APELAÇÃO. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. LESÕES CORPORAIS DE NATUREZA GRAVÍSSIMA, GRAVE E LEVE. DANO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. MATERIALIADES E AUTORIAS COMPROVADAS. INEXIGIBILIDADE DE NÍVEL PRÉ-DEFINIDO DE INFLUÊNCIA ALCOÓLICA. PRECEDENTE. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. CONSTITUCIONALIDADE. PROVAS APTAS PARA A MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO DO RÉU. REFAZIMENTO DA DOSIMETRIA DA PENA. RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Materialidades e autorias comprovadas com relação aos crimes previstos no art. 306 , "caput", do Código de Trânsito Brasileiro , no art. 163 , parágrafo único, III, no art. 129 , § 2º, III (vítima Murilo Bernegossi), no art. 129 , § 1º, I (vítimas Alexsandra Coutinho, Mauricéia Aparecida e Claudia Macedo) e no art. 129 , "caput" (vítimas Danielly Danúbia e Renata de Paula). As circunstâncias do caso concreto indicam os dolos adequados às espécies. 2. A remissão feita pelo Magistrado – referindo-se, expressamente, aos fundamentos (de fato e/ou de direito) que deram suporte a anterior decisão (ou, então, a Pareceres do Ministério Público ou, ainda, às informações prestadas por Órgão apontado como coator)– constitui meio apto a promover a formal incorporação, ao ato decisório, da motivação a que o juiz se reportou como razão de decidir, tal como se verifica na espécie. Fundamentação "per relationem". Inexistência de afronta à norma constitucional insculpida no art. 93 , IX , da Constituição Federal . Precedentes do STF ( AI 825.520 AgR-ED/SP - Rel. Min. Celso de Mello - j. 31.05.2011; AI XXXXX/RS - Rel. Min. Ricardo Lewandowski - j. 02.12.2010; HC XXXXX/DF - Rel. Min. Joaquim Barbosa - j. 21.09.2010; HC XXXXX/RS - Rel. Min. Cármen Lúcia - j. 27.04.2010; HC XXXXX/RJ - Rel. Min. Marco Aurélio - j. 04.05.2010; HC XXXXX/RS - Rel. Min. Dias Toffoli - j. 02.03.2010; Emb. Decl. MS XXXXX-1/DF - Rel. Min. Celso de Mello - j. 13.06.2007; HC XXXXX/RS - Rel. Min. Ellen Gracie - j. 23.06.2009; HC XXXXX/SP - Rel. Min. Eros Grau - j. 31.03.2009; HC XXXXX/RS - Rel. Min. Menezes Direito - j. 03.02.2009; RE XXXXX/SC - Rel. Min. Cezar Peluso - j. 07.08.2007; HC XXXXX/SP - Rel. Min. Nelson Jobim - j. 07.10.1997). 3. Os depoimentos judiciais de policiais, militares ou civis e de guardas civis, têm o mesmo valor dos depoimentos oriundos de quaisquer outras testemunhas estranhas aos quadros policiais. Entendimento contrário seria e é chapado absurdo, porque traduziria descabido e inconsequente preconceito, ao arrepio, ademais, das normas Constitucionais e legais. No duro, inexiste impedimento ou suspeição nos depoimentos prestados por policiais, militares ou civis, ou por guardas civis, mesmo porque seria um contrassenso o Estado, que outrora os credenciara para o exercício da repressão criminal, outorgando-lhes certa parcela do poder estatal, posteriormente, chamando-os à prestação de contas, perante o Poder Judiciário, não mais lhes emprestasse a mesma credibilidade no passado emprestada. Logo, são manifestas a ilegalidade e mesmo a inconstitucionalidade de entendimentos que subtraíssem, "a priori", valor dos sobreditos depoimentos judiciais pelo simples fato de terem sido prestados por pessoas revestidas da qualidade de policiais "lato sensu". Precedentes do STF ( HC XXXXX/PE – Rel. Min. Carlos Ayres Brito – j. 05.09.06; HC XXXXX-5 – Rel. Min. Celso de Mello – DJU 18.10.96; HC 70.237 – Rel. Min. Carlos Velloso – RTJ 157/94) e do STJ ( AgRg no AREsp XXXXX/SP – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – j. 06.06.13; HC XXXXX/BA – Rel. Min. Jorge Mussi – j. 28.06.11; HC XXXXX/SP – Rel. Min. Laurita Vaz – j. 12.04.11 e HC XXXXX/SP – Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho – j. 27.04.10). Outrossim, especificamente quanto aos guardas civis, incide a inteligência da Lei n. 13.022 /14, que amplia a restrita interpretação que se havia do art. 144 , § 8º , da Constituição Federal , dando-lhes, dentre outras competências específicas, as funções de colaboração na apuração penal e na defesa da paz social. Logo, as Guardas Municipais (guardas civis) estão investidas na incumbência da garantia da paz social, atuando na prevenção da prática de crimes, podendo, inclusive, atuar de forma a impedir a sua ocorrência, ou no caso de flagrante, conferir meios para subsidiar a apuração do fato criminoso. Precedentes do STJ ( HC XXXXX/SP – Rel. Min. Moura Ribeiro – j. 27.05.14; RHC XXXXX/SP – Rel. Min. Jorge Mussi – j. 26.05.14 e HC XXXXX/SP – Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima – j. 23.02.10). 4. Os indícios são as circunstâncias conhecidas e provadas a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, pelo método indutivo, se obtém a conclusão, firme, segura e sólida de outro facto; a indução parte do particular para o geral e, apesar de ser prova indireta, tem a mesma força que a testemunhal, a documental ou outra. Validade da utilização dos indícios como prova da autoria criminosa. Precedentes do STF ( AP XXXXX/MG – Pleno – Voto Min. Cezar Peluso – j. 28.08.12 – Revista Trimestral de Jurisprudência – Volume 225 – Tomo II – pág. 1.218/1.220 e AP XXXXX/MG – Pleno – Voto Min. Luiz Fux – j. 28.08.12 – Revista Trimestral de Jurisprudência – Volume 225 – Tomo II – pág. 838/842). 5. Embriaguez ao volante bem provada nos autos, quer pela prova pericial, quer pela prova testemunhal, a ensejar a certeza de que o apelante conduziu o veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool e causou as lesões corporais descritas na denúncia. 6. Inexigibilidade de nível pré-definido de influência alcoólica. Crime de perigo abstrato. Crime que é formal, de sorte a não exigir resultado naturalístico, ou seja, prescinde de existência de lesão efetiva a quem quer que seja, também sendo de perigo abstrato, em outras palavras, dele não se exigindo prejuízo efetivo ao bem tutelado, não sendo essencial a prova da ocorrência de dano. Precedente do STF ( RHC XXXXX/DF – 1ª T. – Rel. Min. Dias Toffoli – j. 08.05.2012 e HC 109.269 – Rel. Min. Ricardo Lewandowski – 2ª T – j. 27.09.2011 – Dje 11.10.2011) e do STJ ( REsp XXXXX/RS – Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz – 6ª T – j. 10.05.2016 – DJe 19.05.2016; AgRg no REsp XXXXX/SP – Rel. Min. Joel Ilan Paciornik – 5ª T – j. 05.05.2016 – DJe 16.05.2016; HC XXXXX/RS – Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca – 5ª T – j. 03.03.2016 – DJe 09.03.2016 e HC XXXXX/MG – Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura – 6ª T – j. 04.02.2016 – DJe 18.02.2016). 7. Crimes de perigo abstrato e a sua (in) constitucionalidade. Salta aos olhos, sobretudo na atualidade, a dificuldade acadêmico-doutrinária em concluir pela inconstitucionalidade ou constitucionalidade dos crimes de perigo abstrato, o debate envolvendo incertezas e tomando matizes tanto no que se refere ao próprio conceito de "bem jurídico", ainda impreciso no campo político-criminal (embora muito estudado), quanto no que concerne ao conceito doutrinário relativo aos crimes de perigo abstrato, que também não é uníssono. O fato é que, no meu sentir, foram por razões de política criminal que o legislador passou a prever, no Código Penal e em Leis Especiais, condutas cujo aperfeiçoamento se dá com a mera ocorrência do comportamento típico, independentemente da efetiva produção de risco ou dano dele decorrente ("crimes de perigo abstrato"), tal como ocorre com o art. 306 , do Código de Trânsito Brasileiro . De acordo com a Lei de Regência, constitui crime "conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência", de modo que parece claro que o legislador penal não tomou como pressuposto da criminalização a lesão ou o perigo de lesão concreta a determinado bem jurídico, mas, ao revés, baseou a sua análise em dados empíricos, vale dizer, o legislador selecionou grupos ou classes de ações que geralmente levam consigo o indesejado perigo ao bem jurídico. Em outras palavras, o crime de que estamos a tratar é um claro exemplo de dogmática penal direcionada a atender a uma política criminal de maior controle sobre um subsistema social (segurança pública), cada vez mais problemático em uma sociedade que ostenta índices alarmantes de violência, especialmente no trânsito, como ocorre nas Comarcas de São Paulo. No duro, a tipificação de condutas que geram perigo abstrato, muitas vezes, acaba sendo a melhor alternativa ou a medida mais eficaz para a proteção de bens jurídicos supraindividuais ou de caráter coletivo, os quais são extremamente importantes e que devem, sem dúvida nenhuma, ter tratamento diferenciado pelo legislador ordinário, como, por exemplo, o meio ambiente, a saúde, dentre outros. Portanto, pode o legislador, dentro de suas amplas margens de avaliação e de decisão, definir quais as medidas mais adequadas e necessárias para a efetiva proteção de determinado bem jurídico, o que lhe permite escolher espécies de tipificação próprias de um direito penal preventivo. Assim, a criação de crimes de perigo abstrato não representa, por si só, comportamento inconstitucional por parte do legislador penal, situação que somente se observaria em caso de transborde dos limites da proporcionalidade. Constitucionalidade. Inteligência da doutrina de Bernardo J. Feijó Sánchez e Pierpaolo Cruz Bottini. Precedente do STF ( HC XXXXX/RS – Min. Gilmar Mendes – 2ª T – j. 06.03.12 – DJE 27.03.12). 8. Dosimetria estabelecida de modo incorreto. Refazimento. 9. As condenações criminais a penas privativas de liberdade, confirmadas em v. Acórdãos desse Tribunal de Justiça, autorizam a expedição de mandado de prisão. Os Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos, de que o Brasil é signatário, exigem garantia de acesso ao duplo grau de jurisdição (e não ao "infindável" grau de jurisdição). Os Recursos Especiais e Extraordinários, direcionados aos Tribunais Superiores, não têm, em regra, efeito suspensivo. Assim, consoante o recente julgamento, no STF, do HC XXXXX/SP , Rel. Min. Teori Zavascki, cumpre determinar a imediata expedição de mandado prisional em desfavor do réu. Precedente do STJ. 10. Recurso defensivo parcialmente provido.