CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO, AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXPLORAÇÃO DE RECURSOS ENERGÉTICOS EM ÁREA INDÍGENA. UHE TELES PIRES. LICENÇA DE INSTALAÇÃO. AUTORIZAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL E AUDIÊNCIA PRÉVIA DAS COMUNIDADES INDÍGENAS AFETADAS. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO À NORMA DO § 3º DO ART. 231 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL . EIA/RIMA VICIADO E NULO DE PLENO DIREITO. AGRESSÃO AOS PRINCÍPIOS DE ORDEM PÚBLICA DA IMPESSOALIDADE E DA MORALIDADE AMBIENTAL ( CF , ART. 37 , CAPUT), DA RESPONSABILIDADE SOCIAL, DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO ECOLÓGICO E DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ( CF , ARTS. 225 , CAPUT, E 170, VI). PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO DA DEMANDA. NÃO OCORRÊNCIA. PRELIMINARES DE NULIDADE POR INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO MONOCRÁTICO E DE AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. NÃO CONHECIMENTO. I - Versando a controvérsia instaurada nos autos sobre a regularidade, ou não, do licenciamento ambiental do empreendimento hidrelétrico UHE Teles Pires, a superveniente conclusão desse licenciamento e a concessão da respectiva Licença de Operação, por si só, não tem o condão de caracterizar a perda superveniente do objeto da demanda, eis que, eventual acolhimento da pretensão deduzida, acarretará o reconhecimento da ilegitimidade do aludido licenciamento, e, por conseguinte, dos demais atos que se lhe seguiram, inclusive, da mencionada Licença de Operação. Preliminar rejeitada. II -Resolvida, em sede de agravo de instrumento, a discussão envolvendo a suposta ausência de interesse de agir do suplicante e a incompetência do juízo monocrático, como no caso, afigura-se indevida a renovação desse debate, na apelação interposta, sob pena de violação à autoridade da coisa julgada formal e ao princípio da preclusão consumativa. Preliminares não conhecidas. III - Na ótica vigilante da Suprema Corte, "a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a"defesa do meio ambiente"( CF , art. 170 , VI ), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral (...) O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionaisrelevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações" (ADI-MC nº 3540/DF - Rel. Min. Celso de Mello - DJU de 03/02/2006). Nesta visão de uma sociedade sustentável e global, baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, com abrangência dos direitos fundamentais à dignidade e cultura dos povos indígenas, na justiça econômica e numa cultura de paz, com responsabilidades pela grande comunidade da vida, numa perspectiva intergeracional, promulgou-se a Carta Ambiental da França (02.03.2005), estabelecendo que "o futuro e a própria existência da humanidade são indissociáveis de seu meio natural e, por isso, o meio ambiente é considerado um patrimônio comum dos seres humanos, devendo sua preservação ser buscada, sob o mesmo título que os demais interesses fundamentais da nação, pois a diversidade biológica, o desenvolvimento da pessoa humana e o progresso das sociedades estão sendo afetados por certas modalidades de produção e consumo e pela exploração excessiva dos recursos naturais, a se exigir das autoridades públicas a aplicação do princípio da precaução nos limites de suas atribuições, em busca de um desenvolvimentosustentável. IV - A tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo ( CF , art. 225 , caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a conseqüente prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada). No caso concreto, impõe-se com maior rigor a observância desses princípios, por se tratar de tutela jurisdicional em que se busca, também, salvaguardar a proteção da posse e do uso de terras indígenas, com suas crenças e tradições culturais, aos quais o Texto Constitucional confere especial proteção ( CF , art. 231 e §§), na linha determinante de que os Estados devem reconhecer e apoiar de forma apropriada a identidade, cultura e interesses das populações e comunidades indígenas, bem como habilitá-las a participar da promoção do desenvolvimento sustentável (Princípio 22 da ECO-92, reafirmado na Rio + 20) e Conferência de Paris (COP-21, em 2015. V - Nos termos do art. 231 , § 3º , da Constituição Federal , "oaproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada a participação nos resultados da lavra, na forma da lei". VI - Na hipótese dos autos, a localização da UHE Teles Pires encontra-se inserida na Amazônia Legal (Municípios de Paranaíta/MT, Alta Floresta/MT e Jacareacanga/PA) e sua instalação causará interferência direta no mínimo existencial-ecológico das comunidades indígenas Kayabi, Munduruku e Apiaká, com reflexos negativos e irreversíveis para a sua sadia qualidade de vida e patrimônio cultural em suas terras imemoriais e tradicionalmente ocupadas, impondo-se, assim, a prévia autorização do Congresso Nacional, com a audiência dessas comunidades, nos termos do referido dispositivo constitucional, sob pena de nulidade da licença de instalação autorizada nesse contexto de irregularidade procedimental ( CF , art. 231 , § 6º ). VII - De ver-se, ainda, que, na hipótese dos autos, o EIA/RIMA da Usina Hidrelétrica Teles Pires fora elaborado pela empresa pública federal - EPE, vinculada ao Ministério das Minas e Energia, com capital social e patrimônio integralizados pela União (Lei 10.847 , de 15/03/2004, arts. 1º e 3º ), totalmente comprometida com a realização do Programa deAceleração Econômica ( PAC ) do então Poder Executivo Federal, que é o empreendedor, o proponente e o executor desse projeto hidrelétrico, licenciado pelo Ministério do Meio Ambiente, através do IBAMA, como órgão da administração indireta do próprio Governo Federal, sob rigorosa investigação policial e judicial e já politicamente decaído. Nesse contexto, o licenciamento ambiental das usinas hidrelétricas situadas na bacia hidrográfica do Rio Teles Pires, na Região Amazônica, é totalmente viciado e nulo de pleno direito, por agredir os princípios constitucionais de ordem pública, da impessoalidade e da moralidade ambiental ( CF , art. 37 , caput), da responsabilidade social, da proibição do retrocesso ecológico e desenvolvimento sustentável ( CF , art. 225 , caput, e 170, VI). VIII - Remessa oficial e apelações desprovidas. Sentença confirmada.