DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INFORMAÇÕES VEICULADAS EM REDE DE RÁDIO E TELEVISÃO. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANO MORAL AJUIZADA POR MUNICÍPIO CONTRA O PARTICULAR. IMPOSSIBILIDADE. DIREITOS FUNDAMENTAIS. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. RECONHECIMENTO LIMITADO. 1. A tese relativa à indenização pelo dano moral decorrente de ofensa à honra, imagem, violação da vida privada e intimidade das pessoas somente foi acolhida às expressas no ordenamento jurídico brasileiro com a Constituição Federal de 1988 (artigo 5º, incisos V e X), que o alçou ao seleto catálogo de direitos fundamentais. Com efeito, por essa ótica de abordagem, a indagação acerca da aptidão de alguém sofrer dano moral passa necessariamente pela investigação da possibilidade teórica de titularização de direitos fundamentais, especificamente daqueles a que fazem referência os incisos V e X do art. 5º da Constituição Federal . 2. A inspiração imediata da positivação de direitos fundamentais resulta precipuamente da necessidade de proteção da esfera individual da pessoa humana contra ataques tradicionalmente praticados pelo Estado. É bem por isso que a doutrina vem entendendo, de longa data, que os direitos fundamentais assumem "posição de definitivo realce na sociedade quando se inverte a tradicional relação entre Estado e indivíduo e se reconhece que o indivíduo tem, primeiro, direitos, e, depois, deveres perante o Estado, e que os direitos que o Estado tem em relação ao indivíduo se ordenam ao objetivo de melhor cuidar das necessidades dos cidadãos" (MENDES, Gilmar Ferreira [et. al.]. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 222-223). 3. Em razão disso, de modo geral, a doutrina e jurisprudência nacionais só têm reconhecido às pessoas jurídicas de direito público direitos fundamentais de caráter processual ou relacionados à proteção constitucional da autonomia, prerrogativas ou competência de entidades e órgãos públicos, ou seja, direitos oponíveis ao próprio Estado e não ao particular. Porém, ao que se pôde pesquisar, em se tratando de direitos fundamentais de natureza material pretensamente oponíveis contra particulares, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal nunca referendou a tese de titularização por pessoa jurídica de direito público. Na verdade, há julgados que sugerem exatamente o contrário, como os que deram origem à Súmula n. 654 , assim redigida: "A garantia da irretroatividade da lei, prevista no art. 5º , XXXVI , da Constituição da Republica , não é invocável pela entidade estatal que a tenha editado". 4. Assim, o reconhecimento de direitos fundamentais - ou faculdades análogas a eles - a pessoas jurídicas de direito público não pode jamais conduzir à subversão da própria essência desses direitos, que é o feixe de faculdades e garantias exercitáveis principalmente contra o Estado, sob pena de confusão ou de paradoxo consistente em se ter, na mesma pessoa, idêntica posição jurídica de titular ativo e passivo, de credor e, a um só tempo, devedor de direitos fundamentais, incongruência essa já identificada pela jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão (BVerfGE 15, 256 [262]; 21, 362. Apud. SAMPAIO, José Adércio Leite. Teoria da Constituição e dos direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2013 p. 639). 5. No caso em exame, o reconhecimento da possibilidade teórica de o município pleitear indenização por dano moral contra o particular constitui a completa subversão da essência dos direitos fundamentais, não se mostrando presente nenhum elemento justificador do pleito, como aqueles apontados pela doutrina e relacionados à defesa de suas prerrogativas, competência ou alusivos a garantias constitucionais do processo. Antes, o caso é emblemático e revela todos os riscos de se franquear ao Estado a via da ação indenizatória. 6. Pretende-se a responsabilidade de rede de rádio e televisão local por informações veiculadas em sua programação que, como alega o autor, teriam atingido a honra e a imagem da própria Municipalidade. Tal pretensão representa real ameaça a centros nervosos do Estado Democrático de Direito, como a imprensa livre e independente, ameaça que poderia voltar-se contra outros personagens igualmente essenciais à democracia. 7. A Súmula n. 227 /STJ constitui solução pragmática à recomposição de danos de ordem material de difícil liquidação - em regra, microdanos - potencialmente resultantes do abalo à honra objetiva da pessoa jurídica. Cuida-se, com efeito, de resguardar a credibilidade mercadológica ou a reputação negocial da empresa, que poderiam ser paulatinamente fragmentadas por violações a sua imagem, o que, ao fim e ao cabo, conduziria a uma perda pecuniária na atividade empresarial. Porém, esse cenário não se verifica no caso de suposta violação à imagem ou à honra - se existente - de pessoa jurídica de direito público. 8. Recurso especial não provido.