Tribunal de Justiça do Estado da Bahia PODER JUDICIÁRIO QUARTA TURMA RECURSAL - PROJUDI PADRE CASIMIRO QUIROGA, LT. RIO DAS PEDRAS, QD 01, SALVADOR - BA ssa-turmasrecursais@tjba.jus.br - Tel.: 71 3372-7460 PROCESSO Nº XXXXX-30.2022.8.05.0001 CONFLITO DE COMPETÊNCIA SUSCITANTE: Juiz (a) de Direito do (a) 14ª VSJE DO CONSUMIDOR (VESPERTINO) SUSCITADO (A): Juiz (a) de Direito do (a) 2ª VSJE DO CONSUMIDOR (VESPERTINO) CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. DEMANDA DISTRIBUÍDA PERANTE O JUÍZO SUSCITADO, QUE ALEGA EXISTÊNCIA DE CONEXÃO. ENTRETANTO, PRESENÇA DE CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL NO POLO PASSIVO DA DEMANDA. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO ENTRE O AUTOR E A SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. INCOMPETÊNCIA DE AMBOS OS JUÍZOS DO CONSUMIDOR (SUSCITANTE E SUSCITADO). PROCESSO EXTINTO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. CONFLITO DE COMPETÊNCIA PREJUDICADO. RELATÓRIO Trata-se de conflito negativo de competência suscitado pelo Juízo do (a) 14ª VSJE DO CONSUMIDOR (VESPERTINO), nos autos do processo nº XXXXX-30.2022.8.05.0001 , originariamente distribuído ao Juízo do (a) 2ª VSJE DO CONSUMIDOR (VESPERTINO), sendo que este alega a existência de conexão tendo como referência o processo nº XXXXX-97.2021.8.05.0001 . Nos termos do art. 67 e seguintes do Regimento Interno das Turmas Recursais dos Juizados Especiais em vigor, os autos foram remetidos à 04ª Turma Recursal, sob a minha relatoria, para dirimir o Juízo competente. Ofereço o meu voto, cuja fundamentação deve ser sucinta conforme reza a Lei nº 9.099 /95. VOTO Não obstante os argumentos do Juízo Suscitante e do Juízo Suscitado, entendo que nenhum destes é competente para apreciar a presente demanda. Consoante se verifica na petição inicial colacionada evento nº 01, o "CARTÓRIO LEOPOLDINA, instituição privada, permissionária de serviço público, inscrita no CNPJ/MF 12.XXXXX/0001-81, com endereço na Rua XV de Novembro, 35 – Centro – Colônia Leopoldina – AL CEP XXXXX-000" é parte no presente processo. Entretanto, convém ter em mente o entendimento jurisprudencial sobre a responsabilidade dos titulares de cartórios de serventias extrajudiciais: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL DE NOTAS. ATIVIDADE NOTARIAL. COMPETENCIA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR . INAPLICABILIDADE. INCIDENCIA DO REGIME DE DIREITO PÚBLICO. FORO DA SEDE DA SERVENTIA JUDICIAL OU DE REGISTRO. RECURSO IMPROVIDO. (...) 2. O microssistema de proteção e defesa do consumidor tem por escopo, como reflexo do princípio da igualdade material previsto na Constituição (art. 5º, II, XXXII e 170, V), tutelar um sujeito de direito (pessoa física ou jurídica) notadamente frágil nas relações negociais, seja esta vulnerabilidade de natureza jurídica, econômica ou técnica. 2.1. Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor aos serviços notariais e de registro, diante da ausência de parte vulnerável na relação entre o usuário e o tabelião/registrador que justifique a incidência desta norma protetiva. 2.2. "A atividade desenvolvida pelos titulares das serventias de notas e registros, embora seja análoga à atividade empresarial, sujeita-se a um regime de direito público." (ADC 5, Relator p/ Acórdão: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 11/06/2007) 3. A competência para processar e julgar ação de reparação de danos por ato praticado em serventia notarial ou de registro é o local de sua sede, na forma do art. 53 , III , alínea f , do Código de Processo Civil de 2015 . 4. Agravo de Instrumento conhecido, mas desprovido. (Acórdão XXXXX, XXXXX20188070000 , Relator: GISLENE PINHEIRO, 7ª Turma Cível, data de julgamento: 13/3/2019, publicado no DJE: 25/3/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada.) - Grifei. EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DANO MATERIAL. ATOS E OMISSÕES DANOSAS DE NOTÁRIOS E REGISTRADORES. TEMA 777. ATIVIDADE DELEGADA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO DELEGATÁRIO E DO ESTADO EM DECORRÊNCIA DE DANOS CAUSADOS A TERCEIROS POR TABELIÃES E OFICIAIS DE REGISTRO NO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES. SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. ART. 236 , § 1º , DA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA . RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO PELOS ATOS DE TABELIÃES E REGISTRADORES OFICIAIS QUE, NO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES, CAUSEM DANOS A TERCEIROS, ASSEGURADO O DIREITO DE REGRESSO CONTRA O RESPONSÁVEL NOS CASOS DE DOLO OU CULPA. POSSIBILIDADE. 1. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. Tabeliães e registradores oficiais são particulares em colaboração com o poder público que exercem suas atividades in nomine do Estado, com lastro em delegação prescrita expressamente no tecido constitucional (art. 236 , CRFB/88 ). 2. Os tabeliães e registradores oficiais exercem função munida de fé pública, que destina-se a conferir autenticidade, publicidade, segurança e eficácia às declarações de vontade. 3. O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público e os atos de seus agentes estão sujeitos à fiscalização do Poder Judiciário, consoante expressa determinação constitucional (art. 236 , CRFB/88 ). Por exercerem um feixe de competências estatais, os titulares de serventias extrajudiciais qualificam-se como agentes públicos. 4. O Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa. Precedentes: RE 209.354 AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJe de 16/4/1999; RE 518.894 AgR, Rel. Min. Ayres Britto, Segunda Turma, DJe de 22/9/2011; RE 551.156 AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe de 10/3/2009; AI 846.317 AgR, Relª. Minª. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe de 28/11/13 e RE 788.009 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 19/08/2014, DJe 13/10/2014. 5. Os serviços notariais e de registro, mercê de exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público (art. 236 , CF/88 ), não se submetem à disciplina que rege as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos. É que esta alternativa interpretativa, além de inobservar a sistemática da aplicabilidade das normas constitucionais, contraria a literalidade do texto da Carta da Republica , conforme a dicção do art. 37 , § 6º , que se refere a “pessoas jurídicas” prestadoras de serviços públicos, ao passo que notários e tabeliães respondem civilmente enquanto pessoas naturais delegatárias de serviço público, consoante disposto no art. 22 da Lei nº 8.935 /94. 6. A própria constituição determina que “lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário” (art. 236 , CRFB/88 ), não competindo a esta Corte realizar uma interpretação analógica e extensiva, a fim de equiparar o regime jurídico da responsabilidade civil de notários e registradores oficiais ao das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos (art. 37 , § 6º , CRFB/88 ). 7. A responsabilização objetiva depende de expressa previsão normativa e não admite interpretação extensiva ou ampliativa, posto regra excepcional, impassível de presunção. 8. A Lei 8.935 /94 regulamenta o art. 236 da Constituição Federal e fixa o estatuto dos serviços notariais e de registro, predicando no seu art. 22 que “os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso. (Redação dada pela Lei nº 13.286 , de 2016)”, o que configura inequívoca responsabilidade civil subjetiva dos notários e oficiais de registro, legalmente assentada. 9. O art. 28 da Lei de Registros Publicos (Lei 6.015 /1973) contém comando expresso quanto à responsabilidade subjetiva de oficiais de registro, bem como o art. 38 da Lei 9.492 /97, que fixa a responsabilidade subjetiva dos Tabeliães de Protesto de Títulos por seus próprios atos e os de seus prepostos. 10. Deveras, a atividade dos registradores de protesto é análoga à dos notários e demais registradores, inexistindo discrímen que autorize tratamento diferenciado para somente uma determinada atividade da classe notarial. 11. Repercussão geral constitucional que assenta a tese objetiva de que: o Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa. 12. In casu, tratando-se de dano causado por registrador oficial no exercício de sua função, incide a responsabilidade objetiva do Estado de Santa Catarina, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa. 13. Recurso extraordinário CONHECIDO e DESPROVIDO para reconhecer que o Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa. Tese: “O Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa”. ( RE XXXXX , Relator (a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 27/02/2019, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-175 DIVULG XXXXX-08-2019 PUBLIC XXXXX-08-2019) - Grifei Sobre o tema, vem ainda a calhar trecho do voto proferido pelo Exmo. Des. Relator Nuncio Theophilo Neto, quando do julgamento1 do Agravo de Instrumento nº XXXXX-36.2021.8.26.0000 pela 19ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. In verbis: (...) A questão em discussão diz respeito à interpretação sobre o tema da responsabilidade civil dos notários e registradores. Afasto a aplicação da legislação consumerista, pois os serviços notariais e de registro tem natureza de serviço público, remunerados por verba tributária (emolumentos). Nesse sentido, Paulo Nader1 afirma que, “Apesar de alguma controvérsia a respeito, prevalece o entendimento de que as atividades cartorárias não se enquadram nas prestações de serviços reguladas pelo Código de Defesa do Consumidor . Levada a matéria à consideração do Superior Tribunal de Justiça, a negativa prevaleceu por maioria de votos, vencidos os Ministros Nancy Andrighi e Castro Filho”. Veja-se o julgado do STJ citado pelo doutrinador: PROCESSUAL. ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TABELIONATO DE NOTAS. FORO COMPETENTE. SERVIÇOS NOTARIAIS. - A atividade notarial não é regida pelo CDC . (Vencidos a Ministra Nancy Andrighi e o Ministro Castro Filho). - O foro competente a ser aplicado em ação de reparação de danos, em que figure no pólo passivo da demanda pessoa jurídica que presta serviço notarial é o do domicílio do autor. - Tal conclusão é possível seja pelo art. 101 , I , do CDC , ou pelo art. 100 , parágrafo único do CPC , bem como segundo a regra geral de competência prevista no CPC . Recurso especial conhecido e provido. ( REsp n. 625.144/SP , relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 14/3/2006, DJ de 29/5/2006, p. 232.) Nesse sentido, o entendimento deste Tribunal: RESPONSABILIDADE CIVIL. Danos materiais e morais. Casamento frustrado. Autores que tiveram a celebração de casamento civil cancelada no dia do ato cerimonial perante o Cartório de Registro Civil. Sentença de improcedência. Insurgência dos autores. Inaplicabilidade do CDC . Responsabilidade subjetiva do responsável pela serventia extrajudicial. Celebração do casamento cancelada em virtude da ausência da averbação do divórcio do autor. Documentação entregue ao cartório que se tratava da averbação da separação e não do divórcio. Nubentes que foram devidamente informados acerca da necessidade da apresentação de tal documento e apresentaram documento diverso. Processo de habilitação do casamento em que o autor ocultou ser separado, declarando-se `divorciado` e sem impedimentos para o ato. Eventual constrangimento que decorreu da própria conduta ilícita dos apelantes. Cartório agiu corretamente ao deixar de realizar um ato que seria manifestamente ilegal. Não foi demonstrada a responsabilidade civil a ensejar reparo indenizatório, sendo que, a quem alega incumbe provar a consistência das alegações, nos termos do artigo 373 do CPC . RECURSO DESPROVIDO. (...). Pois bem. Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor aos serviços notariais e de registro, diante da ausência de parte vulnerável na relação entre o usuário e o tabelião/registrador que justifique a incidência desta norma protetiva. (TJSP; Apelação Cível XXXXX-39.2014.8.26.0512 ; Relator (a): Ana Maria Baldy; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Rio Grande da Serra - Vara Única; Data do Julgamento: 04/08/2022; Data de Registro: 05/08/2022; grifei) (...) Dessa maneira, data venia, não se vislumbra a competência dos juizados de defesa do consumidor para apreciar a presente demanda, conquanto ausente a relação de consumo entre o Autor e o Réu acima suscitado. Ante do exposto, voto no sentido de, ex officio, EXTINGUIR O FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, dada a incompetência dos Juízos Suscitante e Suscitado, restando, por conseguinte, PREJUDICADA a resolução do presente conflito de competência. É como voto. Salvador/BA, Data que consta no sistema. ROSALVO AUGUSTO VIEIRA DA SILVA JUIZ SUBSTITUTO ACÓRDÃO Realizado o Julgamento do CONFLITO DE COMPETÊNCIA acima epigrafado, a QUARTA TURMA, composta dos Juízes de Direito indicados no sistema, decidiu à unanimidade, ex officio, EXTINGUIR O FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, dada a incompetência dos Juízos Suscitante e Suscitado, restando, por conseguinte, PREJUDICADA a resolução do presente conflito de competência. Intimem-se. Salvador/BA, Sala das Sessões, em Data que consta no sistema. MARY ANGÉLICA SANTOS COELHO Juíza Presidente ROSALVO AUGUSTO VIEIRA DA SILVA Juiz Substituto 1 - Eis a Ementa do Acórdão respectivo: "AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. Ação ajuizada contra tabelião de notas. Decisão agravada que acolheu preliminar de incompetência relativa e declinou da competência, determinando à remessa dos autos ao foro da sede da serventia. Inconformismo do agravante, que alega que é competente o do seu domicílio, por se tratar de relação consumerista e de ação de reparação de danos em razão de ilícito. Descabimento. Os serviços notariais e de registro tem natureza de serviço público, não são regidos pelo Código de Proteçâo e Defesa do Consumidor . Regra especial do art. 53 , III , f , do CPC , que prevalece em relação à regra geral do inc. V do mesmo dispositivo. Decisão confirmada. Recurso improvido" (TJSP; Agravo de Instrumento XXXXX-36.2021.8.26.0000 ; Relator (a): Nuncio Theophilo Neto; Órgão Julgador: 19ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 18/04/2023; Data de Registro: 18/04/2023) .