprovação na conduta, como a divisão de tarefas entre os réus, a prática de violência real ou restrição de liberdade das Vítimas por lapso maior que o necessário para consumar a conduta. No mais, por um lado é certo que, por esta Corte, foram proferidos precedentes no sentido de que, se o número de indivíduos extrapola o mínimo necessário para o concurso de agentes, a cumulação de majorantes é válida. Todavia, por outro lado, na hipótese o Tribunal local não considerou o concurso de 4 agentes para aplicar concorrentemente as referidas circunstâncias, mas tão somente para estabelecer no grau máximo, 1/2 (metade) a causa de aumento que decorre do § 2.º, inciso II, do Código Penal . Em outras palavras, a rigor as causas de aumento foram aplicadas cumulativamente pela mera circunstância de o delito ter sido cometido em concurso de agentes e com emprego de armas de fogo, o que é ilegítimo, sendo ainda de rigor ressaltar que "este Tribunal, interpretando o art. 68 , parágrafo único , do CP , consolidou seu entendimento no sentido de que, em regra, deve ser aplicada somente a majorante que mais aumenta a pena em caso de concurso de causas de aumento" (STJ, HC XXXXX/SP , Rel. Ministro Jesuíno Rissato - Desembargador Convocado do TJDFT -, Quinta Turma, julgado em 24/05/2022, DJe 30/05/2022. 9. Ordem de habeas corpus parcialmente concedida para redimensionar as penas para 7 (sete) anos, 7 (sete) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, mais 16 (dezesseis) dias-multa e 16 (dezesseis) dias-multa, mantidos os demais termos dos éditos de primeiro e segundo graus de jurisdição.