E M E N T A PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. “OPERAÇÃO AKE” (GRUPO CRIMINOSO ORGANIZADO DEDICADO AO TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS). REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA INDEFERIDA. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ARTIGO 312 DO CPP . EXCESSO DE PRAZO NÃO CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA. - Segundo consta, o inquérito policial nº IPL XXXXX/PF.CAS.SP (autos nº 0 000424-74.2019.403.6105 e medida cautelar nº 000426-44.2019.403.6105 - 1ª Vara Federal em Campinas/SP) foi instaurado para apurar o envolvimento do paciente, JEFERSON DA SILVA GONÇALVES e outros investigados, em uma suposta organização criminosa que estaria sistematicamente embarcando grande quantidade de cocaína para o continente europeu em carga destinada à exportação, a partir do Aeroporto Internacional de Viracopos (Campinas/SP), no âmbito da “Operação Ake” (Repressão a Crimes de Tráfico Internacional de Drogas), destacando-se como as principais características desta organização: caráter transnacional, pluralidade de agentes, estabilidade ou permanência, finalidade de lucro, divisão funcional de tarefas, multiplicidade de condutas criminosas, emprego de modernas tecnologias, mercado ilícito (tráfico de drogas) e lavagem de dinheiro. Nesse passo, teriam sido realizadas diversas apreensões de drogas ao longo de 2019, a saber, 58 Kg de cocaína em 20.02.2019 na área restrita de segurança (ARS) do Aeroporto Internacional de Viracopos - Campinas/SP (IPL Nº 126/2019-PF/CAS/SP); 48 Kg de cocaína em 16.07.2019 na área restrita de segurança (ARS) do Aeroporto Internacional de Viracopos - Campinas/SP (IPL Nº 529/2019-PF/CAS/SP); 22 kg de cocaína em 16.07.2019 no Aeroporto Internacional de Lisboa/Portugal; 12 kg de cocaína em 22.08.2019 na área restrita de segurança (ARS) do Aeroporto Internacional de Viracopos-Campinas/SP (IPL Nº 582/2019-PF/CAS/SP (EPOL IPL 2019.0003571-PF/CAS/SP) e 22 kg de cocaína em 27.08.2019 na área restrita de segurança (ARS) do Aeroporto Internacional de Viracopos-Campinas/SP - IPL Nº 2019.0003795-DPF/CAS/SP - Diante da complexidade da suposta organização criminosa e a distribuição das tarefas para a consecução da atividade criminosa, a autoridade policial dividiu os indivíduos que a compõe em 03 (três) núcleos de atuação, a saber: Núcleo de Operadores Aeroportuários; Núcleo de Operadores Externos e Núcleo de Operadores na Europa - No curso das apurações foi possível mapear o modus operandi da organização criminosa que opera no complexo aeroportuário, bem como identificar diversos indivíduos que a comporiam e participariam do suposto esquema de tráfico internacional de drogas, dentre eles JEFERSON DA SILVA GONÇALVES. Após manifestação favorável do Ministério Público Federal, o juízo impetrado acolheu a representação policial, determinando a prisão preventiva do paciente, nos autos nº XXXXX-16.2020.4.03.6105 (autos principais nº 000424-74.2019.403.6105 -IPL 126.2019 e autos XXXXX-44.2019.403.6105 -medidas cautelares/monitoramento eletrônico), com fundamento na garantia da ordem pública - A prisão preventiva do paciente restou cumprida em 22.02.2021 - Em 09.11.2021, a autoridade impetrada após reavaliar os elementos que levaram à decretação da prisão preventiva, em cumprimento ao quanto disposto no artigo 316 , parágrafo único , do Código de Processo Penal (incluído pela Lei nº 13.964 /2019), entendeu necessária a manutenção da prisão preventiva do paciente - As decisões de decretação e manutenção da prisão cautelar do paciente, assentadas nos fundamentos acima expostos, não padecem de qualquer ilegalidade, fundadas que se encontram nos requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal . Como se observa, a custódia cautelar revelou-se necessária com base em dados concretos coletados, não se tratando de meras ilações acerca da gravidade abstrata do ocorrido - Nos termos do artigo 312 , caput, do Código de Processo Penal , com a alteração trazida pela Lei nº 13.964 , de 24.12.2019, a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado - Consigne-se que tal privação de liberdade deve ser analisada sempre com supedâneo na cláusula rebus sic stantibus, vale dizer, os pressupostos autorizadores da preventiva devem estar presentes no momento de sua decretação bem como ao longo do período de sua vigência - Forte na convicção de que (a) a aplicação do art. 316 , parágrafo único , do Código de Processo Penal , deve ser permeada e tomada com supedâneo nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, vetores empregáveis quando colidentes postulados de índole constitucional, (b) o direito de toda sociedade a ter segurança (art. 5º , caput, da Constituição Federal ) deve ser levado em consideração tanto quanto o direito individual à presunção de não-culpabilidade, (c) a regra do art. 316 , parágrafo único , do Código de Processo Penal , tem vocação para ser aplicada apenas no âmbito do órgão jurisdicional que acabou por decretar a custódia cautelar preventiva (não espraiando efeitos, segundo prevalente entendimento jurisprudencial da lavra do C. Superior Tribunal de Justiça, no seio de Cortes de Apelação), imperioso o refutamento do pleito de reavaliação da prisão preventiva cominada aos pacientes apenas porque transcorreram 90 (noventa) dias da data de sua decretação pelo magistrado monocrático - Observa-se que não foi trazido aos autos nenhum dado que altere o panorama fático processual que ensejou a decretação da prisão preventiva do paciente, de modo que permanecem presentes os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal - A decisão que decretou a prisão preventiva do paciente teve por fundamento a existência de indícios suficientes da autoria e materialidade, assim como a garantia da ordem pública, ressaltando que as investigações teriam apontado que o paciente teria participado da ação criminosa que resultou na apreensão de 22 kg de cocaína no Aeroporto Internacional de Lisboa/Portugal, em 16.07.2019, bem como da ação criminosa constante no IPL Nº 582/2019--PF/CAS/SP - apreensão de 12 kg de cocaína na “Área Restrita de Segurança” (ARS) do Aeroporto Internacional De Viracopos (Campinas/SP), no dia 22.08.2019, concluindo haver indícios suficientes de sua eventual participação em uma grande organização criminosa baseada em Campinas, com possíveis ramificações em diversos Estados da federação brasileira, na qual o paciente teria por função principal a inserção de cocaína na “Área Restrita de Segurança” do Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas/SP - A prova da materialidade e os indícios de autoria encontram-se estampados nos elementos colhidos durante a investigação e indicam, neste momento, que os denunciados, possivelmente associados à organização criminosa que se utiliza do Aeroporto Internacional de Viracopos em Campinas para transportar grande quantidade de cocaína para o continente europeu, supostamente praticaram os crimes de tráfico internacional de drogas e organização criminosa, bem como lavagem de capitais. Nesse prisma, bem salientou o juízo a quo: "A análise minuciosa desenvolvida pela unidade de inteligência policial fornece os detalhes de como os integrantes da organização criminosa planejaram e executaram os atos de exportação de cocaína para Europa, a partir do Aeroporto Internacional de Viracopos, restando revelada a potencialidade lesiva da organização criminosa, que atua com plena capacidade operacional para exportar grandes carregamentos de droga (mais de 150 Kg de cocaína), conforme se afere das diversas apreensões levadas a efeito ao longo dos últimos meses. Tais apreensões constituem prova da materialidade dos delitos investigados. Todas as ações/eventos delitivos até aqui identificados encontram-se pormenorizadamente analisados na representação (item 3). São eles: EVENTO 1 - IPL Nº 126/2019-PF/CAS/SP- APREENSÃO DE 58 KG DE COCAÍNA NA “ÁREA RESTRITA DE SEGURANÇA” (ARS) DO AEROPORTO INTERNACIONAL DE VIRACOPOS (CAMPINAS/SP) - DIA 20/02/2019; EVENTO 2 - IPL Nº 529/2019-PF/CAS/SP - APREENSÃO DE 48 KG DE COCAÍNA NA “ÁREA RESTRITA DE SEGURANÇA” (ARS) DO AEROPORTO INTERNACIONAL DE VIRACOPOS (CAMPINAS/SP) - DIA 16/07/2019; EVENTO 3 - APREENSÃO DE 22 KG DE COCAÍNA NO AEROPORTO INTERNACIONAL DE LISBOA/PORTUGAL - DIA 16/07/2019; EVENTO 4 - IPL Nº 582/2019-PF/CAS/SP (EPOL IPL 2019.0003571-PF/CAS/SP) - APREENSÃO DE 12 KG DE COCAÍNA NA “ÁREA RESTRITA DE SEGURANÇA” (ARS) DO AEROPORTO INTERNACIONAL DE VIRACOPOS (CAMPINAS/SP) - DIA 22/08/2019; EVENTO 5- IPL Nº 2019.0003795-DPF/CAS/SP - APREENSÃO DE 22 KG DE COCAÍNA NA “ÁREA RESTRITA DE SEGURANÇA” (ARS) DO AEROPORTO INTERNACIONAL DE VIRACOPOS (CAMPINAS/SP) - DIA 27/08/2019 Com a identificação de diversos alvos do referido esquema criminoso, a autoridade policial representou pela decretação de prisão temporária, expedição de mandados de busca e apreensão, sequestro de bens e valores, dentre outras medidas que foram deferidas por este Juízo, tendo sido deflagrada operação especial pela Polícia Federal em 06.10.2020, quando foram cumpridos os mandados judiciais expedidos e implementadas as demais medidas postuladas nos vários inquéritos que apuram o esquema criminoso. Todos os investigados, cuja segregação preventiva ora se requer, cumpriram a prisão temporária decretada por este Juízo. (...) Além da divisão de funções entre os participantes do grupo, restou comprovado o ânimo de associação de caráter estável e permanente para o cometimento de inúmeros delitos. Não há de se falar em ações isoladas diante do conjunto probatório que bem demonstra a atuação de uma complexa estrutura operacional montada pelos criminosos para exportar cocaína, a partir do Aeroporto Internacional de Viracopos, para o continente europeu. Os fundados indícios de autoria em face dos investigados foram apresentados ao longo da presente representação, de forma detalhada, a partir das provas coletadas, principalmente na transcrição minuciosa dos autos circunstanciados decorrentes do monitoramento telefônico. A autoridade policial logrou individualizar as condutas praticadas por cada um dos envolvidos, tendo correlacionado os crimes e seus supostos autores na bem elaborada síntese contida no item 6, acima transcrita” - Note-se que somente com o aprofundamento das investigações é que se revelaram o modo de execução dos crimes, seus possíveis membros e a continuidade das ações delitivas, possibilitando as prisões preventivas decretadas nos autos subjacentes - O Supremo Tribunal Federal, com efeito, já se manifestou no sentido de que" a custódia cautelar visando a garantia da ordem pública legitima-se quando evidenciada a necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de integrantes de organização criminosa "(RHC XXXXX/MG, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 04.05.2021). Assim, fica nítida a gravidade em concreto das condutas imputadas e a imprescindibilidade da prisão preventiva para assegurar a ordem pública, por meio da cessação das atividades do suposto grupo criminoso - Trata-se de crime doloso punido com pena privativa de liberdade máxima superior a 04 (quatro) anos, restando configurada a hipótese autorizativa do artigo 313 , inciso I , do Código de Processo Penal - Eventuais condições favoráveis, como residência fixa, família constituída e ocupação lícita não constituem circunstâncias aptas a garantir a revogação da prisão preventiva, quando existem outros elementos que justificam a necessidade da segregação cautelar, como se observa no caso em tela. ( HC XXXXX/SP , Rel. Min. Felix Fischer, DJ 18.02.2021) - De outro lado, observa-se que não foi trazido pelo impetrante nenhum dado que altere o panorama fático processual que ensejou a decretação da prisão preventiva do paciente, de modo subsistem seus pressupostos legais e constitucionais. Desse modo, não cabe a substituição da prisão preventiva do paciente por medidas cautelares alternativas tendo em vista a gravidade e complexidade das supostas condutas, conforme noticiado nos autos subjacentes, já que tais cautelares não seriam suficientes para evitar as atividades da organização criminosa investigada - A decisão impugnada está devidamente fundamentada, em observância aos arts. 5º , LXI , e 93 , IX , ambos da Constituição Federal , estando alicerçada em elementos concretos, os quais demonstram a necessidade de decretação da prisão preventiva nos termos do que dispõe o artigo 312 do Código de Processo Penal - Ordem denegada.