ADMINISTRATIVO. LOTEAMENTO. ESPAÇOS LIVRES. DECRETO-LEI 58 /1937. ART. 17 DA LEI 6.766 /1979. INALIENABILIDADE. TRANSFERÊNCIA AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. MUNICIPALIDADE. TERRENO ORIGINARIAMENTE DESTINADO À CONSTRUÇÃO DE ESCOLA PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE DE TRANSFERÊNCIA AO PARTICULAR PARA EDIFICAÇÃO DE UNIDADES HABITACIONAIS. RECURSO ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE GOIÁS PROVIDO. 1. Trata-se, na origem, de Ação Civil Pública c/c Nulidade de Registro Público e Reintegração de Posse contra o Município de Goiânia e a empresa EMSA (Empresa Sul Americana de Montagens S/A), objetivando a declaração de nulidade do registro imobiliário de alienação de área pública do referido município em aproximadamente 5.487 (cinco mil, quatrocentos e oitenta e sete) metros quadrados. 2. A ação proposta pelo Parquet visa impedir o seguimento de edificação tida por irregular e reintegrar a posse à coletividade para a construção já não de uma escola, mas de uma praça, por força de alteração de destinação feita por lei municipal. 3. A sentença de improcedência foi mantida pelo Tribunal a quo, sob o argumento de que "a simples inscrição dos loteamentos sob a égide do Decreto-Lei 58 /1937, não possui o condão de transferir a propriedade ao Município das vias, praças e áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos. Inexistindo instrumento formal translativo de propriedade, o espaço livre em discussão, a despeito de reservado à construção de uma escola, não pode ser considerado bem público." (fl. 1384-1385, e-STJ, grifei). 4. Apesar do consignado pela Corte de origem, o art. 3º do Decreto-Lei 58 /1937, em sentido contrário, dispõe: "A inscrição torna inalienáveis por qualquer título as vias de comunicação e os espaços livres constantes do memorial e planta". 5. O art. 3º do Decreto-Lei 58 /1937, regulador do parcelamento do solo à época da inscrição do loteamento da região, é taxativo ao prever a inalienabilidade dos espaços livres constantes do memorial, assim entendidos, como "espaços não destinados às vias de comunicação e nem objetos de lotes destinados à venda". Consoante relatado pelo próprio acórdão recorrido, já no memorial descritivo constava sua destinação específica, isto é, construção de escola. 6. Observa-se que o juiz e o Tribunal de origem confirmaram a propriedade particular sobre o bem com o argumento de que, ante a ausência de ato formal de transferência de domínio, a mera inscrição do loteamento não teria o condão de transferir ao poder público a propriedade do discutido imóvel. Ao assim decidirem, violaram a letra expressa do Decreto-Lei 58 /1937, assim como da legislação subsequente, inclusive a da Lei 6.766 /1979. 7. O raciocínio do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás não merece prosperar. O art. 3º do Decreto-Lei 58 /1937 constitui norma absoluta, que não admite exceção, nem mitigação judicial, visto que de interesse social. Não cabe ao juiz inverter, ao seu talante, a prevalência do interesse social sobre o interesse privado, mais ainda quando expressa a lei aplicável ao caso. A ordem jurídica dos loteamentos é inequívoca: a aprovação e a inscrição do loteamento configuram atos suficientes e inafastáveis de transferência ao domínio público das vias de comunicação e dos espaços livres constantes da planta. 8. A legislação subsequente (Decreto-Lei 271 /1967 e Lei 6.766 /1979), em vez de inovar o ordenamento, é até mais categórica quanto à explícita intenção do legislador, já presente no DL 58 /1937, de dispensar a doação específica para transmissão ao Poder Público Municipal das vias de comunicação e dos espaços livres constantes de loteamentos inscritos e aprovados. No âmbito dos loteamentos, o que se tem é doação ope legis, daí o despropósito de pretender invalidá-la ope judicis. Nesse sentido, claríssimo o art. 17 da Lei 6.766 /1979: "Os espaços livres de uso comum, as vias e praças, as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo, não poderão ter sua destinação alterada pelo loteador, desde a aprovação do loteamento" (grifo acrescentado). 9. Logo, a aprovação e a inscrição do loteamento no registro público foram atos aptos e suficientes para promover a transferência das áreas livres constantes do memorial ao patrimônio municipal. No caso específico, a área disputada foi instituída como bem público de uso especial, pois afetada ao funcionamento de escola, o que torna inequívoca sua inalienabilidade, característica, em regra, dos bens públicos. 10. Com o mesmo entendimento, cito precedente: "Inscrito o loteamento, sob a vigência do Decreto-lei 58 /37, tornaram-se inalienáveis, a qualquer título, as vias de comunicação e os 'espaços livres' constantes do memorial e da planta (...). Pela inalienabilidade, perdeu o loteador a posse e o domínio de tais áreas, transferidas ao poder público. Nula, destarte, posterior doação feita pelo loteador a uma determinada confissão religiosa, do espaço livre já de domínio do Município" ( REsp XXXXX/GO , Rel. Ministro Athos Carneiro, Quarta Turma, DJ 22.4.1991). 11. O colendo STF, no mesmo sentido, também afirma: "aprovado o arruamento, para urbanização de terrenos particulares, as áreas destinadas às vias e logradouros públicos passam automaticamente para o domínio do município, independentemente de título aquisitivo e transcrição, visto que o efeito jurídico do arruamento é exatamente o de transformar o domínio particular em domínio público, para uso comum do povo" (STF, RE XXXXX/SP , Segunda Turma, Relator Min. Cordeiro Guerra, DJ 19.11.1976. Confira-se também RE 89.252 , Primeira Turma, Relator Min. Thompson Flores, DJ 22.6.1979). 12. Assim, a melhor exegese do art. 3º do Decreto-Lei 58 /1937 e dos arts. 65 , 66 e 69 do CC/1916 conduz ao entendimento de que o registro do loteamento implica perda imediata, automática e definitiva da posse e do domínio do espaço livre, com transferência para o Poder Público. Para alienação posterior do imóvel, necessárias, como próprias do regime dos bens públicos, a desafetação por lei em face de inequívoco e patente interesse público, a autorização competente e a avaliação prévia, as quais não ocorreram no caso concreto. 13. Recurso Especial provido para anular os registros e a matrícula do imóvel, determinando-se sua desocupação.