PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. TRABALHADORA RURAL INSTITUIDORA. ÓBITO ANTERIOR A 1991 E POSTERIOR À CF/88. RESTRIÇÕES IMPOSTAS AO MARIDO PELO DECRETO 83.080 /79 NÃO RECEPCIONADAS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. ENTENDIMENTO DO STF. QUALIDADE DE DEPENDENTE RECONHECIDA. EXTENSÃO DA QUALIFICAÇÃO DO MARIDO EM RELAÇÃO À ESPOSA. POSSIBILIDADE. BOIA-FRIA. CABIMENTO DE SOLUÇÃO PRO MISERO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL COMPROVADA. BENEFÍCIO DEVIDO. DATA DE INÍCIO DO BENEFÍCIO. RECURSO DA PARTE AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O direito à percepção do benefício de pensão por morte rege-se pela legislação previdenciária vigente na data do falecimento do pretenso instituidor da pensão, sendo aplicável a máxima do tempus regit actum (Súmula 340 do STJ). In casu, o falecimento da pretensa instituidora do benefício se deu em 1/12/1990 (fl. 22), época em que vigorava o Decreto nº 83.080 /79 e já sob a égide da Constituição Federal de 1988. 2. O Decreto nº 83.080 /79 impôs quatro requisitos para a obtenção de pensão por morte de trabalhador rural: óbito do segurado, a sua qualidade de beneficiário da previdência social rural, na forma do art. 275, I, a carência exigida, bem como a condição de dependente da apelante. Em se tratando do marido, para sua caracterização de sua dependência em relação à esposa falecida, pretensa instituidora da pensão, o Decreto 83.080/90 exigiu a condição de inválido. 3. Todavia, a imposição ao homem de exigência específica, não imposta à mulher, para qualificação de dependente, conforme jurisprudência pacificada, não foi recepcionada pela CF/88, tendo em vista a incompatibilidade com a igualdade de direitos entre homem e mulher (princípio da isonomia) trazida pela nova ordem jurídica e com a autoaplicabilidade do art. 201 , V , da CF/88 , que previu a concessão do benefício de pensão por morte indistintamente. "A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme em reconhecer que o cônjuge varão tem direito ao recebimento da pensão por morte, embora o falecimento da segurada tenha ocorrido antes da edição da Lei 8.213 /1991. Precedentes" (RE XXXXX/SC-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. AYRES BRITTO, DJe de 14/09/11). 4. A partir da Constituição Federal de 1988 e antes da vigência da Lei 8.213 /91, incidem, na espécie, as regras da Constituição , sendo a pensão por morte direito garantido constitucionalmente no art. 201 , V , ao cônjuge ou companheiro e dependentes do segurado, para o qual se exige somente a comprovação da qualidade de segurado, considerada a época do óbito. Nesse sentido, confira-se: AC XXXXX-69.2011.4.01.9199/MG , Rel. Juiz Federal Grigório Carlos dos Santos, 2ª Câmara Regional Previdenciária de Minas Gerais, e-DJF1 de 16/10/2017. 5. Relativamente à qualidade de segurado especial de pretenso instituidor do benefício de pensão por morte, com óbito ocorrido após a CF/88 e antes da Lei 8.213 /91, salienta-se que se aplica à sua comprovação o entendimento firmado em precedentes do STJ, de que esta se dá por meio de início razoável de prova material, complementado por prova testemunhal, não sendo admitida, em regra, a prova exclusivamente testemunhal (art. 55 , § 3º , da Lei 8.213 /91; súmula 149 do STJ). Além disso, por ser apenas o início de prova, os documentos não precisam abranger todo o período a ser comprovado, como bem aponta o enunciado nº 14 da TNU. 6. Ainda assim, segundo o STJ, "conquanto não se exija a contemporaneidade da prova material durante todo o período que se pretende comprovar o exercício de atividade rural, deve haver ao menos um início razoável de prova material contemporânea aos fatos alegados, admitida a complementação da prova mediante depoimentos de testemunhas" ( AgRg no REsp XXXXX/SP , Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 07/10/2014, DJe 23/10/2014). 7. É possível estender-se a qualificação profissional do marido, de modo a constituir início razoável de prova material do exercício de atividade rural, à esposa ( AgRg no AREsp XXXXX/RS , Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/12/2013, DJe 04/02/2014; AC XXXXX-64.2016.4.01.9199 / GO , Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO NEVES DA CUNHA, SEGUNDA TURMA, e-DJF1 de 05/10/2016), sendo tal possibilidade afastada somente nos casos em que houver exercício de trabalho incompatível com o labor rurícola de economia familiar, como o de natureza urbana ( REsp 1.304.479-SP ). 8. Já manifestou o Eg. Tribunal Regional Federal da 1ª Região no julgamento da AC nº XXXXX-34.2016.4.01.9199 / MG , de relatoria do Desembargador Federal Francisco Neves da Cunha, e-DJF1 de 28/06/2016, in verbis, que "O trabalhador rural boia-fria, diarista, ou volante é equiparado ao segurado especial de que trata o inciso VII do artigo 11 da Lei 8.213 /1991", valendo destacar que "o trabalhador volante ou bóia-fria experimenta situação desigual em relação aos demais trabalhadores (STJ, AR2515/SP ), uma vez que, em regra, ou não tem vínculos registrados ou os tem por curtíssimo período, devendo ser adotada solução pro misero", com a aplicação de relativo abrandamento na exigência do início de prova material. 9. No caso, observa-se início de prova material da condição rurícola que demonstra satisfatoriamente que o autor e a esposa, por extensão, dedicaram-se à lida campesina em regime de economia familiar. A certidão de casamento, datada de 1957, qualifica o autor como "lavrador", evidenciando a plausibilidade da alegação do autor na entrevista rural de que a falecida trabalhava como boia-fria. Na sequência, tem-se a comprovação da aquisição, por herança, em 1984, da propriedade rural do casal e, por fim, o óbito da autora em 1990, aos 57 anos. Corroborando o início de prova material, há a prova oral afirmando que a autora trabalhava como boia-fria e, posteriormente, com o marido, em "um pedacinho de terra, que ganhou de herança". 10. Considerando a legislação vigente à época do falecimento da instituidora, impõe-se a observância dos termos do art. 298 do Decreto nº 83.080 /79, sendo devida a pensão por morte desde a data do óbito, observada a prescrição quinquenal (AC XXXXX-6/BA, 1ª Câmara Previdenciária da Bahia, Relator convocado Pedro Braga Filho, DJ de 15/05/2015 citado em AC XXXXX-35.2013.4.01.9199 / MG , Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO NEVES DA CUNHA, Rel.Conv. JUÍZA FEDERAL LUCIANA PINHEIRO COSTA (CONV.), 1ª CÂMARA REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DE MINAS GERAIS, e-DJF1 de 13/07/2017), ressalvada a prescrição quinquenal. 11. Correção monetária de acordo com a versão mais atualizada do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, devendo ser observada, quanto à correção monetária, a orientação do Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 870.947 (repercussão geral, tema 810), que declarou a inconstitucionalidade da TR para esse fim. Considerando a decisão proferida pelo Ministro Luiz Fux, haja vista os Embargos de Declaração opostos em face do julgamento do RE 870.947 em 26.09.2018, fica ressalvada a aplicação da orientação definitiva do STF sobre o tema, inclusive eventual modulação de efeitos, em sede de liquidação e cumprimento do julgado. 12. Invertidos os ônus da sucumbência, condena-se o réu ao pagamento de honorários advocatícios de 10% sobre as parcelas vencidas até o presente julgamento - (Súmula 111 do STJ). Sem condenação em custas. Nas causas ajuizadas perante a Justiça Estadual, no exercício da jurisdição federal ( § 3º do art. 109 da CF/88 ), o INSS está isento das custas somente quando lei estadual específica prevê a isenção, o que ocorre no estado de Minas Gerais (Lei Estadual 14.939/2003). 13. Apelação da parte autora parcialmente provida. Sentença reformada para acolher o pedido inicial e, considerando o óbito também do autor, em 21/5/2012, condenar o INSS ao pagamento das parcelas devidas pelo benefício de pensão por morte de Tereza Pizolatto da Costa aos sucessores habilitados, tendo em conta DIB em 1/12/1990 e DCB em 21/5/2012, ressalvada a prescrição quinquenal, com a aplicação dos juros e correção monetária, além dos honorários advocatícios de sucumbência, tudo conforme definido neste voto.