EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DE REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL Nº 10.541/2016 E REGULAMENTAÇÃO POSTERIOR. INSTITUIÇÃO E REGIME EXCLUSIVO DE INSPEÇÃO SANITÁRIA DE PRODUTOS DE ORIGEM ANIMAL. MATÉRIA AFETA À PROTEÇÃO E DEFESA DA SAÚDE. COMPETÊNCIA CONCORRENTE ENTRE A UNIÃO, ESTADO E DISTRITO FEDERAL. ESTADO FEDERADO QUE DETEM COMPETÊNCIA SUPLEMENTAR ANTE A REGULAMENTAÇÃO DA MATÉRIA NO PLANO FEDERAL. COMPETÊNCIA SUPLEMENTAR QUE NÃO SE AFIGURA EM HARMONIA COM AS NORMAS GERAIS ESTABELECIDAS PELA UNIÃO. TRANSGRESSÃO AO ARTIGO 19, INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. INCONSTITUCINALIDADE MATERIAL. IMPOSSIBILIDADE DE TRANSFERÊNCIA À INICIATIVA PRIVADA DE ATIVIDADE TÍPICA DE ESTADO QUE ENVOLVE O PODER DE POLÍCIA EM SUA DIMENSÃO SANCIONATÓRIA, FISCALIZATÓRIA E DE INTERVENÇÃO NA PROPRIEDADE PRIVADA. PRECEDENTES DO EXCELSO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DESTE EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE COM EFEITOS EX NUNC . I. DO VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL: I.I. O Ato Normativo toca o tema inserto no Artigo 24 , inciso XII , da Constituição da Republica , que ostenta previsão de competência legislativa concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal, sobre o assunto correlato à proteção e defesa sanitária, sendo certo que, A competência legislativa concorrente prevista no art. 24 da CRFB/88 , no sentido da fixação de normas gerais pela União, limita a competência suplementar dos Estados-membros, os quais devem obrigatoriamente atender àqueles preceitos gerais. (STF - ADI 5286 , Relator (a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 18/05/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-159 DIVULG XXXXX-07-2016 PUBLIC XXXXX-08-2016) I.III. Na hipótese, verifica-se de plano o extrapolamento da competência suplementar do ESTADO DO ESPÍRITO SANTO ao tratar da matéria sub examine, haja vista que, ao discipliná-la no plano Estadual, o Diploma Legal impugnado em seu artigo 4º, inciso I, vai de flagrante encontro às normas gerais editadas pela União, ao prever que a inspeção sanitária permanente seja realizada exclusivamente pela iniciativa privada. I.IV . Não bastasse a transferência de atribuições incompatível com a regra geral instituída pela União, posterior Portaria regulamentadora (Portaria nº 006, de 13 de março de 2018) obstou as Autoridades Sanitárias de exercerem livremente o seu papel, determinando que a fiscalização pelos Servidores de Carreira do IDAF somente seja realizada com agendamento prévia, impedindo, inclusive , que os mesmos tenham amplo e pleno acesso aos estabelecimentos industriais e propriedades rurais que processam produtos de origem animal. I.V. A Legislação Estadual em contraposição aos preceitos fixados na norma geral editada pela União, instituindo regime próprio de inspeção e fiscalização sanitária de estabelecimentos destinados ao processamento de produtos de origem animal, tais como frigoríficos, granjas e afins, permitindo que os referidos estabelecimentos possam contratar Empresas Particulares credenciadas, para realização de inspeção, afastando-se da exigência de que referidas atribuições sejam exercidas exclusivamente por Servidores de Carreira ocupantes de Cargo Efetivo e com prerrogativas próprias, assecuratórias do exercício da função fiscalizatória e sancionatória, com independência e imparcialidade. I.VI. Constatada que a atuação em sede de Competência Suplementar não atende aos preceitos fixados na regra geral editada pela União, forçoso o reconhecimento da patente afronta ao comando inserido no artigo 19, inciso IV, da Constituição do Estado do Espirito Santo. II. DO VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL: II.I. Sob o aspecto da inconstitucionalidade material do Ato Normativo impugnado, afigura-se indissociável que o Legislador Estadual teve como escopo transferir os atos próprios e executórios da inspeção dos métodos de produção de gêneros alimentícios de origem animal, para a iniciativa privada através de Empresas Credenciadas junto ao IDAF, inclusive, restringido a atuação dos Servidores de Carreira que efetivamente detém o Poder de Polícia para levar a efeito a ampla fiscalização dos aspectos sanitários, consoante se observa de disposição expressa do artigo 4º, da Lei nº 10.541/2016 e do artigo 1º, do Decreto nº 3996-R, de 26 de julho de 2016. II.II . O argumento de que os atos de Fiscalização das Autoridades Sanitárias estariam preservados não encontra respaldo, haja vista verifica-se que, na prática, a fiscalização direta e permanente da atividade industrial nos estabelecimentos afetados ocorrerá exclusivamente pela iniciativa privada, que, por seu turno, estará sob fiscalização apenas mediata ou circunstancial dos Agentes estatais, o que importa, sem qualquer dúvida, em transferência de uma atividade típica estatal consubstanciada no Poder de Polícia à entidade privada. II.III . A mera remessa de documentação acerca da execução dos trabalhos de inspeção realizados pela Empresa Credenciada aos Servidores do IDAF, não supre o trabalho fiscalizatório destes Servidores Públicos, no exercício do regular do Poder de Polícia, a teor do que se extrai da intelecção do artigo 9º, da Lei nº 10.541/2016 c/c artigo 4º, incisos XII e XIII, do Decreto Regulamentador 3996-R/2016 . II.IV. O Poder de Polícia define atividade finalística do Estado, sendo que sua delegação à iniciativa privada, nos moldes em que traçado no Diploma Legal impugnado, importa em flagrante afronta aos princípios norteadores da Administração Pública, bem como na renúncia, pelo Ente Estatal, de sua prerrogativa de fiscalização, sancionamento e intervenção direta na esfera particular, afigurando-se incompatível com os postulados preconizados no artigo 32, caput, da Constituição Estadual. II.V . As atribuições preconizadas no artigo 4º, § 1º, da Lei Estadual nº 10.541/2016 c/c artigo 7º, do Decreto Estadual nº 3 996-R/2016, conferem a médicos Veterinários vinculados à iniciativa privada, atos próprios de Agente Estatal imbuído do Poder de Polícia, inclusive em sua dimensão sancionatória e coercitiva, quando preconizam a interferência na atividade produtiva privada, bem como a autorização para sua consecução da atividade ou mesmo descarte de material . II. VI. Na hipótese, denota-se o afastamento dos pressupostos de preservação da higidez do Poder de Polícia e da preservação da Saúde Pública, porquanto a contratação de Empresas que fornecem os Médicos Veterinários para a realização as Inspeções Sanitária está ao alvedrio do proprietário do Estabelecimento Credenciado e não do IDAF, exsurgindo inconcebível a possibilidade de delegação de uma função com a possibilidade de o inspecionado poder vir a ingerir sobre a escolha do inspecionador, tanto mais quando o aludido mister deveria ser exercido por Autoridades Sanitárias as quais detém, genuinamente, o Poder de Polícia e de Ação Fiscalizatória Plena, que são os Médicos Veterinários do IDAF Servidores Públicos Estaduais. II.VII . É expressa a Constituição Estadual em seu artigo 17, parágrafo único, ao vedar a quaisquer dos Poderes, a transferência de sua competência exclusiva, sendo que, no âmbito do Poder Executivo, o Poder de Polícia encontra-se inserido como função típica estatal, de modo que, sua transferência à iniciativa privada interfere diretamente no amplo espectro do exercício competência, atinente à direção superior da administração estadual . II.VIII. Nos termos da jurisprudência deste Egrégio Tribunal Pleno Não é possível delegar a pessoas da iniciativa privada as atividades próprias do poder de polícia estatal (STF, ADI 1.717 ), sendo admitida, apenas, a transferência da operacionalização material da atividade, limitando-se à constatação de fatos. Doutrina. (TJES , Classe: Direta de Inconstitucionalidade, 100160001697, Relator: SÉRGIO BIZZOTTO PESSOA DE MENDONÇA, Órgão julgador: TRIBUNAL PLENO, Data de Julgamento: 30/11/2017, Data da Publicação no Diário: 14/12/2017) II. IX . O modelo de inspeção sanitária inaugurado com a Lei impugnada, objeto de posterior regulamentação, representa indubitável delegação de atividade estatal típica concernente ao exercício do Poder de Política em sua dimensão fiscalizatória, sancionatória e de intervenção na propriedade privada, representando afronta direta aos dispositivos insertos no artigo 32, caput da Constituição Estadual e artigo 17, parágrafo único c/c artigo 91, inciso I, da Constituição Estadual. ACORDA o Egrégio Tribunal Pleno, em conformidade da Ata e Notas Taquigráficas da Sessão, que integram este julgado, por unanimidade dos votos, JULGAR PROCEDENTE A REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, com fulcro no artigo 489 , inciso I , do Código de Processo Civil , para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 10.541, de 17 de junho de 2016 e, por arrastamento, a regulamentação superveniente concernente ao Decreto Estadual nº 3996-R, de 26 de julho de 2016, Instrução Normativa nº 007/2016 e Portaria nº 006-R, de 13 de março de 2018, por inconstitucionalidade formal, representada pela exorbitância da competência legislativa suplementar, nos termos do artigo 19, inciso IV, da Carta Constitucional do Estado do Espírito Santo, declarando-as também inconstitucional materialmente, por afronta ao conteúdo que ressai do artigo 32, caput da Constituição Estadual e artigo 17, parágrafo único c/c artigo 91, inciso I, da Constituição Estadual, conferindo-lhe efeito ex nunc a partir da publicação do presente julgamento, nos termos da fundamentação lançada no Voto do Eminente Desembargador Relator.