RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. PRETENSÃO EXORDIAL BASEADA EM UMA RELAÇÃO DE TRABALHO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE MOTORISTA EM ATIVIDADE DE TRANSPORTE PRIVADO DE PASSAGEIROS SOLICITADO POR APLICATIVO. ARTIGO 114 DA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA . COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Inexiste dúvida de que a pretensão formulada na exordial baseia-se em uma relação de trabalho, na medida em que o reclamante, pessoa física, prestava serviço de motorista em benefício da reclamada, pessoa jurídica, mediante contraprestação pecuniária. Sendo assim, como bem salientado no parecer do i. parquet, tem-se como certo que a pretensão veiculada na presente ação trabalhista não se adéqua ao caso analisado pelo C. STJ quando do julgamento do conflito de competência 164.544-MG, cuja pretensão não era de reconhecimento da existência do vínculo de emprego, mas de imposição de obrigação de fazer e de reparação de danos materiais e morais decorrentes do desligamento do acesso à plataforma eletrônica que viabilizava a prestação de serviço de motorista em atividade de transporte privado de passageiros solicitado por aplicativo. Conclui-se, pois, que a pretensão formulada pelo reclamante está inserida na competência material da Justiça do Trabalho prevista no artigo 114 da Constituição da Republica . TRABALHO SOB DEMANDA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE MOTORISTA EM ATIVIDADE DE TRANSPORTE PRIVADO DE PASSAGEIROS SOLICITADO POR APLICATIVO. NOVO REGIME DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO. PROGRAMAÇÃO POR COMANDOS. DIREÇÃO POR OBJETIVOS. APLICAÇÃO DAS NORMAS QUE COMPÕEM O ORDENAMENTO JURÍDICO-TRABALHISTA. VÍNCULO DE EMPREGO. ÔNUS DA PROVA. ELEMENTOS CONFIGURADORES. PRESENÇA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA IMPUGNADA. O caso dos autos retrata o labor autoral no contexto da chamada gig economy (economia do bico), que compreende duas principais formas de trabalho: o crowdwork (trabalho em multidão) e o trabalho on demand (sob demanda). O trabalho em multidão caracteriza-se pela realização de tarefas (em geral extremamente fragmentadas) a partir de plataformas online para o atendimento de necessidades específicas de determinadas pessoas ou organizações. O trabalho sob demanda envolve a execução de serviços tradicionais por intermédio de aplicativos gerenciados por empresas, que identificam a oferta e a demanda dos serviços e estabelecem um padrão mínimo de qualidade a ser observado. A atividade efetivamente desenvolvida pela reclamada, qual seja, o transporte privado de passageiros solicitado por aplicativo, se enquadra no segundo conceito. É nesse contexto que deve ser apreciada a lide exposta no presente caderno processual e há de ser analisada a aplicação das normas que compõem o ordenamento jurídico-trabalhista, exatamente como empreendido pela i. sentenciante. Como se sabe, ao reclamante cabe a prova do fato constitutivo do direito alegado na exordial e ao reclamado a prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo da pretensão autoral (artigo 818 da CLT ). No caso em apreço, ao reconhecer, em contestação, que o reclamante prestava, aos usuários cadastrados, serviço de transporte privado de passageiros solicitado pelo aplicativo por ela disponibilizado e sustentar que tal serviço era desenvolvido com total autonomia, opôs a reclamada fato impeditivo do direito pleiteado na peça de ingresso, assumindo, assim, o ônus de prová-lo. Contudo, desse ônus não se desincumbiu a reclamada, na medida em que sequer indicou testemunha para ser ouvida em audiência. Sendo assim, constatada a prestação do serviço pelo reclamante nos moldes estabelecidos nos artigos 2º e 3º da CLT , tem-se por não comprovado o fato impeditivo do direito pleiteado na peça de ingresso (artigo 818 da CLT ), razão pela qual a manutenção da r. sentença de conhecimento impugnada é medida que se impõe. RUPTURA CONTRATUAL. JUSTA CAUSA. ÔNUS DA PROVA. NÃO DESINCUMBÊNCIA. VERBAS RESILITÓRIAS DEVIDAS. Tratando-se de modalidade extrema de ruptura contratual, que limita os direitos resilitórios do empregado e reduz as obrigações pecuniárias do empregador, a este incumbe o ônus da produção de prova robusta e cabal acerca da prática de falta grave que justifique a resolução do contrato de trabalho por culpa do trabalhador. No caso em apreço, além de não ter sido identificada na contestação a infração que teria sido cometida pelo reclamante, também não foi produzido pela reclamada qualquer elemento de prova, documental ou oral, que represente sequer indício de conduta autoral que pudesse justificar a ruptura contratual por culpa sua. Sendo assim, conclui-se que a reclamada não se desincumbiu do ônus que lhe competia. TRABALHO EXTERNO. POSSIBILIDADE DE CONTROLE DOS HORÁRIOS. COMPROVAÇÃO. AUSÊNCIA DE CARTÕES DE PONTO. HORAS EXTRAORDINÁRIAS DEVIDAS. Para que o empregado seja excluído das regras atinentes às horas extraordinárias, exige a lei (i) que a atividade laboral seja desenvolvida externamente ao ambiente do empregador, (ii) que essa atividade externa seja incompatível com a fixação de horário de trabalho e (iii) que a condição de empregado exercente de atividade externa seja registrada na carteira de trabalho. In casu, negada a existência do vínculo de emprego, é óbvio que não houve anotação na carteira de trabalho do reclamante da condição de empregado exercente de atividade externa. Outrossim, inexiste dúvida de que os elementos constantes dos autos deixam patente a efetiva possibilidade de controle do horário de trabalho, de modo a possibilitar a aferição do tempo efetivamente despendido pelo reclamante em favor da reclamada. Inaplicável ao caso dos autos a disposição contida no inciso I do artigo 62 da CLT , tem incidência o entendimento consolidado na Súmula 338 do C. TST, de forma que a ausência dos controles de ponto e as declarações prestadas em audiência militam em favor da tese exordial. Por conseguinte, prevalecem as jornadas declinadas na peça de ingresso reconhecidas pela i. sentenciante. Em razão da habitualidade, os valores devidos a título de horas extraordinárias deverão refletir nas demais parcelas contratuais e resilitórias discriminadas na r. sentença de conhecimento impugnada. SENTENÇA LÍQUIDA. CÁLCULOS ELABORADOS PELA CONTADORIA DO JUÍZO. APURAÇÃO DOS ACRÉSCIMOS DEVIDOS A TÍTULO DE JUROS DE MORA. INCORREÇÃO DA TAXA UTILIZADA NO MÊS DE ELABORAÇÃO DA CONTA. NÃO CONSTATAÇÃO. PJE-CALC. SISTEMA OFICIAL ALIMENTADO PELOS DADOS DISPONIBILIZADOS PELA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Desde o dia 1º de janeiro de 2021, o PJe-Calc está sendo utilizado oficialmente para fins de elaboração de cálculos de liquidação em razão das disposições contidas nos §§ 6º a 8º do artigo 22 da Resolução 185 de 24 de março de 2017 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (que dispõe sobre a padronização do uso, governança, infraestrutura e gestão do Sistema Processo Judicial Eletrônico (PJe) instalado na Justiça do Trabalho). Dessa forma, tendo em vista que o PJe-Calc está programado para apurar os acréscimos devidos a título de juros de mora com base nos critérios estabelecidos pelo Pretório Excelso (taxa Selic fixada pela Receita Federal do Brasil) e tendo em conta que este é o programa que deve ser oficialmente utilizado pela Justiça do Trabalho para fins de liquidação do crédito constituído nas demandas submetidas a sua jurisdição, nada há a corrigir nos cálculos de liquidação que acompanham a r. sentença de conhecimento impugnada. Recurso ordinário da reclamada conhecido e não provido.