IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RECURSOS REPASSADOS PELO FNDE. PROGRAMA RECOMEÇO. IRREGULARIDADES NOS PROCESSOS LICITATÓRIOS EM RAZÃO DE OS CONCORRENTES POSSUÍREM VÍNCULOS DE PARENTESCO. NÃO COMPROVAÇÃO DA DESTINAÇÃO DE PARTE DE VALOR REPASSADO. ARTS. 10 , XI E 11 DA LEI 8.429 /92. DOLO NÃO CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO. APELAÇÕES PROVIDAS. 1. Narra a inicial que os requeridos, na qualidade de ex-prefeito, ex-secretário de educação e ex-presidentes da Comissão Permanente de Licitação do Município de Abaetetuba/PA, teriam cometido irregularidades quando da execução dos recursos repassados no ano de 2003 pelo FNDE, no valor de R$ 1.193.499,96, relacionado ao Programa de Apoio a Estados e Municípios para Educação Fundamental de Jovens e Adultos RECOMEÇO, atualmente sob o nome de Apoio aos Sistemas de Ensino para Atendimento à Educação de Jovens e Adultos Fazendo Escola. 2. A sentença julgou improcedente o pedido veiculado contra o ex-secretário de educação, pois as irregularidades apontadas no Relatório da CGU remontam ao ano de 2003, momento em que o demandado não ocupava mais o cargo. Quanto aos ex-presidentes da Comissão Permanente de Licitação, entendeu que teriam eles incorrido no art. 11 , caput, da Lei 8.429 /92, pois teriam violado dolosamente os deveres de imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições quando conduziram processo licitatório em que participaram apenas pessoas jurídicas com vínculos de parentesco subjetivos, situação esta que poderia ter sido evitada por meio de assessoramento jurídico (art. 38 , parágrafo único , da Lei 8.666 /93). Em relação ao ex-prefeito, representado por seu espólio, entendeu a sentença que sua conduta encontra previsão no art. 10 , XI , da Lei 8.429 /92, condenando-o, assim, ao ressarcimento de R$ 18.011,10, pois teria ele recebido esta verba do FNDE para aplicá-la no programa Recomeço, mas, na condição de responsável pela prestação de contas, não comprovou sua real destinação. 3. Em suas razões recursais, o espólio do ex-gestor aponta que: (i) foi devidamente cumprida a finalidade do Programa Recomeço, e salienta que não houve malversação, desvio, perda ou má aplicação de recursos, desvio de finalidade ou algum outro ato que sugira ilegalidade, ilegitimidade ou anti-economicidade por parte do apelante, o que afasta qualquer imputação a ato de improbidade administrativa; (ii) o efetivo prejuízo ao patrimônio público deve ser demonstrado, sendo insuficiente o dano hipotético; (iii) (...) no caso em exame há a absoluta ausência de dolo e de dano ao erário, uma vez que os cofres da Prefeitura Municipal de Abaetetuba não sofreram qualquer prejuízo, mesmo porque os recurso públicos foram devidamente aplicados, cumprindo sua finalidade, não causando qualquer prejuízo ao erário público, o que desnatura o ato de improbidade administrativa, nos termos regidos pela Lei nº 8.429 /1992.; (iv) O elemento subjetivo dos tipos contidos na Lei de Improbidade é o dolo e apenas o dolo decorrente da vontade do agente público em locupletar-se à custa do erário, enriquecendo-se em detrimento do Poder Público, nunca por mera presunção". 4. Os ex-presidentes da Comissão Permanente de Licitação do Município de Abaetetuba/PA aduzem em seus recursos que limitaram-se a convidar para participar dos convites as três empresas previamente cadastradas junto à Comissão Permanente de Licitação CPL, de acordo com o que determina o art. 22 , § 3º , da Lei 8.666 /93. Afirmam que desconheciam a existência de vínculo subjetivo entre os participantes, situação esta que, por si só, desacompanhada de outros elementos, é incapaz de demonstrar a violação da norma ou atrair o dolo na conduta, destacando também que a ausência de parecer jurídico (art. 38 da Lei 8.666 /93)é erro meramente formal, não caracterizando o dolo, que não pode ser presumido. Pedem o deferimento da justiça gratuita. 5. A existência de parentesco entre os sócios das empresas participantes da licitação não conduz necessariamente à ideia de ato de improbidade, tanto mais que não existe proibição legal que impeça os sócios que tenham parentesco entre si de concorrerem em um certame licitatório. Precedentes. 6. O art. 10 da Lei n. 8.429 /92, alterada pela Lei n. 14.230 /21, prevê que constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei [...]. A deficiência de documentação comprobatória dos gastos na prestação de contas pode ser um sintoma de irregularidades na aplicação dos recursos públicos, mas não traduz, ipso facto, a existência de dano patrimonial, que não pode ser presumido. Não há nos autos nenhuma prova de dolo ou má-fé por parte do ex-gestor, ou que tenha sido dada destinação diversa da pactuada aos valores ora questionados, não bastando inferências ou suposições da existência de dano ao erário. Indenizar significa reparar o dano (tornar indene) com uma compensação ou retribuição pecuniária. Não pode haver responsabilidade civil sem dano material, direto ou indireto, ou mesmo moral, comprovados. 7. É imprescindível, para a aplicação do art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa , que a atuação do agente, em transgressão aos deveres de retidão e de lealdade ao interesse público, fique demonstrada por prova inequívoca e com grau suficiente de gravidade, o que não ficou caracterizado nos autos. 8. No que diz com o pedido de concessão de assistência judiciária, vê-se que nas ações e nos acordos regidos pela Lei de Improbidade Administrativa não haverá adiantamento de custas, de preparo, de emolumentos, de honorários periciais e de quaisquer outras despesas (art. 23-B da Lei n. 8.429 /92, alterada pela Lei n. 14.230 /21). 9. Apelações do Espólio do Ex-Prefeito e dos Ex-Presidentes da Comissão Permanente de Licitação do Município de Abaetetuba/PA providas.