Ementa Tributário e Processual Civil. Embargos à execução fiscal. Estrangeiro não residente. Imposto de Renda Pessoa Física. Ano-calendário 2004. Auto de infração. Lançamento de ofício. Depósitos bancários sem comprovação de origem. Omissão de rendimentos. Vício procedimental da fase de constituição dos créditos tributários. Controle de legalidade da fase de constituição do crédito. Cerceamento de defesa. Configuração. Nulidade reconhecida. Provimento da apelação da parte embargante. 1. Cuida-se de apelação do particular ante a sentença que julgou improcedentes os embargos opostos à correlata execução fiscal nº XXXXX-77.2008.4.05.8500 , objetivando a desconstituição do crédito plasmado na CDA nº 51.1.08.000052-29, referente a lançamento, mediante auto de infração, de imposto de renda do ano-calendário de 2004, por apontada omissão de rendimentos configurada por valores creditados em contas de depósito bancário de origem não comprovada. 2. A parte apelante esclarece ser cidadão britânico, residente na Inglaterra, e que no ano de 2004, na condição de estrangeiro não residente no Brasil, inclusive portando visto temporário, adquiriu uma propriedade no Aracaju, Estado de Sergipe, em conjunto com um amigo, Graeme Arthur Barnard, também cidadão britânico. 3. Argui nulidade do procedimento administrativo-fiscal em razão de cerceamento de defesa, sob o argumento de que a Receita Federal do Brasil jamais adotou efetivas medidas para sua localização em seu domicílio no exterior. Nesse contexto, reafirma que jamais teve ou pretendeu ter domicílio fiscal no Brasil e nunca ultrapassou a permanência de cento e oitenta e quatro dias em um período de um ano no país. Esclarece, mais, ter tido a necessidade de efetuar sua inscrição no Cadastro de Pessoas Física (CPF) junto à Receita Federal do Brasil, em cujo documento não foi possível informar o seu endereço no exterior, pelo que indicou um endereço provisório no Brasil. 4. Prossegue a parte apelante aduzindo que, nada obstante tenha adquirido um imóvel no país, jamais teve intenção de aqui estabelecer domicílio, nem tampouco de fraudar informações fiscais. Alega que, para a concretização da compra do imóvel, contratou duas contas correntes no Banco do Brasil, sendo uma delas conjunta com o seu amigo, declinado no relatório, para as quais transferiu recursos próprios de sua conta no Reino Unido, valores que já haviam sido tributados no país de origem, conforme documentação inclusa. 5. A parte apelante aduz que os extratos por ela anexados evidenciam as operações de câmbio necessárias à formalização do mencionado negócio jurídico e de outras despesas inerentes, inclusive com a sua estada no país. Conclui em não se poder falar em obtenção de rendimentos ou de receita nova, vez que se tratava de patrimônio anteriormente adquirido e tributado no seu país de origem, sob pena de se ter notória bitributação. 6. No caso em análise, o particular busca a reforma da sentença que julgou improcedentes os embargos opostos à execução fiscal nº XXXXX-77.2008.4.05.8500 , aparelhado com a CDA nº 51.1.08.000052-29, referente a lançamento, mediante auto de infração, de imposto de renda do ano-calendário de 2004, por apontada omissão de rendimentos configurada por valores creditados em contas de depósito bancário de origem não comprovada. 7. A sentença recorrida adotou o entendimento no sentido de que inexistiu cerceamento de defesa, ante o fato de o contribuinte não fora localizado no endereço constante em seus cadastros e que a Fazenda Nacional não precisa notificar o contribuinte/devedor no exterior, se há endereço nacional vinculado ao CPF em situação regular. Considerou-se, ainda, ter a administração fazendária federal comprovado que realizara, por conseguinte, a sua intimação por edital. 8. A adequada análise acerca da alegação de cerceamento de defesa no contexto do processo administrativo-fiscal passa, em se tratando de cidadão estrangeiro, pela investigação de sua condição ao entrar no país, no caso, se possuidor de visto permanente ou temporário. 9. É fato incontroverso que a parte embargante, ora apelante, Adrian Mark Cook, é cidadão britânico e que aqui ingressou com visto temporário, provavelmente no início de março de 2004, conforme se vê da ficha cadastral preenchida em 16 de março de 2004, perante o Banco do Brasil, e que a Secretaria da Receita Federal requisitara e a ela tivera acesso no bojo de específica ação fiscal [id. XXXXX.2408910, fls. 16/17-PDF]. 10. O só fato de ostentar a condição de estrangeiro com visto temporário, a implicar, a rigor, não ter ele residência no Brasil ou o ânimo para tanto, restaria afastada a sujeição passiva para fins de imposto de renda, conforme art. 45 , do Código Tributário Nacional , combinado com o art. 1º , da Lei 7.713 /1988. 11. Em complementação, referível aos cidadãos estrangeiros, a Lei 9.718 /1998, em seu art. 12 , estabelece, de forma excepcional, a sujeição passiva para fins de imposto de renda do estrangeiro não residente que aqui ingresse ou (i) portando visto permanente ou (ii) portando visto temporário, nos seguintes termos: Art. 12. Sem prejuízo das normas de tributação aplicáveis aos não-residentes no País, sujeitar-se-á à tributação pelo imposto de renda, como residente, a pessoa física que ingressar no Brasil: I - com visto temporário: a) para trabalhar com vínculo empregatício, em relação aos fatos geradores ocorridos a partir da data de sua chegada; b) por qualquer outro motivo, e permanecer por período superior a cento e oitenta e três dias, consecutivos ou não, contado, dentro de um intervalo de doze meses, da data de qualquer chegada, em relação aos fatos geradores ocorridos a partir do dia subseqüente àquele em que se completar referido período de permanência; II - com visto permanente, em relação aos fatos geradores ocorridos a partir de sua chegada. 12. Sendo o imposto de renda um tributo com fato gerador, em regra, complexivo [situação composta por diversos fatos considerados em conjunto] e instantâneo [ocorre em um momento determinado], no caso, no dia 31 de dezembro de cada ano, bem se percebe a falibilidade do serviço da Secretaria da Receita Federal quanto aos dados inseridos no cadastro de pessoa física [CPF] da parte embargante [id. XXXXX.2698542]. 13. No referido cadastro [CPF], além do laconismo de informações, sem se especificar a condição do cidadão estrangeiro quanto ao tipo de visto, segundo a norma legal então vigente, Lei 6.815 /1980 [Estatuto do Estrangeiro], constou a errônea indicação de que a parte apelante não residia no exterior, ao que se consignou um endereço na cidade de Aracaju [Estado de Sergipe]. 14. Se, em se tratando de cidadão estrangeiro não residente, com visto temporário, a exigir a constatação de sua permanência por prazo superior a 183 (cento e oitenta e três) dias, num período de 12 (doze) meses, a contar de qualquer de suas chegadas ao território nacional, para fins de excepcional sujeição passiva ao imposto de renda, mas cuja obrigatoriedade de prestar declarações só surgiria no exercício seguinte, era formalidade mínima e obrigatória que se colhesse o seu endereço no país no qual domiciliado. 15. A inserção, no cadastro do cidadão estrangeiro não residente, para fins de obtenção de CPF, de um endereço provisório aqui no Brasil, depõe de forma notória para se concluir pelo cerceamento de defesa no contexto do processo administrativo-fiscal, vez que a posterior intimação editalícia já estava maculada pela primeva e anódina tentativa de notificação pessoal. 16. O aludido vício procedimental da fase de constituição do crédito tributário, por si só, é bastante a torná-lo insubsistente, ante a ausência de higidez substancial do lançamento efetivado pela administração tributária (auto de infração) que ampara a exigência de imposto de renda pessoa física. 17. Sendo bastante o argumento em tela a amparar o acolhimento das razões de apelo, restam prejudicadas as demais causas de pedir. 18. Provimento à apelação do particular, reformando-se a sentença, para julgar procedentes os embargos à execução, desconstituindo-se o respectivo crédito exequendo. 19. Inversão da sucumbência, condenando-se a Fazenda Nacional, apelada, em honorários advocatícios, ora fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da correlata execução fiscal, atualizado mediante aplicação da taxa Selic, ante a natureza da questão em debate. Sem condenação ao reembolso de custas, vez que dispensadas para esta classe processual, por expressa disposição legal (art. 7º , da Lei 9.289 /1996). gabvc/ico