EMENTA: JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTA DO FACEBOOK HACKEADA. INVASÃO DE PERFIL DE USUÁRIO POR TERCEIRO. ALTERAÇÃO DE CONTEÚDO E FOTOS DO APLICATIVO. VULNERABILIDADE DO SISTEMA. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. CULPA EXCLUSIVA DO CONSUMIDOR NÃO DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE SOLUÇÃO ADMINISTRATIVA. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM RAZOÁVEL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. ADMISSIBILIDADE. O recurso é adequado. A intimação da decisão que julgara os embargos de declaração se dera em 24/02/2023 (ev. 56). O recurso fora tempestivamente interposto em 08/03/2023 (ev. 57). Preparo apresentado no mesmo evento. Contrarrazões apresentadas (ev. 60). Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, deve ser conhecido o recurso. 2. EXORDIAL. Trata-se de ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais, na qual a autora alegara que na madrugada do dia 06/08/2021 a autora recebera uma cadeia de e-mails informando sobre um possível acesso não autorizado a sua conta do Facebook, mas só verificara as mensagens pela manhã, tomando conhecimento do acesso a conta, alteração de senha e dados cadastrais. Seguindo orientações constantes nos e-mails, enviara documento de identificação para recuperação da conta e informara que não realizara nenhuma alteração na mesma, mas não tivera sucesso na recuperação da conta, permanecendo sem acesso. Observara que, como advogada, várias pessoas entravam em contato com a autora por meio do seu escritório online na plataforma JUSBRASIL, através de uma publicação ou artigo publicado na sua página do Facebook. Com isso, a perda do acesso a sua conta causara evidente prejuízo em sua vida, razão pela qual pedira o restabelecimento da conta do Facebook pertencente a autora, bem como a condenação do requerido ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais). 3. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA ? evento 5. Fora deferida a antecipação de tutela para determinar o restabelecimento da rede social em nome da autora, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de multa diária no valor de R$ 100,00 (cem reais), limitada a R$ 5.000,00 (cinco mil reais). 4. CONTESTAÇÃO ? evento 15. Aduzira a parte promovida que os fatos que originaram a presente ação (invasão da conta por terceiros), não se deram por conduta do Facebook Brasil e no contrato estipulado entre as partes consta expressa disposição de que os usuários não podem compartilhar sua senha ou deixar outra pessoa acessar seu perfil. Destacara que disponibiliza diversos recurso e dicas de segurança, de forma que a responsabilidade pela segurança da conta é de cada usuário, não havendo que se falar em falha na prestação do serviço. Assim como nos embargos de declaração opostos no evento 13, apontara a necessidade de indicação de e-mail seguro para que possibilite o envio de link para o restabelecimento de acesso ao perfil em questão. Alegara a inexistência do dever legal de guarda de conteúdos e atividades dos usuários pelos provedores de aplicação de internet, não havendo que se falar em recuperação do perfil com as suas funcionalidades, postagens e seguidores previamente existentes. Por fim, defendera o descabimento do pedido indenizatório por inexistência de ato ilícito por parte do requerido. 5. IMPUGNAÇÃO À CONTESTAÇÃO ? evento 45. A parte promovente refutara os argumentos da contestação, enfatizando que a responsabilidade do requerido é objetiva, visto que não tivera nenhuma resposta do suporte para reaver a conta, caracterizando a falha na prestação de serviços e o dever de indenizar. Reforçara os argumentos e pedidos iniciais. 6. SENTENÇA ? evento 47. O juízo singular julgara procedentes os pedidos iniciais, condenando a requerida a restabelecer o serviço de acesso na plataforma rede social Facebook em nome da autora, bem como ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Fundamentara: A responsabilidade do fornecedor de serviço é objetiva e somente pode ser afastada quando restar demonstrada a inocorrência de falha ou que eventual fato do serviço decorreu de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, à luz do que preceituam os arts. 6º , VI e 14 do CDC . A contestação é genérica, limitando-se o réu a afirmar que toma todas as medidas necessárias de segurança para preservar os perfis, e que a autora teria utilizado senha não adequada em seu perfil, facilitando a ação de terceiros. A par dos valorosos argumentos trazidos pela requerida, verifico que esta não comprovou a prestação regular dos serviços, não demonstra a razão de não haver suspendido o perfil da Autora, embora comunicado que havia sido invadido por terceiros, com intuito de aplicar golpes e obter dinheiro sem qualquer ação da plataforma. Não há que se imputar à usuária falha no resguardo de sua senha, já que atualmente estas ações de terceiros, em crimes cibernéticos, vem se tornando mais sofisticadas, causando danos aos mais diversos tipos de usuários. Logo, mesmo ciente do problema narrado pela usuária, o réu restou silente e inerte. 7. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ? evento 50. A parte requerida opusera embargos declaratórios, alegando que a sentença fora omissa por não ter reconhecido que a obrigação fora cumprida na máxima extensão possível, ante o envio de link de procedimento de recuperação de perfil ainda no ano de 2021. Embargos não acolhidos pela decisão do evento 54. 8. RECURSO INOMINADO ? evento 57. Irresignada, a parte promovida interpusera recurso inominado, afirmando que fora iniciado o processo de recuperação do perfil em questão através do e-mail aadmadv2021@gmail.com em 27 de dezembro de 2021, tendo a autora recuperado o acesso, cumprindo-se, portanto, a obrigação. Com isso, caso ainda esteja enfrentando problemas de acesso, a determinação de restabelecimento deve ser condicionada à prévia indicação pela recorrida de novo e-mail seguro e não vinculado a nenhuma conta nos serviços Instagram ou Facebook. Reforçara a responsabilidade do usuário pela senha cadastrada para acesso a conta, e a ausência de ato ilícito praticado pela recorrente, não havendo que se falar em dever de indenizar. Com isso, pedira que seja reconhecido o cumprimento da obrigação ou que a ordem de restabelecimento seja condicionada à indicação de novo e-mail seguro e válido para envio de link de procedimento de recuperação do acesso, bem como a reforma da sentença para afastar a condenação em indenização por danos morais ou, subsidiariamente, a redução do quantum indenizatório. 9. CONTRARRAZÕES ? evento 60. A parte autora/recorrida repisara e reforçara argumentos anteriores, salientando que houvera falha na prestação de serviços, permitindo que terceiros pudessem hackear sua conta; informara e-mail válido para reativação da conta, logo, pretende a parte recorrente apenas se livrar das obrigações determinadas na sentença; que a recorrente nada tem feito para devolver a página à recorrida; que os motivos para a indenização estão estampados na falha na prestação de serviços e vazamento de dados da parte autora para terceiros. Pugnara pela manutenção da sentença. 10. FUNDAMENTOS DO REEXAME 10.1 DO MARCO CIVIL DA INTERNET . Em relação aos aspectos legais que envolvem a presente lide, oportuno observar que o Marco Civil da Internet estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, além de determinar as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria, tendo como fundamento o respeito à liberdade de expressão, comunicação e manifestação do pensamento (arts. 2º, 3º, I, 4º, II, e 8º), sem se olvidar da proteção à intimidade e à privacidade, resguardando eventual indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (arts. 3º, II, 7º, I e 8º). Cumpre elucidar, ainda, que o recorrente se enquadra como provedor de acesso e de conteúdo, nos termos do Marco Civil da internet (Lei nº 12.965 /14), podendo-se defini-lo como Provedor de Aplicação de Internet (PAI). 10.2. DA RESPONSABILIDADE PELA INVASÃO DA CONTA DE REDE SOCIAL. A apropriação da conta da recorrida por terceiro não fora negada pela recorrente, a qual apenas procurara responsabilizar a responsabilidade do usuário em zelar pela segurança, a fim de ter maior proteção de suas informações pessoais. A recorrente não se desincumbira em comprovar a ocorrência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da recorrida, nos termos do art. 373 , inciso II , do CPC , vez que muito embora tenha alegado, não demonstrara que procedera com a recuperação da conta no serviço Facebook após a denúncia da invasão. 10.3. DA FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. É de conhecimento notório que agentes criminosos, utilizando de moderna tecnologia, são capazes de invadir os sistemas digitais, clonando contas, descobrindo senhas, bem como dados pessoais dos consumidores, a fim de lhes aplicar golpes, ou ter acesso a dados dos usuários, como o objeto desta demanda. Em consonância com o art. 14 , § 1.º da Lei n.º 8.078 /90, o serviço prestado pela recorrente fora defeituoso, pois não fornecera a segurança que dele se pode esperar, mormente se considerado o modo de seu fornecimento, o qual não permite a certeza da autoria do acesso de terceiros à conta de Facebook registrada em nome da recorrida. Impende destacar que eventual imposição, redução ou revogação da multa/astreintes fixadas pelo juízo singular, a parte recorrente não demonstrara nenhuma abusividade ou ilegalidade no arbitramento realizado, devendo este ser mantido. Ressalta-se que questões atinentes ao descumprimento da ordem judicial deverão ser apreciadas pelo juízo a quo na fase de cumprimento de sentença. 10.4. DOS DANOS MORAIS. Com relação aos danos morais, ainda que a má prestação dos serviços, isoladamente considerado, não se mostre suficiente à configuração do dano moral, no caso concreto, a situação vivenciada (perda do acesso ao perfil em rede social da recorrida, ineficiência dos mecanismos de recuperação da conta e demora na resolução do problema) ultrapassa a esfera do mero aborrecimento e constitui afronta aos atributos da personalidade, a subsidiar a pretendida reparação ( CF , art. 5º , V e X ). Com isso, deve ser mantida a sentença e a condenação da parte recorrente a indenização por danos morais. 10.5. DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. Com relação ao montante da condenação por danos morais (R$ 5.000,00), entendo que afigura ter sido o valor razoável e proporcionalmente fixado, por ser valor usualmente aplicado em hipóteses similares, razão pela qual deve ser mantido. 11. DISPOSITIVO. Diante do exposto, pelas razões escandidas, deve ser a sentença mantida. Recurso conhecido e desprovido. Custas e honorários pela parte recorrente, sendo estes fixados em 20% sobre o valor da condenação.