TJ-GO - XXXXX20178090025
EMENTA: JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. TRANSPORTE AÉREO. VOO INTERNACIONAL. INCIDÊNCIA DO CDC . COMPRA DE PASSAGENS. ANTECIPAÇÃO. AUSÊNCIA DE RESERVA NA ESCALA DE CONEXÃO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ASSENTO CONFORTO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA RESERVA. DANOS MATERIAIS. COMPROVAÇÃO. DANO MORAIS OCORRENTES. VALOR. REDUÇÃO. 1 ? Extrai-se autos epigrafados que a parte autora, ora recorrida, pleiteia em juízo indenização por danos materiais e morais sofridos em virtude dos transtornos ocasionados por sucessivas falhas na prestação dos serviços da companhia aérea. A sentença outorgou procedência à pretensão inicial, fixando indenização material de R$3.504,75(três mil, quinhentos e quatro reais e setenta e cinco centavos) e moral no valor de R$10.000,00(dez mil reais), motivo pelo qual ingressa a requerida, ora recorrente, com a presente súplica recursal, aduzindo ausência de responsabilidade civil e de prejuízos. 2 ? Inicialmente, impende registrar que foram ajuizadas duas ações (autos XXXXX.29 e XXXXX.33), relativas aos mesmos fatos, vez que os promoventes são casados e empreenderam a viagem que deu origem à celeuma em companhia um do outro. Fora realizado julgamento conjunto dos autos, tendo sido prolatada apenas uma sentença, mas com condenações de forma individualizada, de modo que os recursos também foram recebidos em separado, isto é, um em cada processo, razão pela qual serão apreciados separadamente. 3 ? A Convenção de Montreal e suas alterações não têm preponderância sobre o Código de Defesa do Consumidor quanto ao pleito de danos morais, conforme decisão do excelso Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 636.331/RJ e do ARE nº 766.618/SP , sob a sistemática de Repercussão Geral. Isso porque, nos casos citados, a controvérsia envolvia os limites de indenização por danos materiais em decorrência de extravio de bagagem em voos internacionais. 4 ? Pela decisão vinculante do conspícuo Supremo Tribunal Federal, o que se percebe é que restou estabelecido que os conflitos envolvendo o extravio de bagagens e os prazos prescricionais em transporte internacional de passageiros deverão ser resolvidos pelas Convenções de Varsóvia e Montreal, com prevalência inclusive em relação ao Código de Defesa do Consumidor , estabelecendo limite para a indenização apenas quanto aos danos materiais advindos do extravio de bagagem. 5 ? Dessa forma, no caso em apreço, tem-se uma típica relação de consumo, motivo para que incidam as normas da Lei nº 8.078 /90, com aplicação dos preceitos inerentes ao sistema de proteção do consumidor, inclusive a inversão do ônus da prova. 6 ? O prestador de serviços, em razão do risco da atividade, responde objetivamente pela reparação dos danos causados aos consumidores por falha ou má prestação do serviço, independentemente da demonstração de culpa, conforme disposto no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor , sendo que a sua responsabilidade somente será afastada caso comprove a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros. 7 ? Da análise dos autos, verifica-se que a parte recorrida adquiriu passagens aéreas de ida e volta à Alemanha, com data de ida inicialmente prevista para o dia 09/09/2017 (evento 1, arquivo 9), entretanto, requereu a alteração da data de ida para o dia 06/09/2017 (evento 1, arquivo 8), arcando, assim, com a devida multa tangível a antecipação. Todavia, constata-se que a parte recorrente, de forma unilateral, antecipou a data do embarque (ida) para o dia 05/09/2017 (evento 1, arquivo 13), tornando inócua a alteração feita pelo consumidor e fazendo com que este tivesse que reprogramar a sua viagem. 8 ? Observa-se também que, embora tivesse adquirido a passagem para voo com destino da França à Alemanha, ao chegar no aeroporto de Orly, seu nome não estava na lista de passageiros do respectivo voo, isto é, não havia reserva em seu nome, motivo pelo qual teve de adquirir novas passagens (evento 1, arquivo 7). 9 ? Não se constata no caso, culpa de terceiro, pois, foi comercializada a passagem da França para Alemanha e por ela auferiu lucro, devendo responsabilizar-se por eventuais defeitos na prestação desse serviço, não havendo espaço para a alegação de desconhecimento do cancelamento da passagem por parte companhia aérea Air Berlim. 10 ? Melhor sorte não assiste à tese de excludente de responsabilidade por fato de força maior, porquanto a necessidade da readequação da malha aérea é um fortuito interno atribuível à parte recorrente, por se tratar de um risco do empreendimento, próprio da atividade empresarial desempenhada. 11 ? Desse modo, a parte recorrente não se desincumbiu do ônus da demonstração de fato impeditivo, modificativo ou extintivo em relação a esses acontecimentos, imposto pelo artigo 373 , inciso II , do Código de Processo Civil . 12 ? Havendo falha na prestação do serviço, a parte recorrente responde objetivamente nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor , de modo a indenizar a parte recorrida pelos prejuízos suportados. 13 ? O dano moral caracteriza-se pela angústia e constrangimento causados em virtude da conduta da parte recorrente, quanto à antecipação do voo de ida e à ausência de reserva da passagem adquirida pela parte recorrida, relativamente ao voo de Paris a Berlim, circunstância que, somadas, geram frustração e incômodo que refogem do mero dissabor cotidiano ou do mero descumprimento contratual. 14 ? Cumpre registrar que não restou comprovado nos autos que a parte autora tenha realizado a reserva de assentos especiais (conforto) quanto ao trecho de volta, pois, conforme observa-se das provas coligidas, na confirmação do bilhete de retorno não foi realizada a marcação dos assentos, tampouco o pagamento por assentos especiais (evento 1, arquivo 10 e 11), sendo que essa reserva somente foi efetivada em relação ao voo de ida (evento 1, arquivo 9). 15 ? Outrossim, pelo e-mail enviado pela companhia British Airways (responsável pela operação do voo de Londres a São Paulo), infere-se que a obrigação de marcação dos assentos é do próprio passageiro, que pode fazê-la com antecedência, mediante pagamento de um custo adicional, pela central de reservas ou pela internet, ou no momento do check-in, ocasião em que os assentos são selecionados de acordo com a disponibilidade na aeronave (evento 1, arq. 1). 16 ? Como não há prova nos autos de que a parte autora tenha arcado com o custo adicional da marcação antecipada dos assentos do voo de Londres a São Paulo, deve suportar eventuais contratempos advindos da seleção dos assentos no momento do check-in, como a acomodação distante da poltrona da sua esposa. 17 ? Para o arbitramento da indenização a título de dano moral, há de considerar-se a proporcionalidade, razoabilidade e moderação, evitando-se o enriquecimento ilícito da vítima e a reprimenda inócua para o causador do dano. 18 ? No caso concreto, sopesando as circunstâncias efetivamente comprovadas, entende este Colegiado que o valor da condenação deve ser minorado para R$5.000,00(cinco mil reais), de modo a adequar-se aos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade, entre a conduta ilícita praticada e o dano efetivamente sofrido pelo autor. 19 ? Quanto aos danos materiais, é cediço que devem ser cabalmente comprovados, pois a reparação pressupõe a restauração do statuo quo ante e deve corresponder à efetiva redução patrimonial experimentada. Nesse sentido é o entendimento do nosso e. Tribunal de Justiça, senão vejamos: (?) IV ? Os danos materiais e os lucros cessantes devem ser cabalmente comprovados pela parte interessada, sendo inadmissíveis simples alegações sem lastro de prova. (?) (TJGO, Apelação XXXXX-33.2017.8.09.0051 , Rel. Luiz Eduardo de Sousa, 1ª Câmara Cível, julgado em 16/08/2019). 20 ? No caso, infere-se que somente restaram comprovados os seguintes prejuízos patrimoniais: a) a multa contratual pela alteração inócua da data do voo de ida, no valor R$760,52 (setecentos e sessenta reis e cinquenta e dois centavos); b) a diária extra no hotel, no valor de R$ 781,52 (setecentos e oitenta e um reais e cinquenta e dois centavos), e; c) as novas passagens adquiridas em Paris, no valor de R$2.904,42(dois mil, novecentos e quatro reais e quarenta e dois centavos), somando um total de R$4.446,46(quatro mil, quatrocentos e quarenta e seis reais e quarenta e seis centavos), que deve ser rateado entre a parte autora e seu cônjuge. 21 ? Importa salientar que, conforme dito alhures, não restou comprovado o pagamento do valor de R$922,04 (novecentos e vinte e dois reais e quatro centavos), para assentos especiais quanto ao voo de volta. Outrossim, o valor de R$281,69 (duzentos e oitenta e um reais e sessenta e nove centavos) que aparece por duas vezes no extrato do cartão de crédito da parte autora (evento 1, arquivo 6), refere-se à aquisição das passagens de volta, considerando a data do e-mail de confirmação (evento 1, arquivo 10) e a do lançamento do valor na fatura (20/04/2017), isto é, não refere-se à multa paga pela alteração da data de ida, que se deu em 08/05/2017. 22 - Os valores despendidos pelo deslocamento, por via terrestre, do Aeroporto Charles de Gaulle ao Aeroporto Orly não caracterizam-se como danos materiais, na medida em que, conforme explanado na própria exordial, essa troca de aeroporto seria às expensas da parte autora. Quanto aos supostos gastos com alimentação, não há prova que dê conta dessas despesas. 22 ? Recurso conhecido e parcialmente provido. Sentença reformada para adequar o valor da indenização por danos materiais em R$2.223,23 (dois mil, duzentos e vinte e três reais e vinte e três centavos) e reduzir o valor da indenização por danos morais ao patamar de R$5.000,00(cinco mil reais).