RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015 /2014 E ANTERIOR À LEI 13.467 /2017. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA EM FACE DE ENTE PÚBLICO. DESVIRTUAMENTO DO CONTRATO DE ESTÁGIO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A controvérsia ora em exame cinge-se em perquirir a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar a presente ação civil pública, na qual se encontra incontroversamente em discussão a alegação de desvirtuamento do contrato de estágio e de pagamento irregular das "bolsas-auxílios" para os estagiários, tendo o ente público como parte beneficiária dos serviços prestados. De início, pertine ponderar que, em se tratando das relações jurídico-laborais envolvendo estagiários, tem-se, na composição do tipo legal do estágio, como essencial que compareçam os requisitos formais e materiais específicos ao delineamento da figura - sem os quais não se considera tipificada essa relação jurídica especial e excetiva de trabalho intelectual não empregatício. Assim, se, diante de minuciosa análise, em cada caso concreto, constatar-se a ausência dos requisitos legais obrigatórios - formais e materiais -, ocorrendo desvirtuamento do contrato de estágio, impõe-se o consequente reconhecimento do vínculo empregatício. Ressalte-se que a jurisprudência desta Corte Superior considera desvirtuado o contrato de estágio quando inexiste correlação entre as atividades desempenhadas pelo estudante no estágio e o seu curso de formação, entendendo, então, pela caracterização do vínculo de emprego, se presentes os requisitos para tanto. É patente que se excetuam dessa possibilidade de declaração de vínculo empregatício, surgida a partir da descaracterização do contrato de estágio, os casos envolvendo entes públicos, diante da proibição constitucional que emana do art. 37 , II , da Lei Maior . Assim, chega-se à ilação de que, em razão de a discussão para se aferir se houve efetivamente desvirtuamento do contrato de estágio demandar a perquirição em torno da presença de pressupostos tipicamente trabalhistas ou os previstos na Lei nº 11.788 /2008, a competência jurisdicional para processar e julgar lides que possuem como objeto a alegação de ter ocorrido referido desvirtuamento do estágio deve ser atribuída à Justiça do Trabalho - seja com fundamento no inciso IX do art. 114 da Lei Maior , ou até mesmo, com fulcro no inciso I do mesmo dispositivo constitucional - na medida em que, com o advento da EC 45/04, a Justiça do Trabalho teve sua competência ampliada, passando a processar e julgar ações oriundas de relação de trabalho, e não apenas de relação de emprego. Por outro lado, não se desconhece o teor da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do mérito da ADI XXXXX-6/DF, no sentido de que "A interpretação adequadamente constitucional da expressão"relação do trabalho"deve excluir os vínculos de natureza jurídico-estatutária , em razão do que a competência da Justiça do Trabalho não alcança as ações judiciais entre o Poder Público e seus servidores". (STF - Plenário - Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI-3.395 / Distrito Federal. Relator: Min. Alexandre de Moraes, data de publicação DJE 06/10/2020). Também é cediço a existência de julgados da SBDI-1 do TST e do STF declarando a competência da Justiça Comum para julgar lides envolvendo questões administrativas dos contratos de estágio. Pode-se entender, contudo, que a discussão envolta ao caso dos autos não estaria abrangida pelos efeitos do referido julgamento da ADI XXXXX-6/DF, pelo STF, por não se deduzir pedido ou causa de pedir afetos à relação jurídico-administrativa, mas, sim, em face de a controvérsia em exame compreender desvirtuamento do contrato de estágio - hipótese para a qual, nos moldes dos fundamentos expostos acima, faz-se cabível declarar a competência da Justiça do Trabalho . Na hipótese em exame, a indicação como causa de pedir do reconhecimento de desvirtuamento do contrato de estágio, consistiu nas acusações - extraídas do Inquérito Civil - no sentido de que "Os trechos transcritos evidenciam que os 263 estudantes admitidos pela municipalidade são estagiários apenas formalmente, pois, na prática, têm as mesmas responsabilidades e são submetidos ao mesmo grau de exigência que seus empregados. Logo, evidente o desvirtuamento do estágio". Logo, por se estar efetivamente perquirindo desvirtuamento do contrato de estágio, pode-se concluir pela competência da Justiça do Trabalho, com fundamento nos incisos IX e I do art. 114 da Constituição Federal . Julgados do TST. Recurso de revista conhecido e provido.