EMENTA: JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE. QUERELA NULLITATIS. CITAÇÃO VIA CORREIOS COM AVISO DE RECEBIMENTO. ESPELHO DO RASTREIO DA CARTA DE CITAÇÃO. ENTREGUE AO DESTINATÁRIO. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÕES ACERCA DO RECEBEDOR. ENUNCIADO Nº 05 DO FONAJE. CITAÇÃO NULA. SENTENÇA CASSADA. I ? Em síntese, o reclamado, ora recorrente, pleiteia a nulidade da sentença proferida nos autos nº 5071870-06, sob a alegação de que houve nulidade de sua citação.Na origem fora reconhecida a revelia da empresa reclamada e prolatada sentença de procedência para: a) condenar a parte reclamada ao pagamento da quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos morais; b) condenar a parte reclamada a restituir à reclamante o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais). Narra a recorrente que figura no polo passivo daqueles autos processuais e que nunca foi citada para apresentar peça de defesa. Salienta que apesar de constar o endereço correto da recorrente até o recebimento de intimação para pagamento da obrigação, não tinha qualquer conhecimento de ação proposta. Aduz que no documento dos correios, apesar de constar como ?entregue ao destinatário?, a empresa recorrente sabia que não tinha sido entregue, porque em tal período encontrava-se fechada. Relata que procurou os correios e de posse do número do rastreamento, verificou que no objeto da citação contêm uma anotação de indicação para que fosse entregue numa empresa vizinha da reclamante, denominada CEBRON, ?provavelmente anotado pelo carteiro que procedeu a entrega?. Obtempera que houve uma confusão do carteiro no momento da entrega, tendo em vista que os nomes, CEBRON, CEBRAMEN, pode induzir a erro, em especial por serem próximas, uma da outra (são vizinhas). Verbera que o documento fornecido pelos correios não tem qualquer assinatura de identificação do recebedor. O juiz de origem julgou improcedente o pleito da querela nullitatis, por entender que: ? Sem delongas, compulsando os autos, verifica-se que a parte autora não assiste razão em seu pleito. É possível observar que a correspondência dos correios foi destinada ao endereço Rua 242, nº 670, Setor Universitário, Goiânia-GO, que é o endereço da parte autora, ademais, não há provas de que a correspondência foi entregue ao CEBROM, conforme alega a parte autora. Não há, portanto, em que se falar em nulidade de citação, tendo ele obedecido os procedimentos legais. Irresignada, a reclamada requer a reforma da sentença recorrida, para que seja reconhecida a nulidade de citação arguida. II- E sabido que o art. 59 , da Lei Federal nº 9.099 /95, veda o manejo de ação rescisória, nos Juizados Especiais: ?Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Art. 59. Não se admitirá ação rescisória nas causas sujeitas ao procedimento instituído por esta Lei?, descabe a utilização de ação anulatória para a mesma finalidade, exceto, em caso de querela nullitatis, decorrente de vício insanável do ato citatório, o que é a hipótese dos autos. Nesse sentido: ?JUIZADO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE. QUERELA NULLITATIS. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS NÃO CONFIGURADA. IMPOSSIBILIDADE DE REITERAÇÃO DE MATÉRIA JÁ APRECIADA. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE DE INTIMAÇÃO. NÃO CABIMENTO DE AÇÃO ANULATÓRIA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. I. (?) V. Ademais, uma vez vedado o manejo de ação rescisória, nos Juizados Especiais, conforme art. 59 , da Lei 9099 /95, descabe a utilização de ação anulatória para a mesma finalidade, exceto e excepcionalmente, em caso de querela nullitatis, decorrente de vício insanável do ato citatório, o que não é a hipótese dos autos.(TJ-DF XXXXX20178070007 DF XXXXX-91.2017.8.07.0007 , Relator: EDILSON ENEDINO DAS CHAGAS, Data de Julgamento: 02/08/2017, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, Data de Publicação: Publicado no DJE: 08/08/2017. III- Desta forma, entende-se que a pretensão da recorrente não se trata de ação rescisória e, sim de querela nullitatis insanabilis. IV- Um dos aspectos que diferencia a querela da ação rescisória compreende o fato de que a actio nullitatis, em razão da natureza dos vícios transrescisórios, pode ser arguida a qualquer momento, pois contra ela não incide o fenômeno da preclusão, não se sujeitando aos prazos decadenciais ou prescricionais. Já a ação rescisória conta com prazo decadencial específico para ajuizamento. Ademais, não há óbice para o seu processamento e julgamento nos Juizados Especiais. Nesse sentido: ?RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE QUERELA NULLITATIS INSANABLIS. ALEGAÇÃO DE VÍCIO INSANÁVEL. EXTINÇÃO DA AÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. CABIMENTO NOS JUIZADOS ESPECIAIS, DEVENDO SER RESPEITADA A COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA. SENTENÇA ANULADA. 1. A ação de querela nullitatis insanablis, apesar de não haver previsão legal no ordenamento pátrio, é admitida por parte da doutrina, a qual reconhece que pode ser proposta a qualquer tempo, não estando sujeita a decadência ou prescrição, cabível nos casos em que se verificar vício insanável, que consequentemente torna inexistente a sentença prolatada. 2. Sobre o tema o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Castro Meira, no voto de vistas do Resp XXXXX/MT , de 23/04/2010, empossou o seguinte entendimento: ?A nulidade absoluta insanável- por ausência dos pressupostos de existência - é vício que, por sua gravidade, pode ser reconhecido mesmo após o trânsito em julgado, mediante simples ação declaratória de inexistência de relação jurídica (o processo), não sujeita a prazo prescricional ou decadencial e fora das hipóteses taxativas do art. 485 do CPC (ação rescisória). A chamada querela nullitatis insanabilis é de competência do juízo monocrático, pois não se pretende a rescisão da coisa julgada, mas apenas o reconhecimento de que a relação processual e a sentença jamais existiram. 3. Pois bem, no caso dos autos, o recorrente alega nulidade da decisão proferida nos autos XXXXX-98.2010.8.16.0014 , por entender que o Juizado Especial Cível seria absolutamente incompetente para julgamento da demanda, em razão do valor da causa. Em que pese o relativismo formal dos Juizados Especiais, os fundamentos invocados pela recorrente, uma vez reconhecidos, poderiam dar ensejo ao reconhecimento da nulidade absoluta do julgado. 4. Desta forma, entendo que a pretensão da recorrente não se trata de ação rescisória e, sim de querela nullitatis insanabilis, não havendo óbice para o seu processamento e julgamento nos Juizados Especiais. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO, resolve esta Turma Recursal, por unanimidade de votos, conhecer do recurso e, no mérito, dar-lhe provimento, nos exatos termos do voto.? (TJ-PR - RI: XXXXX01481600140 PR XXXXX-57.2014.8.16.0014 /0 (Acórdão), Relator: Pamela Dalle Grave Flores, Data de Julgamento: 28/09/2015, 1ª Turma Recursal, Data de Publicação: 07/10/2015). IV ?Tratando-se da forma procedimental, a pretensão de actio nullitatis pode ser arguida por ação declaratória de inexistência do ato e nulidade do processo, ou ainda na forma de embargos à execução, via impugnação ao cumprimento de sentença, ou por simples petição nos autos da ação principal, quando ainda em trâmite. Não obstante o nomen juris adotado ao utilizar-se a querela, o que realmente deve ser levado em consideração é a pretensão aduzida, eis que o processo não teria se formado validamente. Quanto à questão, Ricardo de Barros Leonel (2008, p. 130) manifesta-se da seguinte forma:? Em outras palavras, é correto concluir que a querela nullitatis pode ser veiculada por meio de embargos à execução ou mesmo de exceção de pré-executividade, ação declaratória autônoma, simples petição, mandado de segurança, e até mesmo na própria ação rescisória na hipótese de dúvida objetiva a respeito do cabimento ou não desta demanda?. (Ricardo de Barros. Fatos e atos jurídicos: planos de existência, validade, eficácia e a questão da querela nullitatis. Justitia ? Revista Jurídica, São Paulo, SP: [s.n.], ano 65, n. 199, p. 107-143, jul./dez. 2008). Nesse sentido, Alexandre dos Santos Macedo (2005, p. 38): ?Um outro remédio jurídico para impugnação do vício aqui tratado é o da ação de embargos à execução facultada pelo art. 741 , inciso I, do CPC , na qual está inserta a querela nullitatis. E o réu não foi citado ou o foi nulamente no processo de conhecimento e este lhe correu à revelia, ao ser citado para a execução, estando em curso ou terminado o prazo para a ação rescisória, pode arguir o vício através dos embargos, tal a intensidade da sua gravidade aos olhos do nosso ordenamento processual civil. Os embargos à execução, neste caso, fazem o papel da querela nullitatis?.(MACEDO, Alexander dos Santos Da querela nullitatis: sua subsistência no direito brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005.) V- In casu, era possível para a parte reclamada apresentar em sede de impugnação ao cumprimento de sentença ou até mesmo em exceção de pré executividade, nos próprios autos de processo a postulação de nulidade da citação. Aliás, a parte reclamada exercitou o direito ao protocolar a ação de querela nullitatis insanabilis, dentro do prazo da impugnação ao cumprimento de sentença, tratando-se de equívoco formal. Ademais, verifica-se plenamente possível a fungibilidade das ações impugnativas de decisões judiciais em respeito ao princípio da instrumentalidade das formas e a celeridade processual para fazer o processo como meio de se dar efetividade ao direito pretendido. VI- Nesse toar, possuindo o ato de citação o caráter de pressuposto de validade processual, ora não convalidável por inaplicabilidade do princípio da instrumentalidade das formas, deverá o juiz pronunciar-se de ofício em razão da ocorrência de nulidade absoluta dos atos processuais supervenientes. Eis os ensinamentos do autor Daniel Amorim Assumpção Neves: ?Importante consignar a singularidade da nulidade absoluta gerada nesse caso. A citação válida é considerada tão essencial para a regularidade do processo que sua ausência na demanda judicial gera uma nulidade absoluta sui generis. Como não se convalida nunca, podendo a qualquer momento ser alegado pela parte, até mesmo após o prazo de ação rescisória, por meio da ação de querela nullitatis. Trata-se de vício transrescisório que, apesar de situado no plano da validade, jamais se convalida.? (Manual de Direito Processual. 8º ED. Salvador: Jus Podivm, 2018, p. 172). IV- Analisando detidamente os autos em epígrafe, verifica-se que foi expedida carta de citação, nos autos principais, com Aviso de Recebimento (AR), ao reclamado, sendo por conseguinte anexado nos autos o comprovante de rastreio do AR (evento nº 12 dos autos nº 5071870-06), atestando que a carta fora entregue ao destinatário na data de 31/03/2021 às 17:38. VII- Todavia, não consta o retorno do aviso de recebimento da referida correspondência. VIII- Registre-se que em cumprimento a determinação verbal deste relator, fora diligenciado junto ao 4 º Juizado Especial Cível da Comarca de Goiânia, a fim de saber o paradeiro do Aviso de Recebimento (AR), sendo obtida a seguinte resposta: ?ante a Pandemia poucos Avisos de Recebimentos (AR), tem retornado para o Juizado e que não fora localizado o Ar referente a carta de citação, sendo anexado o registro de rastreamento dos correios. Informou ainda, que os Avisos de Recebimentos (AR), que chegam no juizado, são imediatamente juntados aos autos."IX- Ressalte-se que não consta no respectivo documento (espelho do rastreio de AR) os dados mínimos de identificação pessoal do suposto recebedor, para então se considerar realizada a citação pessoal ou presumida, nos termos da teoria da aparência. X- Não obstante, ao consultar/rastrear a carta de citação, que possui código identificador MI001554346BR, junto ao site da Empresa de Correios eTelégrafos (https://rastreamentocorreios.info/consulta/MI000068762BR) resulta a seguinte mensagem: ?O sistema dos Correios não possui dados sobre o objeto informado.? XI- Dessarte, no âmbito dos Juizados Especiais as regras de citação encontram-se previstas no artigo 18 da Lei 9.099 /95, a qual disciplina em seu inciso I:?Art. 18 . A citação far-se-á: I - por correspondência, com aviso de recebimento em mão própria; (...)?. XII- Na mesma seara, segue orientação do Enunciado nº 05 do Fonaje: ?A correspondência ou contra fé recebida no endereço da parte é eficaz para efeito de citação, desde que identificado o seu recebedor?. XIII- Insta consignar que apesar das respectivas regras de citação terem sido flexibilizadas em virtude das medidas de saúde durante a pandemia, o documento (espelho) da entrega da correspondência de citação no endereço do recorrente, não apresenta os dados mínimos para sua validade, como o endereço que fora efetivamente entregue e dados do recebedor. XIV- A vista disso, resta demonstrada a violação dos princípios do contraditório, ampla defesa e do devido processo legal, vez que não houve a formalização da relação processual de modo válido, ferindo direitos constitucionais previstos no artigo 5º , inciso LV , da Constituição Federal . XV- Desta feita, necessário se faz o reconhecimento da nulidade do ato citatório, e, consequentemente, de todos os atos que o sucederam. Nesse sentido: ?EMENTA: JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. RECURSO INOMINADO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM RESTITUIÇÃO PROPORCIONAL DE IMPORTÂNCIAS PAGAS E PERDAS E DANOS. FALTA DE CITAÇÃO E INTIMAÇÃO VÁLIDA. ARTIGO 18 , I , II III DA LEI N. 9.099 /95. CITAÇÃO E INTIMAÇÃO POR CORREIO, POR MEIO DE CARTA REGISTRADA. REGISTRO DE RASTREAMENTO DOS CORREIOS. INSUFICIENTE PARA COMPROVAÇÃO DO RECEBIMENTO DO MANDADO. INEXISTÊNCIA DE AVISO DE RECEBIMENTO ASSINADO. CITAÇÃO INVÁLIDA. SENTENÇA CASSADA. (?) No caso em tela, a juntada aos autos (eventos nº 21 e 26) dos comprovantes de rastreamento de entrega do objeto não incluem os avisos de recebimentos assinados, sendo inválidos para fins de comprovação da validade da citação e intimação, porque não registram se a referida correspondência foi entregue a pessoa legítima para seu desiderato, deixando de precisar quem recebeu a correspondência, não havendo identificação do receptor, nem mesmo aposição de assinatura. 7. Logo, é notório que as informações contidas no andamento do rastreamento fornecida pela agência dos correios não é suficiente para comprovar a citação válida, o que reflete em violação ao princípio do contraditório e ampla defesa, devendo ser declarada a nulidade processual de todos os atos posteriores ao despacho que determinou a citação e, como consequência, o retorno dos autos ao juízo de origem para prosseguimento e regularização.8. Houve notório prejuízo ao réu, o qual, segundo informações dos autos, somente recebeu a intimação da sentença prolatada nos autos (AR recebido e assinado por terceiro ? evento 32), não tendo nem mesmo sido realizada audiência de conciliação no feito (a qual dispensada pelas partes em razão da pandemia).9. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Sentença cassada, para determinar o retorno dos autos à origem, para prosseguimento do feito. Sem custas processuais e honorários advocatícios (artigo 55, Lei no9.099/95).? (3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Relator- ÉLCIO VICENTE DA SILVA Acórdão Publicado em 14/10/2021 16:01:03 - XXXXX-35.2020.8.09.0051 ). XVI- RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Sentença cassada para determinar o retorno dos autos à origem, para o regular processamento da ação de autos nº 5071870-06, cuja nulidade se declara a partir do ato citatório. Sem custas e honorários advocatícios (art. 55 , Lei nº 9.099 /95).