RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467 /2017 . RECLAMANTE INTERVALO PREVISTO NO ARTIGO 384 DA CLT . DIREITO MATERIAL. CONTRATO DE TRABALHO EM CURSO À ÉPOCA DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI Nº 13.467 /2017, EM 11/11/2017. REVOGAÇÃO DO ARTIGO 384 DA CLT COM A REFORMA TRABALHISTA. SUPRESSÃO DO PAGAMENTO DO INTERVALO PREVISTO NO ARTIGO 384 DA CLT . IRRETROATIVIDADE. DIREITO INTERTEMPORAL. INCIDÊNCIA DOS ARTIGOS 5º , XXXVI , E 7º , VI , DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL . DIREITO À MANUTENÇÃO DO PAGAMENTO DO INTERVALO PREVISTO NO ARTIGO 384 DA CLT . A controvérsia dos autos refere-se à incidência do artigo 384 da CLT para o fim de pagamento do intervalo ali previsto, - em que pese sua revogação pela Lei nº 13.467 /2017 -, aos contratos de trabalho em curso à época de sua entrada em vigor, ou seja, em 11/11/2017. Em matéria de direito intertemporal, a interpretação acerca da disposição normativa a incidir no caso concreto deve levar em consideração a irretroatividade ou retroatividade restrita das leis, insculpida no artigo 5º , XXXVI , da Constituição Federal , e a aplicação da lei com efeito imediato, prevista no artigo 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Com efeito, a Constituição Federal de 1988 consagra, em seu artigo 5º, XXXVI, o princípio da segurança jurídica, materializado no direito à irretroatividade das normas ou retroatividade restrita das leis, pelo qual a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Do mesmo modo, o legislador infraconstitucional prescreve no artigo 6º da LINDB que a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Percebe-se que o Poder Legiferante brasileiro recorreu tanto à Teoria Subjetiva do Direito Adquirido do jurista italiano Carlo Francesco Gabba, quanto ao direito adquirido, como também à Teoria Objetiva da Situação Jurídica do jurista francês Paul Roubier, no tocante à incidência imediata da lei nova sobre os fatos pendentes. Para Gabba, direito adquirido é todo o direito que: "(I) é consequência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo ao qual o fato foi realizado, ainda que a ocasião de fazê-lo valer não se tenha apresentado antes da atuação de uma lei nova sobre o mesmo, e (II) nos termos da lei sob cujo império ocorreu o fato do qual se originou, passou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu" (in Teoria della retroattività delle leggi esposta). Por sua vez, Paul Roubier, em sua obra clássica Le droit transitoire (conflit des lois dans le temps) , ao tratar da incidência imediata da lei nova sobre os fatos pendentes, excepcionava abertamente os contratos em sua teoria, assinalando que não se regem pelo princípio da incidência imediata da lei nova, e sim pelo da sobrevivência da lei antiga. Para o autor, um contrato se constitui um bloco de cláusulas indivisíveis que não se pode apreciar senão à luz da legislação sob a qual foi firmado. Aprofundando a análise do direito adquirido e da incidência imediata da lei nova a contratos em curso, inclusive à luz das mencionadas teorias, Celso Antônio Bandeira de Mello, com a notória e costumeira acuidade que lhe é peculiar, ensina: "se reconhece a existência de direito adquirido perante certos liames jurídicos que, por sua própria índole, são armados pelas partes sobre a inafastável pressuposição de que continuariam regidos na conformidade das cláusulas ensejadas pela lei do tempo em que são formados. Referimo-nos aos contratos em geral (....) trata-se de reconhecer que este instituto - o do contrato, ao menos nos de trato sucessivo - traz, inerentemente, em sua compostura medular, a idéia de estabilização (.. .). É de lembrar que os contratos de trato sucessivo constituem-se por excelência em atos de previsão". Especificamente sobre a Reforma Trabalhista, Antônio Umberto de Souza Júnior, Fabiano Coelho de Souza, Ney Maranhão e Platon Teixeira de Azevedo Neto, ao estabelecerem um estudo comparativo de dispositivos acrescidos à CLT pela Lei 13.429 /2017, lecionam que"o silêncio legislativo eloquente em matéria de direito intertemporal autoriza a ilação de que, como regra, os dispositivos de direito material que criem novas figuras, eliminem direitos ou criem restrições desfavoráveis aos trabalhadores somente valham para as relações de emprego inauguradas no novo ambiente normativo da Lei nº 13.467 /2017". Desse modo, as alterações legislativas só podem alcançar os contratos de trabalho firmados após sua entrada em vigor. Isso porque a retroação da lei abala a estabilidade e a proteção da confiança dos contratantes que entabularam o pacto sob a égide da lei anterior, da qual resultou um direito adquirido a uma situação contratual pretérita, mesmo que ainda não surtidos todos os seus efeitos ou exercidos todos os respectivos direitos (Teoria de Gabba). Esse, inclusive, é o entendimento do TST em sua Súmula 191 , item III, segundo o qual a alteração da base de cálculo do adicional de periculosidade do eletricitário promovida pela Lei nº 12.740 /2012 atinge somente contrato de trabalho firmado a partir de sua vigência. A continuidade da aplicação da lei nos termos vigentes à época da contratação decorre da observância do princípio da segurança jurídica , do qual emanam a estabilidade das relações jurídicas e o princípio da proteção da confiança ou da confiança legítima , que constitui o aspecto subjetivo daquele, conforme leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro. De acordo com a doutrina de José Afonso da Silva,"a segurança jurídica consiste no 'conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida'. Uma importante condição da segurança jurídica está na relativa certeza que os indivíduos têm de que as relações realizadas sob o império de uma norma devem perdurar ainda quando tal norma seja substituída". Tais entendimentos sobre os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança são corroborados por J .J. Canotilho. Ademais, a incorporação da condição mais benéfica prevista na lei vigente à época da pactuação do contrato de trabalho ao patrimônio jurídico dos trabalhadores se consubstancia como verdadeira concretização do direito adquirido ou, até mesmo, do ato jurídico perfeito , expressamente protegidos pelo artigo 5º , XXXVI , da CF . Assim, deve ser afastada qualquer interpretação de direito intertemporal que implique vulneração ou esvaziamento dos princípios fundamentais insculpidos no inciso XXXVI do artigo 5º da CF (segurança jurídica, proteção da confiança ou confiança legítima, direito adquirido e ato jurídico perfeito) que, como direitos e garantias individuais, integram as chamadas cláusulas pétreas da Constituição , que são insuscetíveis de modificação até mesmo mediante emenda constitucional (artigo 60, § 4º, IV, da Carta Fundamental). Também não se pode admitir um resultado flagrantemente inconstitucional na aplicação do dispositivo da Reforma Trabalhista à luz da norma constitucional já mencionada, em decorrência da chamada eficácia objetiva das normas constitucionais , pela qual essas têm um efeito irradiante, projetando-se sobre todo o ordenamento jurídico para o intérprete, para o legislador e também, do mesmo modo, para as partes privadas que celebram negócios jurídicos. Registra-se, além de todo o exposto, que , em todos os casos em que tiver havido uma redução dos direitos materiais antes garantidos pela legislação trabalhista consubstanciados em parcelas de natureza jurídica até então salarial, a alteração da norma para retirar-lhes o caráter salarial ou para simplesmente modificar ou extirpar o direito ao pagamento das verbas não pode alcançar os contratos anteriormente firmados em face da incidência também do inciso VI do artigo 7º da CF , que estabelece a regra da irredutibilidade de salário . Com efeito, se as parcelas eram salário, a lei que retira essa natureza ou suprime o direito com relação aos contratos em curso no início de sua vigência, sem modificação das condições ou premissas fáticas que as ensejaram, implica violação à garantia constitucional da irredutibilidade salarial. A aplicabilidade imediata desses dispositivos constitucionais ( § 1º do art. 5º da CF ), a saber os arts. 5º , XXXVI , e 7º , VI , da CF , tem como base o princípio da máxima efetividade dos preceitos constitucionais , o qual apregoa que as normas constitucionais devem ser interpretadas de tal modo que a eficácia da Lei Maior seja plena, devendo, portanto, esses preceitos serem atendidos em sua máxima extensão possível. Dessa forma, a reclamante faz jus ao pagamento do intervalo previsto no artigo 384 da CLT , mesmo revogado pela Lei 13.467 /2017, por se tratar de direito relativo a contrato firmado anteriormente à entrada em vigor da lei em referência. Nesse sentido, precedentes desta Terceira Turma e de outras Turmas desta Corte e do Supremo Tribunal Federal. Recurso de revista conhecido e provido.