EMENTA/VOTO: APELAÇÃO CRIMINAL. POSSE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE PARA USO PESSOAL. ART. 28 DA LEI Nº 11.343 /2006 ( LEI DE DROGAS ). ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL EX OFFICIO. DESCABIMENTO. ATIPICIDADE NÃO RECONHECIDA. ART. 28 DA LEI Nº 11.343 /2006. TIPICIDADE MATERIAL DO PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE PARA SUPOSTO CONSUMO PESSOAL, AINDA QUE ÍNFIMA A QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. SENTENÇA ANULADA. RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM PARA PROSSEGUIMENTO DO FEITO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Recurso tempestivo. Dispensado o preparo por se tratar de ação penal pública incondicionada. Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. 2. Trata-se de apelação criminal interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE contra a sentença que rejeitou denúncia em face de MARLEIDE ALVES DE ASSIS e RONICLAY JESUS DA HORA, acusado do cometimento do crime do art. 28 da Lei nº 11.343 /2006. 3. O representante do Ministério Público atuante nesta Turma recursal apresentou parecer pelo provimento do recurso interposto. 4. Emerge dos autos (fls. 04/37), em síntese, que guarnição da Policia Militar em patrulhamento na cidade de Lagarto, no dia,19/11/2021 visualizou os recorridos e mais um menor em atitude suspeita e realização abordagem. Com a ré Marleide foram encontraram 04 trouxas de substância análoga à maconha e cédula de 20 reais. Com o réu Roniclay foi encontrado um cigarro de maconha. Os dois afirmaram que a droga era pra consumo próprio. 5. Pois bem. Preliminarmente, consigno que a iniciativa para propor o arquivamento do inquérito policial ou do Termo Circunstanciado é do Ministério Público, não do magistrado, haja vista ser aquele o titular da ação penal. Não pode o juiz, portanto, determinar o arquivamento do Inquérito policial ou do Termo Circunstanciado, de ofício. 6. Ademais, quanto ao arquivamento, aplica-se ao termo circunstanciado, o mesmo procedimento referente ao Inquérito Policial. A doutrina e a jurisprudência firmaram-se no sentido de que nem mesmo a autoridade judiciária pode determinar o arquivamento do IP, se não houver pedido expresso do Ministério Público. 7. Compulsando os autos, verifica-se que os acusados, ainda em sede extrajudicial, confessouque a droga apreendida era de sua propriedade para uso pessoal. 8. Com a devida vênia, verifico que a sentença merece reforma. A despeito do fundamento utilizado pelo magistrado, a jurisprudência majoritária dos tribunais pátrios e, principalmente, dos tribunais superiores, é no sentido de que não há que se falar em descriminalização da conduta do art. 28 da Lei 11.343 /2006 e nem de aplicação do princípio da insignificância em casos deste jaez, mesmo que tenha sido apreendida pequena quantidade de drogas. Ocorre, pela nova alteração da lei pertinente, na verdade, a despenalização, mas, não, a descriminalização, como dito. 9. Tal compreensão robusteceu-se com a mudança legislativa de 2006, que deu novo tratamento jurídico-penal ao tema. A esse respeito, transcrevo a seguir trecho da doutrina de Guilherme de Souza Nucci: “Crime de bagatela: em tese, seria viável, neste contexto, a aplicação do princípio da insignificância, afastando-se a tipicidade quando a quantidade da droga apreendida fosse mínima. Entretanto, pela atual disposição legal, não nos soa mais razoável que assim se faça. O delito de porte de drogas para consumo próprio adquiriu caráter de infração de mínimo potencial ofensivo, tanto que as penas são brandas, comportando, inclusive, mera advertência. Por isso, o ideal é haver, pelo menos, a aplicação de sanção amena, por menor que seja a quantidade de tóxico. Evita-se, com isso, o crescimento da atividade do agente, podendo tornar-se traficante ou viciado.(NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais comentadas. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 335).” Insta salientar que o legislador, quando da fixação da pena, impõe ao usuário medidas de caráter educativo, com a intenção de alertá-lo sobre o risco de sua conduta não só para a sua própria saúde, mas também a fim de evitar a reiteração do delito. 10. Destarte, em razão da política criminal adotada pela Lei 11.343 /2006, entendo que há de se reconhecer a tipicidade material do porte de substância entorpecente para consumo próprio, ainda que ínfima a quantidade de drogas apreendidas, como no caso dos autos. 11. Ademais, a pequena quantidade de drogas integra a essência do supracitado tipo penal. Se assim não fosse, estar-se-ia diante da conduta do art. 33 da mesma lei (tráfico de drogas). 12. Como se isso não bastasse, o crime de porte ilegal de drogas é de perigo abstrato ou presumido, prescindindo da comprovação de dano ao bem jurídico tutelado. Ao adquirir substância entorpecente ilícita, o usuário fomenta o nefasto tráfico de drogas, pondo em risco a saúde pública, o que evidencia ainda mais a tipicidade da conduta atribuída ao acusado. 13. Consoante já assentado pelo Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE PARA CONSUMO PRÓPRIO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Em razão da política criminal adotada pela Lei n. 11.343 /2006, há de se reconhecer a tipicidade material do porte de substância entorpecente para consumo próprio, ainda que ínfima a quantidade de drogas apreendidas. 2. A reduzida quantidade de drogas integra a própria essência do crime de porte de substância entorpecente para consumo próprio, visto que, do contrário, poder-se-ia estar diante da hipótese do delito de tráfico de drogas, previsto no art. 33 da Lei n. 11.343 /2006. Vale dizer, o tipo previsto no art. 28 da Lei n. 11.343 /2006 esgota-se, simplesmente, no fato de o agente trazer consigo, para uso próprio, qualquer substância entorpecente que possa causar dependência. Por isso mesmo, é irrelevante que a quantidade de drogas não produza, concretamente, danos ao bem jurídico tutelado, no caso, a saúde pública ou a do próprio indivíduo. 3. Em virtude da apreensão de pouco mais de 3 g de maconha em poder do ora agravante, o processo deve prosseguir em seu desfavor também em relação ao delito descrito no art. 28 da Lei n. 11.343 /2006. 4. Agravo regimental não provido. ( AgRg no HC XXXXX/MS , Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 03/08/2017, DJe 10/08/2017) (grifei). 14. Outro não é o entendimento do Supremo Tribunal Federal: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PENAL. POSSE DE ENTORPECENTES. USO PRÓPRIO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. MATÉRIA COM REPERCUSSÃO GERAL REJEITADA PELO PLENÁRIO VIRTUAL NO JULGAMENTO DO AI N.º 747.522 . HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A aplicação do princípio da insignificância, de modo a tornar a conduta atípica, exige sejam preenchidos requisitos estabelecidos na legislação infraconstitucional, posto controvérsia de natureza infraconstitucional, não revela repercussão geral apta a tornar o apelo extremo admissível, consoante decidido pelo Plenário do STF, na análise do AI n.º 747.522 –RG, Relator Min. Cezar Peluso, DJe de 25/9/2009. 2. A aplicação do princípio da insignificância exige que a conduta seja minimamente ofensiva, que o grau de reprovabilidade seja ínfimo, que a lesão jurídica seja inexpressiva e, ainda, que esteja presente a ausência de periculosidade do agente. In casu, não há elementos suficientes a fim de se apreciar o preenchimento de todos os pressupostos hábeis à aplicação do aludido princípio, a fim de trancar a ação penal. 3. In casu, o acórdão recorrido assentou: “PENAL E PROCESSUAL PENAL. POSSE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE PARA CONSUMO PRÓPRIO. CRIME TIPIFICADO NO ARTIGO 28 DA LEI Nº 11.343 /06. PEQUENA QUANTIDADE. NULA A DECISÃO DE REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. DESCABIMENTO A INVOCAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. RISCO POTENCIAL DO DELITO PARA A SOCIEDADE. USUÁRIO QUE ALIMENTA O COMÉRCIO DA DROGA E PERMITE A CONTINUIDADE DA ATIVIDADE DO NARCOTRÁFICO. AUTORIA E MATERIALIDADE SOBEJAMENTE COMPROVADAS. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA NULA. 1. SUBMETE-SE ÀS PENAS DO ARTIGO 28 DA LEI Nº 11.343 /06 QUEM, POR VONTADE LIVRE E CONSCIENTE, GUARDA OU TRAZ CONSIGO, PARA USO PESSOAL, DROGAS SEM AUTORIZAÇÃO OU EM DESACORDO COM DETERMINAÇÃO LEGAL OU REGULAMENTAR.2. NÃO HÁ FALAR EM ATIPICIDADE DO DELITO, POR HAVER POUCA QUANTIDADE DA SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE, JÁ QUE O CRIME DESCRITO NO ARTIGO 28 DA LEI Nº 11.343 /06 É DE PERIGO ABSTRATO PARA A SAÚDE PÚBLICA - POR SER CAPAZ DE GERAR DEPENDÊNCIA FÍSICO-QUÍMICA -, DE MANEIRA QUE O LEGISLADOR ENTENDEU POR BEM MANTER A TIPICIDADE DA CONDUTA, AINDA QUE SEM APLICAÇÃO DE PENAS RESTRITIVAS DE LIBERDADE.3. ‘NUMA SOCIEDADE QUE CRIMINALIZA PSICOATIVOS E ASSOCIA EXPERIÊNCIAS DE ALUCINÓGENOS À RIA QUESTÃO ÉTICA: QUEM CONSOME É TÃO RESPONSÁVEL POR CRIMES QUANTO QUEM VENDE. AO CHEIRAR UMA CARREIRA DE COCAÍNA, O NARIZ DO CAFUNGADOR ESTÁ CHEIRANDO AUTOMATICAMENTE UMA CARREIRA DE MORTES, CONSCIENTE DA TRAJETÓRIA DO PÓ. PARA CHEGAR AO NARIZ, A DROGA PASSOU ANTES PELAS MÃOS DE CRIMINOSOS. FOI REGADA A SANGUE’.(...) É PROPOSITAL [NO FILME 'O DONO DA NOITE', DE PAUL SCHRADER] A REPETIÇÃO RITUALÍSTICA DE CENAS QUE MOSTRAM A ROTINA DO ENTREGADOR, ENCERRADO NUMA LIMUSINE PRETA E FÚNEBRE. NESSE CONTEXTO, A DROGA NÃO CUMPRE MAIS A FUNÇÃO SOCIAL DAS ANTIGAS CULTURAS. ELA É APENAS UM VEÍCULO DE ALIENAÇÃO E AUTODESTRUIÇÃO'. (FILHO, ANTÔNIO GONÇALVES. A PALAVRA NÁUFRAGA - ENSAIOS SOBRE CINEMA. SÃO PAULO: COSAC SC NAIFY, 2001. P. 259-60 - NÃO GRIFADO NO ORIGINAL).4. PRECEDENTE: ‘ACÓRDÃO N. XXXXX, 20100110754213APJ, RELATOR JOSÉ GUILHERME DE SOUZA, 2A TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS DO DISTRITO FEDERAL, JULGADO EM 17/01/2012, DJ 25/01/2012 P. 173’. RECURSO PROVIDO PARA ANULAR A SENTENÇA COM VISTAS AO PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO.” 4. Agravo regimental DESPROVIDO. ( ARE XXXXX AgR, Relator (a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 17/09/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-197 DIVULG XXXXX-10-2013 PUBLIC XXXXX-10-2013.(grifamos). 15. Nesse mesmo sentido é o entendimento dessa Turma Recursal, nos termos: (Apelação Criminal nº 201701012187 nº único XXXXX-04.2017.8.25.9010 - Turma Recursal do Estado de Sergipe, Tribunal de Justiça de Sergipe - Relator (a): Isabela Sampaio Alves - Julgado em 10/10/2018); (Apelação Criminal nº 202001010410 nº único XXXXX-69.2020.8.25.9010 - Turma Recursal do Estado de Sergipe, Tribunal de Justiça de Sergipe - Relator (a): Livia Santos Ribeiro - Julgado em 23/03/2021); (Recurso Inominado nº 202001006306 nº único XXXXX-78.2020.8.25.9010 - Turma Recursal do Estado de Sergipe, Tribunal de Justiça de Sergipe - Relator (a): Rosa Maria Mattos Alves de Santana Britto - Julgado em 05/02/2021). 16. Destarte, não havendo que se falar em atipicidade da conduta, impõe-se a anulação da sentença de origem, determinando-se o prosseguimento regular do feito. 17. Ante o exposto, voto no sentido de DAR PROVIMENTO ao recurso de apelação criminal, anulando a sentença fustigada para que seja dado prosseguimento regular ao feito. 18. Sem condenação em custas e honorários. (Recurso Inominado Nº 202201003868 Nº único: XXXXX-35.2021.8.25.0040 - 1ª TURMA RECURSAL, Tribunal de Justiça de Sergipe - Relator (a): Rosa Maria Mattos Alves de Santana Britto - Julgado em 04/11/2022)