ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AUSÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. CONCESSIONÁRIA DE SANEAMENTO. OBRIGAÇÃO DE INSTALAÇÃO E CUSTEIO DE HIDRÔMETRO. INCIDÊNCIA DO CDC E DAS DISPOSIÇÕES DA LEI 8.987 /1995. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Trata-se, na origem, de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Tocantins contra a Companhia de Saneamento do Tocantins - Saneatins, postulando que a concessionária custeie a instalação de hidrômetros em favor dos consumidores da Comarca de Gurupi, com a devolução em dobro dos valores cobrados indevidamente dos usuários. 2. Mantendo, no ponto, a sentença de primeiro grau, o Tribunal de origem negou provimento à Apelação da empresa, reconhecendo ser "da concessionária a obrigação pela instalação do hidrômetro, e a cobrança, no caso de inexistência do referido aparelho, deve ser feita pela tarifa mínima" (fl. 1.124, e-STJ). Apreciando o Recurso do Ministério Público, o Juízo a quo rejeitou o pedido de condenação "da empresa concessionária à repetição do indébito em favor dos consumidores lesados, pois é impossível individualizá-los". Acolheu, contudo, parte da irresignação do Parquet, por reconhecer que "As cláusulas que impõem ao consumidor a obrigação de doar o hidrômetro e de arcar com os custos do referido medidor e seus acessórios são completamente abusivas" (fl. 1.125, e-STJ). VIOLAÇÃO DOS ARTS. 1.022 E 1.010 DO CPC . INOCORRÊNCIA 3. Quanto à alegação de que o Tribunal de origem não se teria manifestado sobre o Decreto Estadual 9.725/1994, a instância ordinária deixou claro na apreciação de Embargos de Declaração opostos pela concessionária, que "tal alegação trata de inovação recursal, porquanto não foi ventilada na apelação" (fl. 1.013, e-STJ). 4. A decisão está em conformidade com a jurisprudência do STJ, no sentido de que, "não tendo sido apontada a supramencionada violação na interposição da apelação, nem sequer há falar em omissão do decisum objurgado" ( AgInt no REsp XXXXX/RS , Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 29.4.2021). Na mesma direção: AgRg no AREsp XXXXX/PE , Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 4.6.2021; AgInt no AREsp XXXXX/SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 26.6.2020. 5. Alega-se que, "Em seus embargos de declaração, a Recorrente demonstrou que 'a decisão silenciou-se, inclusive, sobre o ônus previsto no art. 333 , II , CPC/1973 , impondo à Saneatins as lacunas existentes na instrução probatória, relativamente à pretensão do Ministério Público de demonstrar que o custo da instalação de hidrômetro - nova ligação - integra a base de cálculo da tarifa, o que é absolutamente defeso'. Essa omissão, contudo, persistiu [...]" (fl. 1.060, e-STJ). Ocorre que, no Recurso Especial - assim como nos Embargos de Declaração opostos contra o acórdão recorrido -, não se expende argumentação sobre a relevância dessa alegação, limitando-se a concessionária a dizer que o Juízo a quo teria imposto "à Saneatins as lacunas existentes na instrução probatória [...], o que é absolutamente vedado" (fl. 973, e-STJ). A deficiência na fundamentação atrai a Súmula 284 /STF nessa parte do apelo. 6. Por fim, nunca é demais relembrar que não é o órgão julgador obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos trazidos pelas partes em defesa da tese que apresentaram. Deve apenas enfrentar a demanda, observando as questões relevantes e imprescindíveis à sua resolução. Nesse sentido: REsp XXXXX/RS , Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 13.8.2007; e REsp XXXXX/SC , Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 28.6.2007. RESPONSABILIDADE PELA INSTALAÇÃO DOS HIDRÔMETROS. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 39 DO CDC ; 1º, 2º, 3º E 40 DA LEI 11.445 /2007; E 9º DA LEI 8.987 /1995. NÃO OCORRÊNCIA 7. Não há óbice à aplicação do CDC às prestadoras de serviço público sob o regime de concessão ou permissão. O art. 7º da Lei 8.987 /1995 é expresso no sentido de que, além dos deveres e obrigações dos usuários que indica, incide a Lei 8.078 /1990, que dispõe, em seu art. 22 , sobre o dever de as concessionárias/permissionárias fornecerem serviços adequados, eficientes e seguros. 8. Consequentemente, a interpretação que deve ser emprestada aos dispositivos tidos por violados - como corretamente realizada na origem -, não pode se afastar do microssistema protetivo do consumidor, incidindo os invocados arts. 39 , I , e 51 , IV , XII e XV , do CDC . As referidas disposições vedam não só o condicionamento da prestação de serviço à aquisição de outro produto (no caso, o hidrômetro), como também consideram abusivas cláusulas que coloquem o consumidor em posição de desvantagem exagerada (o pagamento pela instalação dos hidrômetros seguido de doação à concessionária); obriguem o consumidor a ressarcir os custos com a própria cobrança (a instalação do hidrômetro usado para a medição do consumo); e estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor. 9. O dever de a recorrente instalar a custear os hidrômetros deriva, também, do disposto nos arts. 6º , III , do CDC , pois a ciência exata da extensão do consumo e da cobrança só são possíveis com a instalação dos hidrômetros pelo explorador do serviço, estando, portanto, compreendido dentro do dever de informação do consumidor, que é de única e exclusiva responsabilidade do fornecedor. 10. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido ser dever da concessionária de serviço público instalar os hidrômetros nas unidades consumidoras, sob pena de ter que faturar o consumo pelo valor mínimo ( AgInt no REsp XXXXX/RJ , Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 21.3.2018; e REsp XXXXX/RJ , Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 13.3.2015). A partir de tal entendimento, "(...) resta evidente o interesse da empresa, e não do consumidor na instalação do referido aparelho, uma vez que é por meio dele que será feita a aferição do consumo para posterior cobrança" (fl. 908, e-STJ). 11. Compreende-se, portanto, que é da responsabilidade da concessionária/permissionária o dever de arcar com os custos da instalação do hidrômetro. Trata-se de algo inerente ao serviço essencial que presta e que, além disso, integrava as obrigações que lhe eram impostas ao tempo da contratação, tudo conforme o art. 7º da Lei 8.987 /1995 e disposições do Código de Defesa do Consumidor . 12. A instalação do hidrômetro é essencial para a própria prestação do serviço de fornecimento de água, não sendo lícito impor ao consumidor o custo pelo empreendimento que deveria ter sido contabilizado pela recorrente no momento em que contratou com o Estado. Mutatis mutandis, seria o mesmo que impor ao consumidor dos serviços de táxi o pagamento pelo custo do taxímetro; ou estabelecer que compete à pessoa cobrada, e não ao credor, o custeio das despesas relativas ao boleto/carnê (TEC) que lhe é encaminhado para pagamento, expediente, aliás, já vedado pelo STJ, conforme Súmula 565 . DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL COM ACÓRDÃO DO TJDFT. IRRESIGNAÇÃO PREJUDICADA 13. Ainda que se conheça do Recurso Especial pela alínea c do inciso III do art. 105 da CF , fato é que, tendo sido negado provimento ao apelo pela alínea a, afirmando-se a correção do acórdão recorrido à luz da legislação tida por violada, fica prejudicado o enfrentamento da divergência, que se resolveu em desfavor da ora recorrente. CONCLUSÃO 14. Recurso Especial parcialmente conhecido e não provido