AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AÇÃO DE DESPEJO QUE DEVE TER SEU CURSO PERANTE O JUÍZO NATURAL, SENDO, CONTUDO, COMPETENTE O JUÍZO RECUPERACIONAL PARA DECIDIR ACERCA DA SUSPENSÃO DOS ATOS DE CONSTRIÇÃO DOS BENS ESSENCIAIS À ATIVIDADE EMPRESARIAL, ESPECIALMENTE QUANDO AINDA DENTRO DO "STAY PERIOD". INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 6º E PARÁGRAFOS, DA LEI Nº. 11.101 /2005. RECURSO DESPROVIDO. 1. Cuida-se de agravo de instrumento interposto contra o item 2, da decisão de fls.3311/3316, proferida pelo Juízo da Quinta Vara Empresarial da Comarca da Capital, nos autos de recuperação judicial autuada sob nº XXXXX-49.2021.8.19.0001 , requerida por BC 1963 Confecções, Virtual 2043 Confecções Ltda (AQUAMAR), OPEM Administração e Serviços LTDA, LIBOR 28 Confecções LTDA. e DB 3124 Confecções LTDA., a qual, rejeitando os embargos de declaração opostos pela recuperanda, manteve a decisão que determinou o prosseguimento das ações de despejo movidas pelas administradoras de shopping, em face das Embargantes e do Sr. Abrão Russo Calixto, ao argumento de que a demanda de desalijo, por expressa previsão legal, não se submete à competência do Juízo Recuperacional, conforme art. 6º , § 1º da Lei 11.101 /2005. 2. O cerne da controvérsia reside na possibilidade de o Juízo Recuperacional determinar a suspensão da ordem de despejo lastreada em contrato de locação firmado pela sociedade em recuperação judicial ou por seu sócio. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça possui orientação pacífica no sentido de que a ação de despejo movida pelo proprietário locador contra sociedade empresária em regime de recuperação judicial não se submete à competência do juízo universal da recuperação, tendo em vista que, a par de ter como fim precípuo a manutenção das atividades da empresa para viabilizar a sua existência, não se pode impor ao proprietário do imóvel ter que arcar com os prejuízos decorrentes da indisponibilidade do bem, prevalecendo, assim, o direito de propriedade. 4. Assentou a Corte Superior que os bens cuja essencialidade deve ser apreciada pelo juízo da recuperação judicial são os integrantes do patrimônio da empresa, e não imóvel de terceiro. 5. Desse modo, apenas o crédito referente à cobrança de aluguéis deve ser habilitado nos autos do processo de recuperação judicial, prosseguindo a ação de despejo perante o juízo onde já regularmente tramita. 6. De fato, quanto ao direito de retomada do imóvel locado, cuja medida é assegurada pela Lei nº 8.245 /91, não há qualquer obstáculo legal ao prosseguimento regular da ação de despejo proposta pelo proprietário do bem contra empresa em recuperação judicial, por força do que dispõe o art. 6º, II e § 1º, da Lei de Recuperação Judicial e Falências. 7. A própria Lei de Recuperação Judicial prevê que o credor proprietário de bem imóvel, quanto à sua retomada, não se submete aos efeitos da recuperação judicial. ( AgInt no CC XXXXX/MT, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 25/09/2019, DJe 30/09/2019). 8. O entendimento decorre do fato de que a ação de despejo propriamente dita, movida pelo proprietário locador, em que se busca unicamente a retomada da posse direta do imóvel locado à sociedade empresária em recuperação judicial, é fundamentada em legislação específica consubstanciada na Lei nº. 8.245 /91, não integrando o bem locado o patrimônio da empresa em recuperação. 9. Portanto, seria descabida a suspensão da ação de despejo por força do deferimento da recuperação judicial por não afetar o patrimônio da empresa em recuperação, sendo certo que, somente a adoção de medidas expropriatórias na execução dos valores decorrentes do inadimplemento do pacto locatício teria o condão de impactar e, por conseguinte, se submeter aos efeitos do processo recuperacional. 10. Assim, apesar de a ação de despejo ter seu prosseguimento perante o Juízo natural, por não se sujeitar aos efeitos da recuperação judicial, quando a demanda se encontra cumulada com exigibilidade de valores, o crédito relativo à cobrança de aluguéis referente ao período anterior ao pedido de recuperação judicial, se qualifica como concursal (art. 49 da Lei n. 11.101 /05), impondo sua habilitação nos autos do processo de recuperação judicial para pagamento nos termos do plano proposto e aprovado pelos credores. 11. Bem de ver que o art. 6º , caput, da Lei 11.101 /05, com alterações introduzidas pela Lei nº 14.112 /20, prescreve que a decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial importa na suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário relativas a créditos ou obrigações sujeitas à recuperação judicial ou à falência. 12. Registre-se, por oportuno, que a redação anterior da Lei 11.101 /05, em seu art. 6º , previa a suspensão das ações e execuções, ressalvando em seu § 1º, que deveriam ter prosseguimento somente as ações que demandassem quantia ilíquida, sendo que, com a alteração da lei, passou-se a prever, tão somente, a suspensão das execuções, restringindo-se a interpretação ampliativa. 13. Portanto, em se tratando de crédito submetido aos efeitos da recuperação judicial, seu pagamento se efetivará nos moldes do plano de recuperação judicial, observado o regramento do art. 49 , § 1º , da Lei nº 11.101 /05, ocasionando o deferimento da recuperação judicial a imediata suspensão apenas das execuções relativas à cobrança de valores em face de empresa em recuperação judicial com tramitação em juízo diverso da recuperação (art. 6º), desde que não excepcionadas pela norma legal. 14. De certo que, durante o stay period, compete ao Juízo Recuperacional avaliar se o bem de capital (corpóreo) é indispensável à atividade produtiva da recuperanda, amoldando-se, assim, na ressalva constante do § 3º do art. 49 , da Lei nº 11.101 /2005. 15. A própria lei recuperacional, em seu art. 6º, parágrafo § 7º-A, com redação introduzida pela Lei 14.112 /20, preceitua que o disposto nos incisos I, II e III do referido dispositivo legal, não se aplica aos créditos referidos nos §§ 3º e 4º do art. 49, admitida, todavia, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a suspensão dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º deste artigo, a qual será implementada mediante a cooperação jurisdicional, na forma do art. 69 da Lei nº 13.105 , de 16 de março de 2015 ( Código de Processo Civil ), observado o disposto no art. 805 do referido Código. 16. Não há dúvidas de que o cumprimento da ordem de desalijo, pode inviabilizar a restruturação das recuperandas, afetando diretamente os bens essenciais ao desempenho de sua atividade empresarial. 17. Desse modo, apesar de o STJ perfilhar do entendimento de que deve ser preservado o direito de propriedade na hipótese de contrato de locação inadimplido por sociedade em recuperação judicial, em se tratando de ação de despejo cumulada com exigibilidade de valores, tal princípio deve dialogar com a preservação da empresa durante o stay period, assim como com a orientação traçada na Recomendação de n.º 63/2020, editada pelo Conselho Nacional de Justiça. 18. Não se pode perder vista que o stay period se constitui um dos mais importantes instrumentos jurídicos vocacionados a concretizar os princípios insculpidos no art. 47 da Lei Recuperacional. 19. Na hipótese dos autos, pelo que se observa da cadência de decisões proferidas nos autos originários, o desalijo que subsidiou o provimento judicial combatido não estaria escorado apenas em débitos pretéritos, submetidos, assim, aos efeitos da recuperação judicial, mas também na ausência de pagamento de encargos locatícios que se formaram após ao deferimento do pedido e, que, se constituíram créditos extraconcursais. 20. Noutro passo, no agravo de instrumento nº XXXXX-95.2022.8.19.0000 , esta douta Câmara Isolada afastou a possibilidade de nova prorrogação do stay period das recuperandas, por extravasar o comando normativo previsto no art. 6º , § 4º , da Lei 11.101 /05, introduzido pela Lei Federal n.º 14.112 /2020. 21. Com isso, as recuperandas não se encontram mais sob o albergue do benefício legal previsto no art. 6º , II , da Lei n. 11.101 /05. 22. Assim sendo, não há como ser acolhida a pretensão recursal. 23. Recurso desprovido.