APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE TRÁFICO DE DROGAS E DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. DOSIMETRIA. 1 ) Na espécie, policiais civis receberam informes dando conta de que um caminhão estaria vindo do estado do Mato Grosso do Sul com uma carga de maconha com destino à comunidade Cidade de Deus, no município do Rio de Janeiro; de posse da numeração da placa e da indicação do trajeto do veículo, lograram localizá-lo e o interceptaram na rodovia BR- 116 , próximo à praça de pedágio do município de Seropédica, solicitando ao motorista e seu ajudante que abrissem o compartimento de carga; ao serem atendidos, logo sentiram um forte odor de maconha, encontrando dois mil tabletes prensados da droga entre caixas de carne suína, totalizando 1 . 964 , 8 0Kg de entorpecente. 2 ) A narrativa de que o primeiro corréu, motorista de caminhão, teria alugado em Mato Grosso do Sul, de um certo indivíduo de nome Cláudio, um caminhão frigorífico já abastecido de carne e lacrado, para fazer uma entrega em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, e de que o segundo corréu teria embarcado apenas como carona com o intuito de ¿passear¿ ou fazer compras na cidade de São Paulo ¿ e que, portanto, desconheciam a existência de quase duas toneladas de maconha no interior do compartimento de carga do veículo ¿ ressoa, por si só, indigna de crédito. O segundo corréu continuou a viagem até o Rio de Janeiro sem apresentar maiores explicações por não haver desembarcado em São Paulo na ida (seriam, ao todo, mais de 1 0 horas de viagem) e, por outro lado, em algum momento os réus teriam de fazer o desbordo da carga, o que colocaria em risco o sucesso da empreitada criminosa caso não soubessem do conteúdo ilícito transportado. Outrossim, a falta de explicações do motorista acerca da impossibilidade de comunicação com o contratante do frete torna a versão de desconhecimento das drogas ainda mais inverosímil, dado o considerável valor do conteúdo ¿ lícito ou ilícito ¿ transportado sob sua responsabilidade. 3 ) A versão dos réus desvanece-se por completo diante da leitura do pedido de restituição do caminhão apreendido formulado ao juízo a quo por Cláudio Alves de Oliveira . No petitório, subscrito pelo mesmo patrono dos réus, Cláudio confirma ser o proprietário do caminhão utilizado no crime e alega que, por impossibilidade de dirigir em virtude de um acidente de trânsito, terceirizou o serviço de transporte da carne para o primeiro corréu, que já havia realizado duas ou três viagens anteriores; assim ¿ prossegue ¿ carregou o caminhão no frigorífico e o entregou ao primeiro corréu, surpreendendo-se depois com a notícia de que o veículo fora por este utilizado para o transporte de drogas. Ocorre que, poucos meses após a prisão em flagrante dos réus, o próprio Cláudio Alves de Oliveira foi preso em flagrante por agentes da Força Especial do Departamento de Operações da Fronteira do Estado do Mato Grosso do Sul quando transportava em um caminhão pela BR0 4 0, na divisa dos Estados de MS e São Paulo, cinco toneladas de maconha, também escondida entre uma carga de carnes. A apreensão se deu no contexto da chamada Operação Hórus, investigação coordenada pelo Governo Federal visando o combate ao crime organizado e repressão de crimes nas fronteiras e divisas do país. Essa e outras apreensões de drogas no Estado do Mato Grosso do Sul, passaram, todavia, a ser objeto de outra operação, denominada Operação Fênix, deflagrada pela Polícia Federal, cerca de um mês antes da prisão de Cláudio Alves de Oliveira , para investigar uma organização criminosa voltada para o tráfico internacional de entorpecentes e lavagem de dinheiro. De acordo com a investigação, a organização especializara-se em transportar enormes quantidades de maconha desde o Paraguai, através de logística com o uso de caminhões de carga para serem distribuídas em todo o país. 4 ) Os detalhes da Operação Fênix e da complexidade e sofisticação da organização criminosa estão narrados na denúncia ofertada pelo Ministério Público Federal contra integrantes de um de seus núcleos, juntada aos autos. Dois dos crimes de tráfico de drogas praticados pela organização criminosa apurados pela Operação Fênix foram justamente o caso em tela e o que decorreu na prisão em flagrante de Cláudio Alves de Oliveira ; os preparativos de ambos os crimes , apurados na investigação, põem cobro à versão dos réus de que desconheceriam o conteúdo da carga transportada, pois o sucesso da logística do transporte da droga dependia do apoio dos motoristas dos caminhões. O conjunto probatório demonstra, portanto, a ciência dos réus de todo o conteúdo transportado e o método da organização criminosa, que se valia do transporte lícito de carga de carne para dissimular o delito de tráfico. 5 ) O conjunto probatório desvela o vínculo estável do primeiro corréu com a associação criminosa. Além da nota fiscal do transporte de carne ¿ carga perecível ¿ ter sido emitida meses antes do efetivo transporte, o próprio Cláudio Alves de Oliveira , ao postular a restituição do caminhão apreendido, cometeu a indiscrição de relatar que o primeiro corréu já havia feito para ele outros dois ou três transportes. Esse panorama mostra não se tratar ele de um traficante ocasional, de um extraneus eventualmente cooptado para transportar drogas ¿ ou, em outros termos, uma ¿mula do tráfico¿, como quer fazer crer a defesa ¿ mas, ao revés, alguém com papel relevante na logística de distribuição das drogas e há tempos comprometido com o grupo criminoso. O mesmo, contudo, não pode ser afirmado em relação ao segundo corréu. Não fica claro nos autos, tampouco na investigação relativa à Operação Fênix, se ele já havia sido cooptado pela organização e pertencia à estrutura do grupo criminoso. Não é possível, de maneira confortável, afastar a hipótese de que tenha sido pontualmente chamado pelo primeiro corréu como ajudante para o transporte e desbordo das drogas neste caso específico e, assim, que lhe faltasse o ânimo associativo inerente ao delito do art. 35 da lei 11 . 343 /0 6 . 6 ) Inexistem pesos distintos e predeterminados entre as circunstâncias judiciais, cujos conceitos, sob muitos aspectos, se sobrepõem e se interpolam. O julgador possui discricionariedade vinculada para fixar a pena-base, devendo proceder ao respectivo aumento, de maneira fundamenta, à luz do caso concreto, em função do maior juízo de censura atrelado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, vedado apenas o bis in idem ¿ o que foi observado no caso em análise. O aumento efetuado pelo juízo a quo atende ao disposto no art. 42 da Lei 11 . 343 /0 6 , encontrando-se justificado diante escala penal do delito e da enorme quantidade de drogas apreendida, o que eleva sobremaneira a culpabilidade dos réus para muito além daquela equivalente ao patamar de 1 / 6 (um sexto) ordinariamente adotado pela jurisprudência. 7 ) Impossível a aplicação da causa de diminuição do art. 33 , § 4 º , da Lei 11 . 343 /0 6 para o primeiro corréu. Conquanto seja primário e de bons antecedentes, a prova revela não apenas a sua dedicação à atividade criminosa como sua integração à complexa associação criminosa, o que impede o reconhecimento do redutor. O segundo corréu, entretanto, também primário de bons antecedentes, faz jus ao benefício. Conforme já explicitado, não há elementos hábeis a confirmar sua participação na associação criminosa ou dedicação a atividades criminosas, valendo salientar que a quantidade de entorpecentes, segundo entendimento consolidado do E. Superior Tribunal de justiça, não constitui impeditivo, por si só, ao reconhecimento do privilégio. Sem embargo , a avaliação negativa das circunstâncias judiciais, ante a vultosa quantidade de entorpecente arrecadada, aliada ao arrojo do transporte da droga por três estados da federação, contraindicam a substituição da reprimenda como resposta penal suficiente (art. 44 , inciso III, do CP). Parcial provimento do recurso .