ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO CONSELHO RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS SEGUNDA TURMA RECURSAL CRIMINAL Apelação nº 0001173-40.2015.819.0063 Apelante: Marilda Alves da Costa Apelado: Ministério Público Relator: Dr. Marcel Laguna Duque Estrada RELATÓRIO Cuida-se de Apelação interposta pela acusada contra sentença que a condenou pela prática do crime do artigo 310 do Código de Trânsito Brasileiro (permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada), a pena de 07 (sete) meses de detenção, em regime aberto, substituída por prestação de serviço à comunidade pelo prazo da pena imposta, proferida pelo X Juizado Especial Adjunto Criminal da Comarca de Três Rios. Postula a nulidade da sentença ante o não oferecimento de proposta de transação penal pelo Ministério Público. Subsidiariamente, requer a absolvição, alegando estado de necessidade, causa supralegal da inexigibilidade de conduta diversa, bem como caráter subsidiário do Direito Penal. Por fim, pugna pela reforma da sentença para que seja aplicada tão somente a pena de multa, ou, alternativamente, a fixação da pena base no mínimo legal, diminuindo-se a pena na 2ª fase de fixação em razão da confissão, e substituindo-se a pena privativa de liberdade por multa. Denúncia às fls. 02/02A. Em Audiência de Instrução e Julgamento, às fls. 51, foi recebida a denúncia, bem como realizada a oitiva da testemunha Julio Cesar. Em continuação da Audiência de Instrução e Julgamento, às fls. 58, foi realizada a oitiva da testemunha Getulio Luiz, e procedido o interrogatório da ré. Sentença às fls. 76/81. Recurso de apelação da defesa às fls. 82/91. Contrarrazões ministeriais foram acostadas às fls. 95/100, pugnando pelo conhecimento e não provimento do recurso. Apresenta prequestionamento para fins de recurso extraordinário e recurso especial. Em aditamento, às fls. 103/111, a defesa em sede recursal alega nulidade pelo não oferecimento da transação penal e requer a reforma da pena. Manifestação do Ministério Público junto à Segunda Turma Recursal Criminal, às fls. 113/120, pugnando pelo conhecimento e improvimento do apelo. ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO CONSELHO RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS SEGUNDA TURMA RECURSAL CRIMINAL Apelação nº 0001173-40.2015.819.0063 Apelante: Marilda Alves da Costa Apelado: Ministério Público Relator: Dr. Marcel Laguna Duque Estrada VOTO Cuida-se de Apelação interposta pela acusada contra sentença que a condenou pela prática do crime do artigo 310 do Código de Trânsito Brasileiro - CTB - (permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada), a pena de 07 (sete) meses de detenção, em regime aberto, substituída por prestação de serviço à comunidade pelo prazo da pena imposta, proferida pelo X Juizado Especial Adjunto Criminal da Comarca de Três Rios. Postula a nulidade da sentença ante o não oferecimento de proposta de transação penal pelo Ministério Público. Subsidiariamente, requer a absolvição, alegando estado de necessidade, causa supralegal da inexigibilidade de conduta diversa, bem como caráter subsidiário do Direito Penal. Por fim, pugna pela reforma da sentença para que seja aplicada tão somente a pena de multa, ou, alternativamente, a fixação da pena base no mínimo legal, diminuindo-se a pena na 2ª fase de fixação em razão da confissão, e substituindo-se a pena privativa de liberdade por multa. O pleito defensivo de nulidade em razão do não oferecimento de proposta de transação penal, não merece ser acolhido. O Ministério Público deixou de oferecer a proposta de transação penal de maneira fundamentada (fl. 39). Entendeu o Parquet que a acusada não preenche os requisitos subjetivos para a concessão do beneplácito legal pretendido, em razão da sua folha de antecedentes criminais (fls. 24/29), onde verifica-se que a apelante foi denunciada em outro processo, caracterizando, assim, má conduta social. A tese de que a acusada agiu em estado de necessidade, também, é de ser rejeitada. Alega a defesa que a apelante entregou o carro ao seu filho para proteger sua integridade física e a de terceiros, eis que ingeriu grande quantidade de bebida alcóolica. Contudo, como bem ressaltado na sentença recorrida, a apelante poderia se utilizar de outros meios de transporte para voltar a sua casa. A argumentação de inexigibilidade de conduta diversa deve ser rejeitada, na medida em que, como já exposto anteriormente, a apelante tinha a opção de buscar outros meios de transporte ao invés de praticar o delito em questão. Outrossim, inviável a pretendida absolvição com base na alegação de que a conduta cometida pela apelante não merece a intervenção do direito penal por não gerar um dano a terceiros. O crime do artigo 310 do CTB é de perigo abstrato dispensando-se a demonstração da efetiva potencialidade lesiva da conduta daquele que permite, confia ou entrega a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada. Nesse sentido é o posicionamento do Supremo Tribunal de Justiça: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSAMENTO DE ACORDO COM O ART. 543-C. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. CRIME DE TRÂNSITO. ART. 310 DO CTB . BEM JURÍDICO. SEGURANÇA DO TRÂNSITO. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. DESNECESSIDADE DE LESÃO OU EXPOSIÇÃO A PERIGO DE DANO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Recurso especial processado de acordo com o regime previsto no art. 543-C, § 2º, do CPC , c/c o art. 3º do CPP , e na Resolução n. 8/2008 do STJ. TESE: É de perigo abstrato o crime previsto no art. 310 do Código de Trânsito Brasileiro . Assim, não é exigível, para o aperfeiçoamento do crime, a ocorrência de lesão ou de perigo de dano concreto na conduta de quem permite, confia ou entrega a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou ainda a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança. 2. Embora seja legítimo aspirar a um Direito Penal de mínima intervenção, não pode a dogmática penal descurar de seu objetivo de proteger bens jurídicos de reconhecido relevo, assim entendidos, na dicção de Claus Roxin, como "interesses humanos necessitados de proteção penal", qual a segurança do tráfego viário. 3. Não se pode, assim, esperar a concretização de danos, ou exigir a demonstração de riscos concretos, a terceiros, para a punição de condutas que, a priori, representam potencial produção de danos a pessoas indeterminadas, que trafeguem ou caminhem no espaço público. 4. Na dicção de autorizada doutrina, o art. 310 do CTB , mais do que tipificar uma conduta idônea a lesionar, estabelece um dever de garante ao possuidor do veículo automotor. Neste caso estabelece-se um dever de não permitir, confiar ou entregar a direção de um automóvel a determinadas pessoas, indicadas no tipo penal, com ou sem habilitação, com problemas psíquicos ou físicos, ou embriagadas, ante o perigo geral que encerra a condução de um veículo nessas condições. 5. Recurso especial provido." (STJ. 3ª Seção. REsp 1.485.830-MG , Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. Para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 11/3/2015 (recurso repetitivo) (Info 563). STJ. 6ª Turma. REsp 1.468.099-MG , Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 19/3/2015 (Info 559)). Este entendimento foi materializado na Súmula 575 do STJ: "Constitui crime a conduta de permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor à pessoa que não seja habilitada, ou que se encontre em qualquer das situações previstas no art. 310 do CTB , independentemente da ocorrência de lesão ou de perigo de dano concreto na condução do veículo." De todo modo, impende consignar que resta inequívoco o perigo concreto na conduta da apelante. Os depoimentos colhidos em Juízo demonstram que o condutor do veículo da ré, Getulio, causou um acidente de trânsito, expondo terceiros a perigo. Em seu depoimento, Getulio Luiz da Silva Junior, afirma: "Que são verdadeiros os fatos; Que sua mãe estava alcoolizada e ele foi dirigindo; Que ele não tinha habilitação; Que sua mãe estava falando com ele; Que virou para olhar para ela e quando viu já estava muito perto pois o moço da frente freou no quebra mola e bateu atrás dele; Que na época tinha 18 anos; Que ele já sabia dirigir; Que o carro era de sua mãe; Que ele costumava dirigir no pátio do prédio onde mora." A testemunha Julio Cesar Raposo narra: "Que os fatos são verdadeiros; Que ele estava com o carro da prefeitura; Que quando chegou no quebra mola em frente ao SESI ele diminuiu; Que pisou no freio para passar no quebra mola; Que o garoto vinha trás em alta velocidade e bateu na traseira do carro da prefeitura e o jogou uns 50 metros para frente; Que ele estava em alta velocidade..."No que tange à fixação da pena, a sentença proferida pela magistrada a quo também não merece reparo, vez que aplicou corretamente o artigo 59 do Código Penal . A circunstância judicial que elevou a pena base, qual seja, excesso de culpabilidade da recorrente, é justificada na medida em que além de ter confiado o veículo à pessoa não habilitada, esta causou acidente. Certo é, também, que a multa substitutiva não se mostra cabível diante da prefalada circunstância judicial - excesso de culpabilidade. Desta forma, a sentença recorrida merece ser confirmada por seus próprios fundamentos, aos quais me reporto, em consonância com decisão do Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a repercussão geral do tema contido no RE XXXXX , reafirmando a jurisprudência da referida Corte no seguinte sentido: "EMENTA Juizado especial. Parágrafo 5º do art. 82 da Lei nº 9.099 /95. Ausência de fundamentação. Artigo 93 , inciso IX , da Constituição Federal . Não ocorrência. Possibilidade de o colégio recursal fazer remissão aos fundamentos adotados na sentença. Jurisprudência pacificada na Corte. Matéria com repercussão geral. Reafirmação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal."( RE XXXXX RG / SP - SÃO PAULO, REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator Min. Dias Toffoli, Julgamento: 30/06/2011) Pelo exposto, voto no sentido de conhecer e negar provimento ao recurso. Rio de Janeiro, 26 de junho de 2017. MARCEL LAGUNA DUQUE ESTRADA JUIZ RELATOR 1