TJ-DF - XXXXX20208070016 DF XXXXX-63.2020.8.07.0016
JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. MÚTUO BANCÁRIO. LIMITAÇÃO DE DESCONTOS EM CONTA CORRENTE E EM FOLHA DE PAGAMENTO. PONDERAÇÃO ENTRE A PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE E O PRINCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. LIMITAÇÃO A 30% (TRINTA POR CENTO) DOS RENDIMENTOS RESTRITO AO DESCONTO EM FOLHA. ABUSIVIDADE NÃO DEMONSTRADA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. I. Trata-se de recurso inominado interposto pela parte autora, em face da sentença que julgou improcedente a pretensão inicial para condenar parte ré a limitar o valor dos descontos em sua conta corrente e salário o percentual de 30% dos seus rendimentos brutos, referentes a empréstimos adquiridos junto ao banco. Em suas razões a recorrente pugna pela reforma integral da sentença. II. A relação jurídica estabelecida entre as partes é de natureza consumerista, devendo a controvérsia ser solucionada sob o prisma do microssistema instituído pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078 /1990). III. A questão cinge-se em saber se é possível limitar o desconto no percentual máximo de 30% do valor da remuneração mensal para pagamento dos empréstimos que a autora recorrente adquiriu junto com a ré recorrida. IV. Em princípio, não padece de ilegalidade a cláusula contratual que permite os descontos das parcelas do mútuo na conta corrente do devedor, porque traduz em um ato de manifestação de vontade do mutuário em harmonia com a lei. Sendo assim, é inviável ao devedor suprimir ou alterar de forma unilateral a cláusula contratual, a qual caracteriza relevante garantia ao credor. V. A limitação de 30% abrange apenas despesas consignadas em folha de pagamento assim os demais débitos contraídos espontaneamente não precisam, necessariamente, sofrer tal limitação. Admitir o contrário seria endossar o comportamento irresponsável do consumidor, inviabilizando a honradez e a boa-fé dos contratos celebrados com as instituições financeiras. VI. Nesse sentido, colaciono julgado do eg. Superior Tribunal de Justiça: ?RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÕES DE MÚTUO FIRMADO COM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DESCONTO EM CONTA-CORRENTE E DESCONTO EM FOLHA. HIPÓTESES DISTINTAS. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA LIMITAÇÃO LEGAL AO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO AO MERO DESCONTO EM CONTA-CORRENTE, SUPERVENIENTE AO RECEBIMENTO DA REMUNERAÇÃO. INVIABILIDADE. DIRIGISMO CONTRATUAL, SEM SUPEDÂNEO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. A regra legal que fixa a limitação do desconto em folha é salutar, possibilitando ao consumidor que tome empréstimos, obtendo condições e prazos mais vantajosos, em decorrência da maior segurança propiciada ao financiador. O legislador ordinário concretiza, na relação privada, o respeito à dignidade humana, pois, com razoabilidade, limitam-se os descontos compulsórios que incidirão sobre verba alimentar, sem menosprezar a autonomia privada. 2. O contrato de conta-corrente é modalidade absorvida pela prática bancária, que traz praticidade e simplificação contábil, da qual dependem várias outras prestações do banco e mesmo o cumprimento de pagamento de obrigações contratuais diversas para com terceiros, que têm, nessa relação contratual, o meio de sua viabilização. A instituição financeira assume o papel de administradora dos recursos do cliente, registrando lançamentos de créditos e débitos conforme os recursos depositados, sacados ou transferidos de outra conta, pelo próprio correntista ou por terceiros. 3. Como característica do contrato, por questão de praticidade, segurança e pelo desuso, a cada dia mais acentuado, do pagamento de despesas em dinheiro, costumeiramente o consumidor centraliza, na conta-corrente, suas despesas pessoais, como, v.g., luz, água, telefone, tv a cabo, cartão de crédito, cheques, boletos variados e demais despesas com débito automático em conta. 4. Consta, na própria petição inicial, que a adesão ao contrato de conta-corrente, em que o autor percebe sua remuneração, foi espontânea, e que os descontos das parcelas da prestação - conjuntamente com prestações de outras obrigações firmadas com terceiros - têm expressa previsão contratual e ocorrem posteriormente ao recebimento de seus proventos, não caracterizando consignação em folha de pagamento. 5. Não há supedâneo legal e razoabilidade na adoção da mesma limitação, referente a empréstimo para desconto em folha, para a prestação do mútuo firmado com a instituição financeira administradora da conta-corrente. Com efeito, no âmbito do direito comparado, não se extrai nenhuma experiência similar - os exemplos das legislações estrangeiras, costumeiramente invocados, buscam, por vezes, com medidas extrajudiciais, solução para o superendividamento ou sobreendividamento que, isonomicamente, envolvem todos os credores, propiciando, a médio ou longo prazo, a quitação do débito. 6. À míngua de novas disposições legais específicas, há procedimento, já previsto no ordenamento jurídico, para casos de superendividamento ou sobreendividamento - do qual podem lançar mão os próprios devedores -, que é o da insolvência civil. 7. A solução concebida pelas instâncias ordinárias, em vez de solucionar o superendividamento, opera no sentido oposto, tendo o condão de eternizar a obrigação, visto que leva à amortização negativa do débito, resultando em aumento mês a mês do saldo devedor. Ademais, uma vinculação perene do devedor à obrigação, como a que conduz as decisões das instâncias ordinárias, não se compadece com o sistema do direito obrigacional, que tende a ter termo. 8. O art. 6º, parágrafo 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro confere proteção ao ato jurídico perfeito, e, consoante os arts. 313 e 314 do CC , o credor não pode ser obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa. 9. A limitação imposta pela decisão recorrida é de difícil operacionalização, e resultaria, no comércio bancário e nas vendas a prazo, em encarecimento ou até mesmo restrição do crédito, sobretudo para aqueles que não conseguem comprovar a renda. 10. Recurso especial do réu provido, julgado prejudicado o do autor. ( REsp XXXXX/SP , Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 29/08/2017, DJe 03/10/2017)? VII. Assim, mesmo que tenha a margem consignável comprometida, cumpriria ao devedor a obrigação de buscar o credor para efetuar o pagamento de todo e qualquer débito, não podendo se valer de tal justificativa para se eximir do pagamento devido. VIII. Recurso conhecido e não provido. Sentença mantida. Condeno a parte recorrente vencida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 10% do valor corrigido da causa, contudo suspendo a exigibilidade na forma do art. 98 , § 3º , do NCPC , que ora defiro.