TJ-RJ - APELAÇÃO: APL XXXXX20148190083 202105007319
APELAÇÃO. CONDENAÇÃO PELOS CRIMES DOS ARTIGOS 121 , § 1º , § 2º , INC. IV E 121 , § 1º , AMBOS NA FORMA DO ART. 14 , INC. II , EM CONCURSO MATERIAL, TODOS DO CÓDIGO PENAL . RÉU SUBMETIDO À NOVO JÚRI, EM RAZÃO DE ACÓRDÃO PROFERIDO POR ESTE ÓRGÃO COLEGIADO, QUE DESCONSTITUIU A DECISÃO ABSOLUTÓRIA ANTERIOR, A QUAL SE MOSTROU MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA ÀS PROVAS DOS AUTOS. RECURSO DEFENSIVO QUE ARGUI, PRELIMINARES 1) DE NULIDADE DA SESSÃO PLENÁRIA, AO ARGUMENTO: 1.1) DE OFENSA AO ARTIGO 478 , I DO CPP , EIS QUE O MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO TERIA FEITO ¿UTILIZAÇÃO OSTENSIVA DO ACÓRDÃO (ACIMA INDICADO) DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA COMO FORMA DE AMPARAR A PRETENSÃO CONDENATÓRIA¿; E 1.2) DE INDEVIDA REPETIÇÃO DA VOTAÇÃO DO QUARTO QUESITO DA SEGUNDA SÉRIE (VÍTIMA CARLOS ALBERTO). NO MÉRITO, PLEITEIA: 2) CASO NÃO SE ENTENDA PELA NULIDADE DA NOVA VOTAÇÃO DO QUESITO, QUE SEJA MANTIDA A ABSOLVIÇÃO, QUANTO À VÍTIMA CARLOS ALBERTO, CONFORME A PRIMEIRA VOTAÇÃO REALIZADA; 3) A APLICAÇÃO DA PENA ABAIXO DO PATAMAR MÍNIMO COMINADO, ANTE O RECONHECIMENTO DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA FEITA PELO RÉU; E 4) A REDUÇÃO DA PENA NA FRAÇÃO DE 2/3, ANTE A INCIDÊNCIA DA TENTATIVA EM AMBOS OS DELITOS. RECURSO CONHECIDO, COM O ACOLHIMENTO DA 2ª QUESTÃO PRELIMINAR. No primeiro julgamento do réu pelo Tribunal do Júri, o Juiz primevo, em conformidade com a decisão do corpo de Jurados, julgou improcedente o pedido punitivo inaugural, absolvendo o mesmo, da imputação de prática dos delitos previstos nos artigos 121 , § 1º , § 2º , inc. IV e 121 , § 1º , ambos na forma do art. 14 , inc. II , em concurso material, todos do Código Penal . Interposto recurso de apelação pelo órgão ministerial, esta Câmara Criminal proferiu Acórdão para desconstituir a decisão do Conselho de Sentença, manifestamente contrária à prova dos autos, e determinar a submissão do réu a novo julgamento. Realizado novo julgamento, o Magistrado a quo, acolhendo a nova decisão do Conselho de Sentença, julgou procedente a pretensão punitiva estatal, resultando o réu nominado condenado pelo cometimento dos delitos insertos nos artigos 121 , § 1º , § 2º , inc. IV e 121 , § 1º , ambos na forma do art. 14 , inc. II , em concurso material, todos do Código Penal , às penas finais de 06 (seis) anos de reclusão, em regime de cumprimento, inicialmente, semiaberto, além do pagamento das despesas processuais. De proêmio, destacam-se as questões preliminares suscitadas pela Defesa, antecedentes ao exame do mérito, as quais buscam o reconhecimento da nulidade da Sessão de Julgamento do Tribunal do Júri. Argui-se, inicialmente, suposta ofensa à norma do artigo 478 , I do CPP , aduzindo-se que o membro do Parquet, durante a Sessão Plenária, teria feito ¿utilização ostensiva¿ do Acórdão, proferido por este órgão colegiado, que determinou a submissão do apelante a novo julgamento, ¿como forma de amparar a pretensão condenatória¿. A esse respeito, cumpre assinalar que, a referida menção apenas foi realizada pelo órgão do Ministério Público, em tréplica, após a Defesa ter feito, em sua sustentação anterior, referências sobre a absolvição pretérita do réu, e que somente estava sendo realizado novo julgamento em razão da determinação deste Tribunal de Justiça, ainda que proferida em contrariedade ao parecer proferido pela Procuradoria de Justiça, o qual foi detalhadamente mencionado pela Defesa. Assim, conforme se observa da assentada da Sessão plenária, o órgão ministerial, ¿de modo muito passageiro¿, apenas referiu-se à reforma da decisão absolutória anterior, o que, inclusive, já havia sido relatado pela própria Defesa, não se observando, neste contexto, qualquer infringência ao disposto no inciso I do artigo 478 do CPP , sendo oportuno registrar que, além de tal dispositivo legal sequer fazer menção à Acórdão que determina nova realização de Júri, tal documento consta incrustado nos autos, aos quais os Jurados têm pleno acesso. Precedentes. Acresça-se, ainda, não se extrair dos autos que, a Defesa tenha exposto qualquer relação concreta idônea entre a alegada irregularidade e possíveis prejuízos, que o réu possa ter sofrido em sua defesa, pelo que aplica-se à espécie o princípio pas de nullité san grief, vigente em nosso ordenamento processual penal. Primeira preliminar suscitada que se rejeita. Passando-se à análise da segunda questão preliminar, observa-se assistir razão à Defesa, quanto à impossibilidade, in casu, de determinação a novo escrutínio dos jurados de um dos quesitos, que, segundo o Juiz Presidente do Júri, estaria em contradição com as respostas dos demais quesitos votados. Com efeito, não se olvida que, nos termos do que preconiza o artigo 490 do CPP , verificando contradição entre as respostas dadas aos quesitos, deve o Magistrado primevo esclarecer a questão aos jurados e, assim, promover nova votação. Todavia, não é esta a situação que se apresenta nos autos. Conforme se observa das peças, que compõem o presente recurso, foram realizadas duas séries de quesitos, uma para cada vítima dos crimes de homicídio, Alexandre e Carlos Alberto. Assim, os jurados responderam afirmativamente quanto à materialidade dos homicídios e à autoria dos mesmos imputados pelo réu, tendo, ainda, decidido, por 04 votos a 03, que não o absolviam quanto ao delito praticado contra a vítima Alexandre, porém, também por maioria, votaram pela absolvição do réu, em relação ao crime praticado contra a outra vítima, Carlos Alberto. Neste cenário, justificou o Magistrado a suposta incoerência na resposta dos quesitos, mencionando que, ¿considerada a identidade dos fatos¿, não poderiam os jurados ter votado pela condenação do réu, em relação à vítima Alexandre, e, ao mesmo tempo, pela absolvição quanto à vítima Carlos Alberto, razão pela qual determinou que fosse realizada nova votação somente em relação a este último (Carlos Alberto). No entanto, é importante analisar-se a dinâmica delitiva do caso concreto, na qual o réu, ao tomar conhecimento de que seu filho teria sido vítima de um estupro praticado por seu padrasto (a ora vítima Alexandre), dirigiu-se à casa de sua ex-esposa e, lá encontrando Alexandre, desferiu golpes da faca contra o mesmo, ocasião em que Carlos Alberto (a outra vítima) interveio, sendo também atingido pelas facadas. Ou seja, não há dúvidas de ter resultado evidenciado nos autos que, não obstante os dois homicídios terem acontecido no mesmo contexto de tempo e local, ambos os crimes apresentam contextos motivacionais completamente distintos entre si. Desta forma, resulta claro que existem nos autos situações diferentes para cada crime, que podem ter ensejado diferentes conclusões pelos jurados (condenação do réu quanto à uma vítima e absolvição quanto à outra), os quais, afinal, decidem segundo sua íntima convicção. Convém enfatizar que, as alterações promovidas pela Lei nº 11.689 /2008 no Código de Processo Penal , não mais exigem a especificação de cada tese defensiva absolutória, sendo o quesito previsto no inciso III do art. 483 do CPP , genérico, apto a englobar toda e qualquer argumentação levantada pela Defesa do acusado, ou mesmo propiciar a decisão de absolvição em motivo não sustentado em Plenário, ainda que seja a clemência. Desta forma, o contexto fático perfectibilizado nos autos, revela inexistir a mencionada contradição entre as respostas dadas pelos jurados aos quesitos, conforme preconiza o artigo 490 do CPP , não resultando autorizada, assim, a nova submissão do quesito absolutório (vítima Carlos Alberto) à deliberação dos mesmos. Por outro lado, não se pode deixar de registrar que o fato de o Magistrado monocrático ter se dirigido aos membros do Júri, comunicando que seria realizada nova votação em relação a somente um quesito - o qual absolveu o réu quanto a uma das vítimas - explicando que tal resposta estaria em desacordo com as outras conclusões alcançadas, não é difícil concluir que, os jurados (pessoas sem conhecimento jurídico) podem ter sido induzidos a mudar de posicionamento, ante a inequívoca impressão de que o voto anteriormente dado estaria ¿errado¿, o que, como visto, configura interferência indevida na soberania, constitucionalmente assegurada, dos vereditos proferidos pelos membros do Tribunal do Júri. Precedentes do STJ e de outros Tribunais pátrios. Ante o exposto, acolhe-se a segunda questão preliminar, suscitada pela Defesa, a fim de declarar a nulidade da ação penal de piso, a partir da Sessão Plenária, ocorrida em 08/10/2019, inclusive, com a submissão do ora apelante a novo julgamento pelo Tribunal do Júri. No que tange à alegação de prequestionamento, para fins de interposição eventual de recursos extraordinário ou especial arguido pela Defesa, a mesma não merece conhecimento e tampouco provimento eis que não se vislumbra a incidência de quaisquer das hipóteses itemizadas no inciso III, letras ¿a¿, ¿b¿, ¿c¿ e ¿d¿ do art. 102 e inciso III, letras ¿a¿, ¿b¿ e ¿c¿ do art. 105 da C.R. F.B/1988. e por consequência nenhuma contrariedade/negativa de vigência, nem demonstração de violação de normas constitucionais ou infraconstitucionais, de caráter abstrato e geral. Face ao exposto, vota-se pelo CONHECIMENTO do recurso defensivo, com a REJEIÇÃO da primeira questão preliminar e ACOLHIMENTO da segunda questão preliminar, com vias a declarar a nulidade da ação penal nº XXXXX-61.2014.8.19.0083 , a partir da Sessão Plenária, ocorrida em 08/10/2019, inclusive, com a submissão do ora apelante a novo julgamento pelo Tribunal do Júri da Comarca de Japeri.