Poder Judiciário Tribunal Regional Federal da 5ª Região Gabinete do Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira PROCESSO Nº: XXXXX-92.2021.4.05.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL AGRAVADO: FRANCISCO ERNANI FEITOSA VIANA ADVOGADO: Robério Fontenele De Carvalho RELATOR (A): Desembargador (a) Federal Rogério de Meneses Fialho Moreira - 3ª Turma MAGISTRADO CONVOCADO: Desembargador (a) Federal Leonardo Augusto Nunes Coutinho PROCESSO ORIGINÁRIO: XXXXX-47.2021.4.05.8106 - 24ª VARA FEDERAL - CE EMENTA CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTO. TRIKAFTA. FIBROSE CÍSTICA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. DIREITO À SAÚDE. HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA. EXISTÊNCIA. EFICÁCIA DO FÁRMACO. NECESSIDADE DE FORNECIMENTO DO MEDICAMENTO. COMPROVAÇÃO. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto contra decisão que deferiu "a tutela provisória de urgência pretendida (art. 300 , caput, do CPC ), para fins de determinar que à UNIÃO, no prazo máximo de 10 (dez) dias, a adoção das providências necessárias ao fornecimento à parte autora do medicamento TRIKAFTA (Elexacafor + Tezacaftor + Ivacaftor 100mg/50mg/75mg e 150mg), em quantidade apta a suprir as doses prescritas no receituário de Id. XXXXX.20897424, cuja disponibilização deverá ser realizada de forma contínua e ininterrupta, sob pena de aplicação de multa diária no importe de R$ 2.000,00 (dois mil reais), a contar da correspondente intimação". 2. A questão discutida nos autos recai sobre o direito fundamental à saúde, cuja garantia em benefício de todos consiste num dever do Estado, a quem incumbe realizar políticas públicas, sociais e econômicas que concretizem e efetivem esse serviço constitucionalmente assegurado. Decerto, não há como se conceber uma vida digna, que representa um dos princípios fundamentais da República, relegando-se a saúde. 3. O art. 196 da CF impõe a garantia e a efetividade de direito fundamental à saúde, de forma a orientar os gestores públicos na implementação de medidas que facilitem o acesso a quem necessite da tutela estatal à prestação aos serviços médico-hospitalares e fornecimento de medicamentos, além de políticas públicas para prevenção de doenças, principalmente quando se verifica ser, o tutelado, pessoa hipossuficiente, que não possui meios financeiros para custear o próprio tratamento. Enfatize-se que os artigos 23 , II , e 198 , § 2º , da CF preveem a solidariedade dos entes federativos na responsabilidade da prestação dos serviços na área da saúde, além da garantia de orçamento para efetivação dos mesmos. 4. No julgamento do REsp XXXXX/RJ , Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018, sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ estabeleceu os seguintes requisitos para concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS: (i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; (iii) existência de registro na ANVISA do medicamento. 5. O laudo emitido pelo Dr. Juvêncio Câmara, CRM 4762, demonstra que o autor/agravado é portador de fibrose cística desde 2008, que ele é bastante sintomático, apresentando importantes limitações em sua vida, tendo sido recentemente internado em caráter de urgência com infecção respiratória grave. Já o laudo médico elaborado pela Dra. Maria Rúbia Fernandes de Figueiredo demonstra que o agravado "apresenta quadro avançado de Fibrose Cistica (FC) CID E84, com complicações relativas a essa patologia tais como diabetes relacionado a FC com glicemias instáveis em uso de insulinoterapia , desnutrição importante mesmo em uso prolongado de pancreatina, suplementos nutricionais e poli vitamínico , disfunção hepática comprometimento grave da função pulmonar (ppVEF1 < 25%) em decorrência de bronquiectasias difusas em ambos os pulmões com círculo vicioso perpetuado por inflamação crônica e infecção pulmonar crônica por bactérias agressivas, tais como, Pseudomonas aeruginosa levando à um déficit importante e progressivo da função pulmonar, mesmo em utilização regular de suporte fisioterápico e antibióticos Inalados sendo submetido inclusive a vários cursos anuais de antibióticos antipseudomonas endovenosos em decorrência de graves exacerbações pulmonares". Consta ainda a informação em ambos os laudos de que o agravado vem fazendo uso de ORKAMBI (Ivacaftor + lumacaftor) desde 2017 sem que tenha obtido melhora significativa de seu quadro de saúde. 6. É razoável a conclusão do juízo de primeiro grau, no sentido de que "o quantitativo prescrito à parte autora em relação ao medicamento em comento, atrelado aos valores veiculados no documento de, por si só, indicam a impossibilidade do paciente em arcar com os custos do tratamento correspondente". 7. Embora o medicamento não esteja registrado na ANVISA nem haja prova de que seu registro foi requerido no referido órgão de vigilância sanitária, há nos autos prova de que tal medicamento foi aprovado pela agência regulatória americana (FDA) e pelo órgão regulador europeu (EMA). 8. Por se tratar de doença rara, conforme afirmado pela própria União na petição inicial deste agravo ("A fibrose cística (FC) é uma doença genética rara, embora seja a doença genética autossômica dominante mais frequente entre caucasianos...), o caso se encontra, à primeira vista, dentro da excepcionalidade prevista na tese firmada no julgamento do Tema 500 do STF. 9. O risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação milita em favor da parte agravada, tendo em vista o quadro avançado de fibrose cística, com complicações relativas a essa patologia, conforme atestado no laudo médico. 10. Mesmo que se considere como essencial a realização da perícia médica judicial para fins de julgamento definitivo, entende-se que não é razoável condicionar o deferimento de tutela cautelar de urgência à exigência de prova pré-constituída, laudo médico exaustivo, ou perícia judicial, que também não pode ser vista como necessária ao deferimento de tutela provisória de urgência, diante da gravidade do quadro clínico apresentado. 11. Agravo improvido.