CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. DECISÃO FAVORÁVEL À IMPETRANTE PROFERIDA PELA JUNTA DE RECURSOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. TRANSCURSO DO PRAZO PARA QUE O INSS INTERPUSESSE RECURSO DIRIGIDO À CÂMARA DE JULGAMENTO DO CONSELHO DE RECURSOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. PRECLUSÃO ADMINISTRATIVA. RELEVAÇÃO DA INTEMPESTIVIDADE FUNDAMENTADA NO EXERCÍCIO DA AUTOTUTELA ADMINISTRATIVA E NA GREVE DOS PERITOS DO INSS. IMPOSSIBILIDADE. EXERCÍCIO DA AUTOTUTELA SUBMETIDO À OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL NA ESFERA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE DE INSTAURAÇÃO POSTERIOR DE PROCESSO ADMINISTRATIVO AUTÔNOMO PARA EXERCÍCIO DA AUTOTUTELA. RECURSO PROVIDO. SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. O desate da lide recursal está em verificar a legalidade e a constitucionalidade do instituto da "relevação de intempestividade" (art. 13, II, do Regimento Interno do CRPS) do recurso administrativo interposto pelo INSS contra decisão proferida pela 3ª Composição Adjunta da 10ª Junta de Recursos de Jacarepaguá, que concedeu à impetrante o benefício de auxílio-doença e o converteu em aposentadoria por invalidez, a partir da data do requerimento administrativo. 2. O instituto da "relevação da tempestividade" - previsto no art. 13, inciso II, do Regimento Interno da Câmara de Julgamento do CRPS, aprovado pela Portaria MPS nº 548 de 13/09/2011 - não encontra fundamento de validade na Lei 9.784 /1999, nem no Decreto 3.048 /1999, nem, ainda, no exercício da competência da autotutela administrativa, que se submete ao princípio do devido processo legal. 3. A Lei nº 9.784 /99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, estabeleceu, em seu artigo 63 , inciso I , que o recurso não será conhecido quando interposto fora do prazo legal. O § 2º do mesmo artigo prevê que "o não conhecimento do recurso não impede a Administração de rever de ofício o ato ilegal, desde que não ocorrida preclusão administrativa." Consequentemente, no âmbito do mesmo processo, não se admite a revisão ex officio de ato ilegal, quando verificada a preclusão administrativa. 4. O art. 67 da mesma lei dispõe que "salvo motivo de força maior devidamente comprovado, os prazos processuais não se suspendem." Portanto, ressalvada a hipótese de força maior devidamente comprovada, não há que se admitir a suspensão do curso dos prazos processuais âmbito do procedimento administrativo, tampouco a relevação da intempestividade, ainda que fundamentada na liquidez e certeza do direito da parte recorrente. 5. A jurisprudência já consolidada no Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de que a greve de servidores não constitui motivo de força maior a ensejar a suspensão ou a devolução dos prazos processuais em processos judiciais, por se tratar fato previsível criado pela própria Administração, além de superável pela manutenção de quadro mínimo para atender às demandas submetidas a prazos preclusivos. Precedentes citados no voto. 6. A ratio decidendi contida nos precedentes citados se aplica aos processos administrativos, que se estruturam, também, sob a lógica da observância de prazos preclusivos, nos termos do art. 63 , inciso I e § 2º da Lei 9.784 /1999. 7. Embora a decisão que relevou a intempestividade do recurso não tenha invocado a greve dos peritos do INSS, limitando-se apenas a citar o dispositivo regimental que autoriza a medida, impõe-se consignar que, mesmo o movimento paredista eventualmente deflagrado à época - fato que não foi sequer comprovado nos autos do procedimento administrativo - não constitui justa causa a impedir o curso dos prazos processuais. 8. Há que se examinar, por fim, se o princípio da autotutela administrativa tornaria válida a regra administrativa da relevação da tempestividade recursal, nos moldes em que entendeu o magistrado de origem. 9. Sabe-se que, em razão da autotutela, a Administração tem o dever-poder de rever seus atos e de invalidá-los, quando apresentarem vícios que os tornam ilegais, já que deles não se originam direitos. Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal. 10. Portanto, a Administração Pública pode e deve, dentro do prazo de decadência decenal do art. 103-A da Lei n. 8.213 /91, rever seus próprios atos para invalidá-los, desconstituindo concessões indevidas e irregulares de benefícios previdenciários, em especial se decorrentes de fraude, desde que tal medida seja adotada por meio de procedimento administrativo no qual seja assegurado ao beneficiário a observância do devido processo legal, sem que tal modo de agir importe em violação ao princípio da segurança jurídica. 11. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE XXXXX/MG , sob o regime da repercussão geral, firmou a compreensão de que o desfazimento de atos administrativos, dos quais já decorreram efeitos concretos para os administrados, no exercício da autotutela administrativa, devem ser precedidos de regular processo administrativo, no qual seja garantida à parte a observância do contraditório e da ampla defesa. 12. Nessa perspectiva, não há como se afastar, no exercício da competência da autotutela, a necessidade de observância das garantias previstas no art. 5.º , inciso LIV e LV , da Constituição Federal , em toda a sua extensão, concretizadas nos termos da Lei 9.784 /1999 e dos dispositivos previstos em Regulamento, porquanto o processo administrativo constitui instrumento de garantia do administrado em face das prerrogativas do Poder Público, entre as quais se encontra a competência de invalidar seus próprios atos. 13. Se a autotutela administrativa deve se submeter à observância do princípio do devido processo legal, concretizado nos moldes das regras da Lei 9.784 /1999 e do Decreto 3.048 /1999, de modo a impor a observância de prazos preclusivos para a prática dos atos processuais, descabe invocá-la como fundamento para autorizar que seja relevada a intempestividade recursal, afastando precisamente a incidência da regra de fixação de prazo. 14. A relevação da intempestividade recursal, além de não encontrar fundamento de validade no princípio da autotutela administrativa, contraria o princípio da legalidade, previsto nos arts. 5º , II , e 37 , da Constituição Federal de 1988, em virtude da impossibilidade de uma portaria, ato que resulta do poder normativo derivado da Administração, inovar em relação à lei, criando para o Poder Público prerrogativas e direitos nela não previstos. Precedentes citados no voto. 15. A preclusão administrativa, ocorrida no processo que resultou na concessão do benefício à impetrante, não importa, porém, na imutabilidade definitiva da decisão nele proferida, pois a Administração pode rever seus atos, desde que observado o prazo de decadência e o devido processo legal. Precedente citado no voto. 16. Apelação provida. Segurança concedida para se determinar o restabelecimento da eficácia da decisão administrativa proferida pela 3ª Composição Adjunta da 10ª Junta de Recursos de Jacarepaguá, sem prejuízo de que a autarquia possa, no exercício da autotutela, instaurar procedimento administrativo autônomo e específico para apurar a ilegalidade da concessão do benefício, por força da decisão proferida pelo referido órgão colegiado.