Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro Primeira Turma Recursal da Fazenda Pública Recurso Inominado nº XXXXX-40.2022.8.19.0002 Recorrente: ESTADO DO RIO DE JANEIRO Recorrido: THIAGO VINICIOS SANT'ANNA BITTENCOURT RECURSO INOMINADO. FAZENDA PÚBLICA. CONCURSO PÚBLICO. PEDIDO PARA ANULAÇÃO DE QUESTÃO. O PODER JUDICIÁRIO NÃO POSSUI AUTORIZAÇÃO PARA REVER OS CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO E A CORREÇÃO TÉCNICA DOS GABARITOS OFICIAIS DO CONCURSO. O EDITAL É A LEI DO CONCURSO. PROVIMENTO DO RECURSO. RELATÓRIO Trata-se de recurso inominado interposto pelo Estado. Cuida-se de ação com pedido de tutela de urgência na qual alega o autor que prestou concurso para o cargo de Investigador de Polícia Civil de 3ª Classe, de forma a integrar os quadros da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro. Discorda do gabarito da questão de nº 68 da prova Tipo 2 - Verde e defende que houve flagrante ilegalidade resultante do erro grosseiro no gabarito da questão, razão pela qual deveria ser anulada. Sustenta que, com a respectiva anulação da referida questão, teria sido classificado para a próxima etapa do certame. Por fim, requer a garantia de sua continuidade no concurso, com a reclassificação e realização do exame físico (TAF). Manifestação do Ministério Público às fls. 139/140 informando não ter interesse no feito. Sentença proferida às fls. 324/327 nos seguintes termos: "...ANTE O EXPOSTO, nos termos do artigo 487 , I , do CPC , julgo parcialmente procedentes os pedidos da parte autora para DECLARAR A NULIDADE da QUESTÃO 68 (PROVA TIPO 2 - VERDE), bem como para atribuir ao autor a respectiva pontuação, permitindo que prossiga nas demais etapas do concurso de acordo com as normas do edital (em caso de aprovação em razão das presentes anulações), confirmando-se a tutela provisória de urgência anteriormente deferida..." Recurso inominado interposto pelo ERJ às fls. 348/484. Alega a perda superveniente do interesse de agir, pois, analisando as normas do Edital, verifica-se que, no item 11.1, ficou estabelecido um corte para que os candidatos fossem considerados aptos a prosseguirem no concurso, ou seja, apenas fariam a Prova de Capacidade Física os 2.000 primeiros colocados na primeira fase (Prova de Conhecimentos). Aduz que conforme dados divulgados pela organizadora do concurso (FGV) no sítio eletrônico (https://conhecimento.fgv.br/concursos/pcrj21/02), a nota de corte para convocação de candidatos para a prova de capacidade física foi de 69 pontos. Relata que a parte autora, no entanto, não comprova sequer a sua aprovação dentro das normas editalícias para o prosseguimento no certame, uma vez que declara e comprova que obteve 53 pontos na prova objetiva e ainda que eventualmente lograsse demonstrar irregularidades nas questões impugnadas pela autora, esta não poderia ser validamente convocada para as demais etapas do certame na medida em que -mesmo computando-se à sua nota original os pontos obtidos com a Sentença - ela não atingiu a nota mínima de corte para a ampla concorrência. Ressalta a legalidade do ato administrativo impugnado e os limites impostos pelos Princípios da Separação dos poderes e da isonomia. Aduz a impossibilidade de se rever o conteúdo das questões e os critérios de correção de banca examinadora - da validade das questões objetivas impugnadas. Destaca a jurisprudência dos Tribunais Superiores e do Tribunal Local - entendimento do STF expresso no RE XXXXX/CE (Tema 485). Pela improcedência dos pedidos. Contrarrazões apresentadas às fls. 494/506. Pela manutenção da sentença. É o relatório. Passo ao voto. VOTO Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço o recurso. O Autor se inscreveu no Concurso Público para o provimento de vagas no cargo de Investigador Policial de 3ª Classe do Estado do Rio de Janeiro, mediante as condições estabelecidas no edital, devidamente acostados nos autos do processo originário, e executado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Indica que prestou a prova TIPO 2 VERDE e questiona o gabarito da questão 68. Pretende a parte autora a anulação da referida questão da prova concurso público para Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro e de revisão do seu aproveitamento na fase do exame OBJETIVA, com o prosseguimento para as demais etapas do certame. De início, é importante ressaltar o entendimento hoje dominante do Supremo Tribunal Federal no RE 632.823 , leading case do TEMA 485 de repercussão geral, no sentido de que não cabe ao Judiciário substituir a banca examinadora, conforme se depreende do seguinte julgado: "Recurso extraordinário com repercussão geral. 2. Concurso público. Correção de prova. Não compete ao Poder Judiciário, no controle de legalidade, substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas. Precedentes. 3. Excepcionalmente, é permitido ao Judiciário juízo de compatibilidade do conteúdo das questões do concurso com o previsto no edital do certame. Precedentes. 4. Recurso extraordinário provido. ( RE 632.853 , Relator: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 23/04/2015)" No referido julgamento, a Suprema Corte deixou assentado que o Poder Judiciário não está autorizado a rever os critérios de avaliação e a correção técnica dos gabaritos oficiais, conforme se depreende dos seguintes trechos extraídos do voto condutor do acórdão: "Tanto a sentença quanto o aresto recorrido reavaliaram as respostas apresentadas pelos candidatos para determinar quais seriam os itens corretos e falsos de acordo com a doutrina e a literatura técnica em enfermagem. Com base nessa literatura especializada, o acórdão recorrido infirmou o entendimento da banca e identificou mais de um item correto em determinadas questões do certame, extrapolando o controle de legalidade e constitucionalidade, para realizar análise doutrinária das respostas.""Em outras palavras, os juízos ordinários não se limitaram a controlar a pertinência do exame aplicado ao conteúdo discriminado no edital, mas foram além para apreciar os critérios de avaliação e a própria correção técnica do gabarito oficial.""Assim, houve indevido ingresso do Poder Judiciário na correção de provas de concurso público, em flagrante violação à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal." Dentro deste contexto, importa avaliar se a parte autora, efetivamente, preencheu as exigências do edital e se encontra em condições de continuar se submetendo às etapas concurso, pois ao Poder Judiciário cabe apenas o exame da legalidade do ato administrativo, em respeito ao Princípio da Separação dos Poderes. No mesmo aspecto, sabe-se que o Judiciário pode rever os atos da Administração Pública, nos casos de desvio ou excesso de poder. Mesmo neste caso, o julgador não pode exceder sua competência para invadir a competência da Administração estabelecida nas normas internas do concurso, sob risco de suprimir necessária etapa do processo seletivo. A atuação do Poder Judiciário quanto às regras de edital de concurso público só não configura interferência em matéria de mérito administrativo quando efetivada para evitar abuso do direito. Portanto, como sabido, o Edital é lei do concurso e deve ser devidamente observado pela Administração Pública e pelos candidatos, que a ele aderem no ato da inscrição e sem qualquer impugnação a seus preceitos. Neste sentido, a jurisprudência do nosso Tribunal de Justiça: " XXXXX-87.2020.8.19.0001 - APELAÇÃO - 1ª Ementa - Des (a). GEÓRGIA DE CARVALHO LIMA - Julgamento: 03/02/2022 - DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL - Apelação Cível. Com efeito, o Julgador é o destinatário final da prova, cabendo a ele avaliar a pertinência dos elementos de convicção para a solução da controvérsia, além de indeferir as diligências desnecessárias ou protelatórias, a teor do que preceitua o artigo 370 , parágrafo único , do Código de Processo Civil . Precedentes do STF."Controle judicial sobre as provas de concurso público que está limitado ao exame de compatibilidade entre os conhecimentos exigidos dos candidatos e o conteúdo programático previsto no edital, por força do princípio constitucional da separação de poderes. Entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o Tema 485 da Repercussão Geral. Critérios de avaliação e correção técnica dos gabaritos oficiais que são imunes à revisão do Poder Judiciário, inviabilizando o acolhimento da tese de que 02 (duas) das questões atacadas apresentaram mais de uma alternativa correta. Laudo, colacionado à peça inaugural, conclusivo de que a pergunta restante exigiu o conhecimento de tópico elencado no programa do processo seletivo, ao contrário do que sustenta o ora recorrente. Descumprimento do ônus previsto no artigo 373, inciso I, do estatuto processual civil, nesse particular. Manutenção do decisum que se impõe. Recurso a que se nega provimento, majorando-se os honorários advocatícios em 5% (cinco por cento) sobre o quantum fixado pelo Juízo a quo, na forma do artigo 85 , § 11 , do Código de Processo Civil , observada a gratuidade de justiça deferida."" XXXXX-55.2015.8.19.0001 - APELAÇÃO - 1ª Ementa - Des (a). EDUARDO GUSMAO ALVES DE BRITO NETO - Julgamento: 12/04/2022 - DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL - Apelação Cível. Concurso público de admissão ao Curso de Formação de Soldado da Polícia Militar. CFSD 2014. Candidato que obteve nota insuficiente na prova objetiva e que pretende prosseguir no certame ao argumento de que três questões da prova de história versavam sobre temas não indicados no edital e/ou apresentavam mais de uma resposta correta. Sentença de improcedência. Apelo do Autor. 1- Jurisprudência mais recente deste Tribunal que se firmou no sentido de rechaçar a pretensão de anulação das questões da prova objetiva de História do CFSD 2014. 3- Orientação que se alinha ao entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 632.823 , leading case do tema 485 de repercussão geral, no sentido de que não cabe ao Judiciário substituir a banca examinadora. 4- Pretensão idêntica que ademais foi rechaçada em sede de ação civil pública (processo nº 0047777- 51.2015.8.19.0001). 5- Recurso desprovido." Assim, não há como acolher a tese de que a (s) questão (ões) impugnada (s) apresenta (m) ilegalidade (s), uma vez que, para tanto, seria necessário infirmar o entendimento adotado pela banca examinadora, ao definir a assertiva que deveria ser assinalada pelos candidatos, o que não é admitido. Portanto, alinhada à doutrina e jurisprudência predominantes, merece reforma a sentença. Diante do exposto, VOLO PELO CONHECIMENTO E PROVIMENTO do recurso para JULGAR IMPROCEDENTES os pedidos. Sem ônus recursais. Transitado em julgado, baixe-se à origem. Rio de Janeiro, 31 de janeiro de 2023. MIRELA ERBISTI Juíza Relatora